Diagnóstico por imagem de placenta prévia e acretismo placentário

O papel da ressonância magnética e da ultrassonografia na investigação dessa suspeita


O que é placenta prévia?
É a presença de tecido placentário no segmento inferior do útero, localizando-se muito próxima ou até recobrindo de maneira total ou parcial o orifício interno do colo do útero. Apresenta incidência estimada de um caso para 200 gestações.


A partir de que idade gestacional pode-se suspeitar dessa condição na ultrassonografia?
Em qualquer idade gestacional. No entanto, na grande maioria dos casos em que existe essa suspeita antes de 20 semanas, não se observa a persistência de placenta de inserção baixa (borda inferior da placenta até 20 mm do orifício interno do colo) ou de placenta prévia (atinge o orifício interno do colo, podendo recobri-lo total ou parcialmente) no termo da gestação. Assim, sempre que houver tais suspeitas, recomenda-se repetir a ultrassonografia transvaginal com 32 semanas de gestação. A via transvaginal é um método seguro e tem melhor acurácia diagnóstica que a ultrassonografia abdominal.

Imagem ultrassonográfica. Placenta de inserção baixa. A borda inferior da placenta dista 14,9 mm do orifício interno do colo uterino.


Imagem ultrassonográfica. Placenta prévia. A borda inferior da placenta ultrapassa em 22 mm o orifício interno do colo uterino.


Quais os fatores de risco para placenta prévia e acretismo placentário?

Fatores de risco para placenta prévia:

  • Placenta prévia em gestação anterior
  • Cesárea anterior – o risco relativo de placenta prévia aumenta conforme o número de cesáreas anteriores (risco relativo de 4,5 para uma cesárea anterior, 7,4 para duas, 6,5 para três e 44,9 para quatro ou mais)
  • Técnicas de reprodução assistida
  • História materna de tabagismo (aumenta o risco em 42%)
  • Idade materna avançada
  • Multiparidade
  • Gemelaridade


Fatores de risco para acretismo placentário:

  • Cesárea anterior, com placenta prévia recobrindo a cicatriz uterina. O risco de acretismo nos casos de placenta prévia aumenta conforme o número de cesáreas anteriores (risco de 3% para casos de primeira cesárea, 11% para casos de segunda, 40% para casos de terceira, 61% para os de quarta e 67% para os de quinta ou mais cesáreas anteriores)
  • Idade materna avançada
  • Multiparidade
  • Placenta acreta em gestação anterior
  • Cirurgias uterinas prévias (curetagens, miomectomia, ablação endometrial, etc.)

Placenta com sinais de acretismo placentário, vista à ultrassonografia.


Como são definidos os tipos de acretismo placentário?

A definição varia de acordo com a profundidade de penetração da placenta.

  1. Placenta acreta: quando as vilosidades coriônicas se aderem ao miométrio, sem invadi-lo.
  2. Placenta increta: quando as vilosidades coriônicas invadem o miométrio.
  3. Placenta percreta: quando as vilosidades coriônicas invadem toda a espessura do miométrio até a serosa, podendo chegar a órgãos adjacentes


Quais os critérios ultrassonográficos de acretismo placentário?

A associação ultrassonográfica mais importante do acretismo placentário no segundo e terceiro trimestres é a presença de placenta prévia em gestantes com cesárea anterior. 

Os achados incluem:

  • Múltiplas lacunas irregulares na espessura placentária
  • Perda da zona hipoecoica normal entre a placenta e o miométrio
  • Diminuição da espessura miometrial retroplacentária (<1mm)
  • Irregularidades na interface entre bexiga e serosa uterina
  • Extensão da placenta para o miométrio, serosa ou bexiga


O uso do Doppler colorido pode facilitar o diagnóstico. Como achado mais comum, observa-se o fluxo sanguíneo lacunar turbulento. Entre outros achados estão aumento da vascularização subplacentária, lacunas no fluxo sanguíneo miometrial e vasos ligando a placenta à parede uterina. A ultrassonografia apresenta elevadas sensibilidade e especificidade (>90%), mas a ausência de alterações não descarta o diagnóstico de acretismo placentário, especialmente na presença de fatores de risco preditores.


Quando está indicada a avaliação da localização da placenta por ressonância magnética?

O método pode ser utilizado para complementar a ultrassonografia em casos difíceis, para avaliação da profundidade de invasão e extensão lateral da invasão do miométrio na placenta acreta, sobretudo nos casos com placenta posterior. A sensibilidade e a especificidade da ressonância magnética são comparáveis às da ultrassonografia, mas o exame não deve ser o inicial para a investigação de suspeita de acretismo placentário.

