Na primeira metade do século 20, Alfons Maria Jakob e Hans Gerhard Creutzfeldt reportaram, de forma independente, a síndrome clínica e patológica de declínio cognitivo rapidamente progressivo e espasticidade associados à degeneração cortical e estriatal espongiforme, culminando no termo doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ). Passados 70 anos, Stanley Prusiner propôs que a causa das encefalopatias espongiformes transmissíveis decorria de moléculas infecciosas proteicas denominadas príons.
As afecções priônicas compreendem um grupo heterogêneo de doenças neurodegenerativas caracterizadas pela transformação de uma proteína priônica celular naturalmente existente (PrPC) numa proteína anormalmente dobrada, a proteína priônica scrapie (PrPSc). Diferentemente de outros agentes infecciosos que se replicam por mitose ou utilizam recursos provenientes do hospedeiro, a PrPSc parece se autopropagar por meio da catálise da reconfiguração da PrPC – conversão que pode ser espontânea ou ocorrer por mutação genética patogênica.
Estima-se que a incidência anual de todas as doenças humanas priônicas seja relativamente estável em todo o mundo, com uma incidência de aproximadamente um caso por 1 milhão de habitantes por ano. Essas enfermidades podem ser classificadas como adquiridas, hereditárias ou esporádicas (tabela 1).
O diagnóstico da DCJ permanece um desafio devido à grande variabilidade do cenário clínico, sobretudo em seus estágios iniciais, que podem mimetizar diversas doenças reversíveis ou tratáveis.
Atualmente, o diagnóstico definitivo da DCJ é realizado pela demonstração neuropatológica da isoforma patológica do príon por, pelo menos, um dos seguintes procedimentos: técnica neuropatológica padrão, imuno-histoquímica, western blot (proteína PrP proteaseresistente) e achado de fibrilas associadas à scrapie.
Convém destacar que o diagnóstico definitivo nem sempre é conclusivo. Ademais, não se deve negligenciar o risco do procedimento invasivo. Com isso, comumente o diagnóstico provável se dá por meio de uma das seguintes formas:
1. Desordem neuropsiquiátrica somada à presença do real-time quaking-induced conversion (RT-QuIC) positivo no líquor ou em outros tecidos.
2. Demência rapidamente progressiva mais, pelo menos, duas das seguintes quatro características clínicas – mioclonia, distúrbio visual ou disfunção cerebelar, alterações piramidais ou extrapiramidais e mutismo acinético –, em combinação com os resultados de, pelo menos, um teste paraclínico – eletroencefalograma, análise do líquor e / ou alteração na imagem por ressonância magnética (RM).
As diversas doenças que cursam com declínio cognitivo rapidamente progressivo apresentam características clínicas sobrepostas. É claro que há necessidade de ser pragmático e de evitar custos, mas a investigação diagnóstica deve ser abrangente e cobrir as causas mais frequentes de declínio cognitivo rapidamente progressivo, com especial atenção às condições potencialmente tratáveis.
Tabela 1
Espectro das doenças priônicas humanas | |
Grupos | Subtipos |
Adquirida | Kuru Forma variante da DCJ Forma iatrogênica da DCJ |
Familiar (10-15%) | Forma genética da DCJ Insônia familiar fatal Doença de Gerstmann-Sträussler-Scheinker |
Idiopática (85%) | Forma esporádica da DCJ (eDCJ) Insônia esporádica fatal Prionopatia protease-sensível variável |
Achados de RM podem preceder sintomas
O exame de RM foi incluído como ferramenta paraclínica adjunta para o diagnóstico da DCJ nas diretrizes de 2010, publicadas pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (figura 1).
Os achados reconhecíveis em imagens de RM nos pacientes com DCJ, particularmente oriundos das imagens ponderadas em difusão, podem preceder o início das manifestações clínicas, mesmo em casos insuspeitos com resultados normais ou atípicos nos exames de eletroencefalograma e líquor, tornando o método de imagem a pedra angular para apoiar o diagnóstico precoce (figura 2).
