Dos biomarcadores inflamatórios, a proteína C reativa (PCR) emergiu como a melhor ferramenta clínica
DOENÇA VASCULAR ATEROSCLERÓTICA
Na última década, as pesquisas começaram a desvendar a associação da cascata de inflamação com o processo de aterosclerose e doença arterial coronariana (DAC). Vários estudos examinaram os aspectos do sistema imune, incluindo moléculas de adesão (ICAM-1 e VCAM-1, E-selectina e P-selectina), citocinas (interleucina-6 e fator de necrose tumoral alfa) e outras proteínas de fase aguda (proteína C reativa, fibrinogênio e amiloide sérica A). Assim, a aterosclerose é considerada também uma doença inflamatória, e não apenas o acúmulo de colesterol.
Proteína C reativa ultrassensível
Dos biomarcadores inflamatórios, a proteína C reativa (PCR) emergiu como a melhor ferramenta clínica para a detecção de risco cardiovascular – poder preditivo e utilidade clínica.
Níveis de PCR estão associados com aumento no risco de doença arterial periférica, infarto do miocárdio, AVC e morte súbita cardiovascular.
A PCR é uma proteína plasmática sintetizada no fígado que funciona como um marcador sensível e dinâmico de inflamação – por exemplo, na presença de citocinas, como as interleucinas. Sua concentração na circulação pode aumentar até 10 mil vezes durante a resposta aguda do organismo a uma infecção ou trauma tissular maior.
Essa proteína praticamente inexiste na circulação de pessoas saudáveis. Portanto, é um marcador inespecífico de inflamação.
A dosagem de PCR ultrassensível foi desenvolvida em 1990 e passou a detectar concentrações séricas de PCR abaixo dos valores normais dos testes prévios. Atualmente, em alguns laboratórios, basta solicitar a PCR que o exame já é realizado pelo método ultrassensível.
Interpretação
- Baixo risco: <1,0 mg/L ou <0,1 mg/dL.
- Médio risco: de 1,0 a 3,0 mg/L ou de 0,1 a 0,3 mg/dL.
- Alto risco: >3,0 mg/L ou >0,3 mg/dL.
- Muito alto risco: ≥10,0 mg/L ou ≥1,0 mg/dL.
Diante de valor >3,0 mg/L ou >0,3 mg/dL, é necessário repetir o exame após, pelo menos, duas semanas em estado metabólico estável, livre de infecção ou doença aguda. O menor valor das duas medidas deve ser considerado. Se ≥10 mg/L ou ≥1,0 mg/dL, o resultado pode estar relacionado a risco cardiovascular.
Controvérsias
A PCR apresentar pequena melhora na predição de risco, quando comparada aos fatores de risco já estabelecidos, porém pode reclassificar os pacientes de risco intermediário (pelo escore da ATP-III) em baixo, baixo a moderado, moderado a alto e alto risco.
Pode ter um papel causal no desenvolvimento de doença cardiovascular por efeitos biológicos na função endotelial, coagulação, fibrose, oxidação da LDL e estabilidade da placa, mas o uso de estatinas é mais custo-efetivo em indivíduos com PCR elevada.
Conclusão
PCR na prevenção primária:
- Em níveis elevados, a PCR está associada com aumento de risco CV, mesmo na ausência de hiperlipidemia.
- A PCR pode adicionar informação prognóstica – principalmente no risco intermediário.
- A terapia com estatinas reduz os níveis de PCR, independentemente de qualquer efeito nos níveis dos lipídios, e deve ser prescrita pelo julgamento clínico.
- Os dados atuais não justificam usar a PCR no monitoramento terapêutico para avaliar o tratamento.
- A PCR pode ser útil em homens com mais de 50 anos e em mulheres com mais de 60 anos para terapia com estatinas, se LDL-colesterol estiver <130 mg/dL, desde que os pacientes não estejam em terapia redutora de gordura, em reposição hormonal ou em imunossupressão e desde que não tenham doença cardiovascular clínica, diabetes, doença renal crônica, condições inflamatórias importantes ou contraindicação às estatinas.
PCR na prevenção secundária:
- Não é um marcador necessário para iniciar a terapia.
Fibrinogênio
Essencial na agregação plaquetária, o fibrinogênio está relacionado com depósito de fibrina, com o tamanho do trombo e com o aumento da viscosidade plasmática. Pode ter papel pró-inflamatório, que é mediado pela interação fibrinogênio-leucócito, cuja mediação, por sua vez, cabe às integrinas.
