Definição
A esofagite eosinofílica (EoE) é uma doença crônica e imunomediada do esôfago que afeta crianças e adultos de todas as idades, sendo mais frequente no sexo masculino, em brancos e em irmãos gêmeos.
Caracteriza-se clinicamente por manifestações de disfunção esofagiana e histologicamente por inflamação eosinofílica, de forma predominante. Consensos recentes consideram que a infiltração eosinofilica do esôfago responsiva ao inibidor de bomba de prótons (IBP) não deve ser considerada como um subgrupo da esofagite eosinofílica, mas, sim, um padrão normal dentro do espectro da doença.
Epidemiologia
Causa mais prevalente de esofagite crônica após a esofagite da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), a EoE somente foi reconhecida como uma entidade clínica distinta em 1993. Era considerada uma doença rara na década de 1990, mas, nos últimos anos, houve aumento exponencial na sua incidência e prevalência.
O crescimento no número de casos novos não parece estar associado somente à maior percepção diagnóstica. Uma metanálise recente aponta incidência de 6,6/100.000/ano e prevalência de 34/100.000, em crianças, e de 7,7/100.000/ano e 42,2/100.000, respectivamente, em adultos.
Nos EUA e na Europa, a doença configura a causa frequente de disfagia em crianças e adultos jovens. Ocorre em 3,7% da população pediátrica que realiza endoscopia digestiva alta (EDA) independentemente do sintoma. Quando a EDA é indicada por impactação ou disfagia, a prevalência é muito maior: 63-88% em crianças e 10-15% em adultos.
O papel da exposição a fatores ambientais, como infecção por H.pylori, exposição a diferentes alérgenos, tipo de parto e aleitamento, tem sido discutido na epidemiologia da EoE.
Etiopatogenia e fisiopatologia
A EoE tem origem multifatorial, com interação de fatores ambientais e predisposição genética, sendo frequentemente associada com doenças atópicas como asma, rinite alérgica, dermatite atópica e alergias alimentares, o que sugere uma patogênese comum. O antígeno que desencadeia a resposta imunológica pode variar de indivíduo para indivíduo.
A patogenia da EoE está relacionada a uma inflamação Th2 com participação tanto da via IgE mediada como da IgE não mediada. A inflamação esofágica acarreta disfunção e remodelação esofágica acompanhada de fibrose subepitelial.
Quadro clínico
As manifestações clínicas da EoE variam com a idade. Bebês e crianças mais novas geralmente apresentam manifestações semelhantes às da DRGE, como regurgitação, vômitos, dor abdominal, recusa alimentar e déficit de crescimento. Em crianças maiores e adultos jovens, a disfagia é o principal sintoma. Dificuldade em engolir alimentos sólidos, impactação alimentar – dificuldade de o bólus avançar através do lúmen esofágico e sensação de corpo estranho – e azia.
Em longo prazo, crianças podem desenvolver estratégias de enfrentamento para evitar sintomas, incluindo dar pequenas mordidas, comer devagar com mastigação excessiva e beber líquidos após cada mordida, bem como evitar alimentos mais sólidos devido à dificuldade de deglutição.
Adolescentes com EoE podem ser erroneamente diagnosticados com transtornos alimentares por causa de sintomas de ansiedade relacionados a alimentos, vômitos, aversão alimentar e perda de peso.
A EoE também deve ser considerada em crianças com dor torácica e tosse que não responde ao tratamento para asma.
Diagnóstico
O diagnóstico de EoE é clinicopatológico. Inclui manifestações de disfunção esofágica associadas a uma infiltração eosinofílica da mucosa esofágica, caracterizada por mais de 15 eosinófilos por campo de grande aumento. Esse ponto de corte fornece uniformidade no diagnóstico de EoE e apresenta uma sensibilidade de 100% e uma especificidade de 96%, além de diferenciar a condição de outros processos inflamatórios esofágicos, especialmente a DRGE, na qual o número de eosinófilos costuma ser menor que cinco por campo de grande aumento.
Recomenda-se a coleta de biópsias, de quatro a seis fragmentos, do esôfago medioproximal e distal para aumentar a acurácia diagnóstica. Devem ser puncionadas diferentes localizações e áreas com anormalidades na mucosa. Além da contagem de eosinófilos, outras alterações histológicas, como abscessos eosinofílicos, hiperplasia da camada basal, espaços intercelulares dilatados e alongamento da papila, têm sido associadas com EoE e utilizadas como escore de gravidade. Da mesma forma, é preciso avaliar as mucosas de estômago e duodeno para afastar outras doenças eosinofílicas gastrointestinais.