Imagem de ressonância magnética de paciente de 38 anos, com antecedente de ´duascesáreas. IG: 35 semanas e 2 dias. A ultrassonografia demonstrou placenta prévia e sinais de acretismo. A ressonância magnética foi solicitada para avaliação do grau de profundidade da invasão e demonstrou infiltração da cúpula vesical, confirmada na cirurgia.


Em relação aos aspectos técnicos da ressonância, há necessidade de realizar sedação materna ou fetal ou, ainda, utilizar contraste intravenoso? Qual é o tempo médio do exame?

Embora a técnica para ressonância seja semelhante à usada na população não gestante, podem ser empregados alguns recursos para minimizar o desconforto materno, como oxigênio nasal, que aumenta a capacidade de apneia da mãe e ainda reduz os movimentos fetais e os artefatos decorrentes destes, e a posição materna em decúbito lateral esquerdo ao longo do exame, se mais confortável para a paciente. O acompanhamento do estudo por um radiologista treinado é essencial para orientar a aquisição de imagens e encurtar o tempo de execução da ressonância, que, em geral, dura de 20 a 30 minutos. O exame dispensa sedação materna ou fetal. Por sua vez, o uso de contraste intravenoso (gadolínio) é controverso, já que alguns estudos demonstraram que pode aumentar a acurácia do método para o diagnóstico das formas invasivas de acretismo placentário, enquanto outros não evidenciaram um incremento significativo. Como as evidências de segurança fetal em longo prazo são limitadas, o Fleury não usa o gadolínio em gestantes.

Há recomendação em relação ao preparo da gestante para a ressonância da placenta ou à idade gestacional mais adequada para realizar o exame?

Não se recomenda um preparo específico para a ressonância magnética, inclusive, não há necessidade de jejum. De acordo com consenso publicado em 2020 pela Sociedade Europeia de Radiologia Urogenital, em conjunto com a Sociedade de Radiologia Abdominal, preconiza-se a realização da ressonância magnética para a pesquisa do acretismo placentário entre 28 e 32 semanas. Entretanto, caso seja preciso, o exame pode ser feito fora do intervalo recomendado. Sabe-se, porém, que a acurácia diagnóstica do método para predizer alterações de inserção da placenta é menor antes de 24 semanas de gestação. Por outro lado, após 35 semanas, a heterogeneidade natural da placenta e o afilamento miometrial habitual podem dificultar o diagnóstico em alguns casos.


Quais são os critérios diagnósticos de acretismo placentário na ressonância?

As principais características que definem o acretismo placentário na ressonância magnética incluem:

  • Bandas intraplacentárias de baixo sinal (escuras) nas sequências ponderadas em T2, principalmente quando associadas à retração da placenta
  • Abaulamento placentário anormal/ tecido placentário exofítico protruindo através da parede uterina
  • Descontinuidade da parede da bexiga, associada a protrusão da placenta
  • Intensidade de sinal heterogênea da placenta
  • Vascularização desorganizada e de grosso calibre intraplacentária/ no leito placentário
  • Espessamento placentário assimétrico na região de acretismo
  • Perda da interface placentomiometrial
  • Afilamento do miométrio (<1 mm)


Imagem de ressonância magnética de paciente de 42 anos, com uma cesárea pregressa e IG de 36 semanas e 3 dias. A ultrassonografia demonstrou placenta prévia e suspeita para acretismo, ambas confirmadas na ressonância magnética. Note a presença de banda de baixo sinal em T2, associada à retração placentária, sinal que tem 100% de especificidade para o diagnóstico de acretismo.


Qual é a idade gestacional do parto na placenta prévia e acretismo?

Nos casos de placenta prévia, com sangramento materno controlável, indica-se a cesárea com 37 semanas. Já nos casos de inserção baixa da placenta, a conduta é individualizada, baseada no risco de sangramento durante o trabalho de parto. Nas grávidas com suspeita de acretismo placentário, sugere-se programar o parto com 36 semanas, com equipe multidisciplinar, composta de obstetra, anestesista, neonatologista, hemoterapeuta, urologista, intensivista e até radiologista intervencionista nos casos mais graves.

Gestantes com diagnóstico de placenta prévia devem receber a corticoprofilaxia para maturação pulmonar?

Deve-se individualizar o uso da corticoprofilaxia, que pode ser realizado a partir da viabilidade fetal, entre 25 a 34 semanas, em gestantes sintomáticas e com sangramento materno controlável.

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Consultoria médica

Medicina Fetal

Dra. Eliane Azeka Hase
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Dr. Mário H. Burlacchini de Carvalho
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Imagem do Abdome e Pelve

Dra. Angela Hissae Motoyama Caiado
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