Figura 1. Exames de RM de três diferentes pacientes nas sequências ponderadas em FLAIR (A e C) e difusão (B, D-F) demonstram os padrões de comprometimento do encéfalo caracterizados por hipersinal em FLAIR e restrição à difusão, com as respectivas frequências – paciente 1 (A e B): núcleos da base e tálamos (5-12%); paciente 2 (C e D): núcleos da base e córtex (45-68%); paciente 3 (E e F): somente córtex (24-41%). O achado típico e comum a todos os padrões é a presença de franca restrição à difusão atribuída à vacuolização espongiforme.
Figura 2. Exame de RM de três diferentes pacientes nas sequências ponderadas em difusão (A, D e F), mapa ADC (B) e FLAIR (C e E). Alguns indivíduos com eDCJ podem apresentar sintomas clínicos que antecedem o declínio cognitivo rapidamente progressivo. Há três formas clínicas reconhecidas: a variante de Heidenhain, caracterizada pela presença de alteração visual e exame de imagem que demonstra restrição à difusão seletiva do córtex occipitoparietal (setas em A), confirmada pelas áreas de baixo sinal no mapa ADC (B); a variante de Brownell- Oppenheimer, marcada pelo predomínio dos sintomas cerebelares, com a sequência FLAIR demonstrando hipersinal no córtex cerebelar (C), que também exibe restrição à difusão (D); e a variante de Stern-Garcin, na qual predominam as manifestações extrapiramidais, com áreas que caracteristicamente apresentam hipersinal em FLAIR e restrição à difusão nos núcleos da base e tálamos (cabeça de setas em E e F, respectivamente).
Embora haja uma variabilidade considerável nas imagens, o padrão típico de RM da forma eDCJ, a mais frequente de todas, consiste no comprometimento do córtex cerebral e/ou dos núcleos da base, particularmente do lobo límbico (ínsula e giro do cíngulo) e dos giros frontais superiores, assim como das áreas corticais próximas à linha mediana, com relativa preservação da região perirrolândica (figura 3).
As alterações típicas observadas no córtex cerebral, núcleos da base, tálamos e cerebelo são sobreponíveis a distúrbios agudos graves de diferentes causas. Apesar de as características de imagem por RM poderem mimetizar os padrões descritos das encefalopatias priônicas, detalhes da história clínica, achados adicionais da ressonância e testes laboratoriais permanecem essenciais para apoiar uma distinção confiável.
Figura 3. Exame de RM nas sequências ponderadas em difusão (A-D e F) e FLAIR (E). Os achados de imagem usuais da eDCJ são o comprometimento bilateral e assimétrico do córtex e dos núcleos da base, com preservação relativa da região perirrolândica (seta em B). O sinal do duplo taco de hóquei, decorrente do acometimento da porção medial (cabeças de seta em C) e dos pulvinares dos tálamos (setas finas em C e D), foi descrito como específico da variante da DCJ. No entanto, esse achado também pode ocorrer na e eDCJ. Muito embora os pacientes com eDCJ tenham sintomas cerebelares, o achado usual por imagem é o de atrofia cerebelar. Somente uma minoria dos pacientes apresentará córtex cerebelar com hipersinal em FLAIR e restrição à difusão (E e F, respectivamente).
Consultoria Médica
Dr. Carlos Jorge da Silva
Consultor médico em neuroimagem
[email protected]
Dr. Diego Cardoso Fragoso
Consultor médico em neuroimagem
[email protected]
Referências
1. Fragoso DC, Filho AL da MG, Pacheco FT, et al. Imaging of Creutzfeldt-Jakob Disease: Imaging Patterns and Their Differential Diagnosis. RadioGraphics 2017;37:234–57.
2. Paterson RW, Takada LT, Geschwind MD. Diagnosis and treatment of rapidly progressive dementias. Neurology Clin Pract 2012;2:187–200.
3. Holman RC, Belay ED, Christensen KY, et al. Human prion diseases in the United States. PLoS One 2010;5(1):e8521.
4. CDC’s diagnostic criteria for Creutzfeldt-Jakob disease. Centers for Disease Control and Prevention website. https://www.cdc.gov/prions/cjd/diagnostic-criteria.html. Published 2018
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