Há dificuldade de utilização desse marcador devido à variabilidade das suas medidas nos testes laboratoriais. Não existe terapia nos estudos clínicos para seletivamente baixar o fibrinogênio e avaliar a eficácia na redução do risco cardiovascular.
Os dados disponíveis na literatura permitem dizer que se trata de um marcador independente de risco cardiovascular, entretanto, devido a problemas analíticos, insuficiente padronização e incertezas em identificar estratégias de tratamento, suas medidas não são recomendadas.
Contagem de glóbulos brancos
Os dados disponíveis são suficientes para afirmar que os glóbulos brancos são marcadores independentes de risco cardiovascular. No entanto, sua medida não é recomendada nesse contexto, pois se desconhece sua utilidade na reclassificação de risco e existem incertezas na identificação de estratégias de tratamento.
Lipoproteina (a), apoB e apoA-I
Esses marcadores não são indicados como triagem. Em pacientes de risco intermediário (10-20%) e com incertezas quanto ao uso de terapias preventivas, a Lp(a) pode ser usada com o escrutínio do médico-assistente. Os benefícios da terapia baseada nas concentrações de Lp(a) são incertos.
A apoB é um bom preditor de risco cardiovascular (pelo menos igual ao LDL), porém é apenas marginalmente melhor que o perfil lipídico padrão.
Homocisteína
Para avaliação na prevenção primária, seu uso é incerto. Estudos com ácido fólico e vitamina B não revelaram benefício ou redução de risco cardiovascular.
Hemoglobina glicada (A1C)
O exame pode ser efetivo para a triagem no diagnóstico de diabetes mellitus (≥6,5%) e para a identificação de pessoas com alto risco para o diabetes (de 5,7% a 6,4%).
Alguns estudos observaram que pessoas sem diabetes, mas com altos níveis de A1C, estavam associadas a aumento no risco de doença cardiovascular.
Esse marcador pode ainda ser usado para reclassificar o risco em escores que utilizam fatores tradicionais e glicose de jejum.
Excreção urinária de albumina
A análise da microalbuminúria na urina está associada a eventos cardiovasculares. Estudos recentes mostraram que essa associação existia em pessoas com e sem diabetes. Entretanto, a padronização entre os laboratórios é subótima.
Em pacientes assintomáticos de risco intermediário, com diabetes e hipertensão, o uso de microalbuminúria é razoável para a avaliação de risco cardiovascular.
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
Peptídeos natriuréticos
Os peptídeos natriuréticos do tipo B (BNP) e o pró-hormônio N-terminal BNP (NT-pró-BNP) têm papel fundamental na exclusão diagnóstica da insuficiência cardíaca (IC) na sala de emergência pelo seu valor preditivo negativo. Da mesma forma, o valor prognóstico desses marcadores está bem estabelecido.
Atualmente, eles estão em avaliação para guiar a terapia da IC baseada em níveis de corte preestabelecidos. Não existe um fator de correção para os valores entre BNP e NT-pró-BNP. Sua liberação é influenciada por fatores como sexo feminino, idade avançada, obesidade, presença de insuficiência renal e terapia específica para IC.
MARCADOR DE FASE AGUDA
Troponina ultrassensível
As troponinas cardíacas são proteínas envolvidas no processo de contração das fibras musculares cardíacas. Em condições normais, não estão presentes na circulação sanguínea. As troponinas cardíacas T e I são atualmente consideradas como os marcadores-padrões no diagnóstico da lesão isquêmica do miocárdio.
Recentemente, uma nova metodologia de alta sensibilidade para a dosagem da troponina foi introduzida no laboratório clínico. A vantagem, em relação à metodologia não ultrassensível, está no aumento significativo da sensibilidade diagnóstica numa fase muito precoce da lesão miocárdica, situação que não era factível pelos métodos convencionais.
Para fins comparativos, o método ultrassensível para a dosagem de troponina T, hoje disponível no Fleury, é capaz de detectar níveis extremamente baixos de troponina T, da ordem de 0,003 ng/mL, enquanto o método convencional alcançava um limite de detecção ao redor de 0,01 ng/mL.
Na suspeita de infarto agudo de miocárdio (IAM), um resultado normal da troponina T ultrassensível é altamente sugestivo de ausência de IAM (valor preditivo negativo de 99%). Nessas mesmas condições, o valor preditivo positivo do teste é de apenas 50%.
Referências bibliográficas
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