As lesões endoscópicas sugestivas de EoE são variáveis. As mais comuns incluem edema, diminuição da vascularização da superfície mucosa, sulcos longitudinais, placas brancas (manchas ou exsudato), anéis concêntricos – também chamados de traqueização do esôfago – e até redução do calibre esofágico. Vale ponderar que 10-25% dos pacientes com EoE podem apresentar mucosa esofágica normal.
A realização de testes de sensibilização (prick teste, dosagens sérica de IgE específica para alérgenos ou patch teste) pode ser considerada para um diagnóstico de alergia, mas não identifica o gatilho da EoE e tem valor preditivo baixo.
Outros métodos, como a radiografia (EED) e a mensuração da IgE total, não são feitos rotineiramente na investigação desses casos. Por outro lado, recomenda-se a pH-metria para os indivíduos com suspeita de refluxo gastroesofágico.
Diagnóstico diferencial
Inclui outras causas de infiltração eosinofílica secundária no trato digestório, como doença celíaca, doenças do colágeno (incluindo síndrome de Churg-Strauss), DRGE, doença inflamatória intestinal, drogas (anticonvulsivantes, imunossupressores, anti-inflamatórios não esteroides, carbamazepina, clonazepina, rifampicina e tracolimus), linfoma e outras condições malignas, infecção parasitária e fúngica, lesão cáustica, síndrome hipereosinofílica e transplante alogênico de medula óssea.
Convém ressaltar ainda que algumas comorbidades apresentam risco aumentado de coexistência com a EoE, a exemplo da DRGE, doença celíaca, doença inflamatória intestinal e esofagite por herpes, entre outras.
Tratamento
O tratamento da EoE contempla três modalidades, ou três Ds: drogas, dieta e dilatações. Os dois primeiros atuam sobre a inflamação e o terceiro, sobre fibrose.
O primeiro passo no tratamento pode ser o uso de IBP, pois essa classe de medicamentos é bastante segura. Em pacientes que não respondem a tais fármacos, contudo, dietas de eliminação ou corticosteroides tópicos deglutidos constituem o segundo passo. O tratamento deve ser individualizado, de acordo com as preocupações e estilos de vida de cada paciente ou de sua família, e permite mudanças ao longo do tempo.
O uso de corticosteroides tópicos deglutidos (fluticasona e budesonida) tem demonstrado segurança e eficácia. O paciente não deve ingerir alimentos ou líquidos por via oral durante 30-60 minutos após a administração desses medicamentos para favorecer seu contato com a mucosa esofágica.
Já a dieta de eliminação é dirigida por testes alérgicos, como os de hipersensibilidade imediata e atopy patch test ou empírica. É importante, à semelhança da alergia alimentar, encaminhar os indivíduos para avaliação com um nutricionista. Pode-se optar por exclusão dos seis alimentos considerados os alérgenos mais comuns: leite de vaca, ovo, soja, trigo, amendoim e frutos do mar ou de quatro de alimentos ou mesmo de um alérgeno específico, como o leite de vaca, tido como o principal alérgeno associado à EoE, a ponto de um estudo apontar que sua eliminação resultou em remissão do quadro em crianças em 64% dos casos.
A fórmula de aminoácidos é eficaz na indução de remissão clínica e histológica da doença, porém a palatabilidade da dieta e o custo são obstáculos para essa modalidade de tratamento.
A dilatação esofágica tem utilidade em doentes muito sintomáticos, com estreitamento do esôfago secundário a estenoses fixas, que causam impacto alimentar, e que não tenham obtido melhora com a dieta e o corticoide deglutido.
Conclusão
Embora o acompanhamento dos casos deva ser realizado por gastroenterologistas, é fundamental que os médicos de cuidados primários sejam capazes de reconhecer a possibilidade diagnóstica de EoE para encaminhamentos pertinentes.
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Consultoria médica
Gastroenterologia e Hepatologia
Dra. Márcia W. E. Cavichio
Dra. Soraia Tahan
Dra. Patricia M. Costa de Oliveira
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