Obesidade e síndrome dos ovários policísticos

Diversas evidências apontam que mulheres com SOP têm alteração no tecido adiposo.

Artigo produzido em parceria com a Novo Nordisk e publicado na Revista Médica do Fleury Medicina e Saúde Edição 02 de 2021


A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é a endocrinopatia mais frequente em mulheres na idade reprodutiva e atinge de 5% a 15% da população. Caracteriza-se por excesso de androgênios (hiperandrogenismo), anovulação crônica e ovários de aparência policística. Apresenta alterações reprodutivas e metabólicas muito evidentes e está relacionada a condições como infertilidade, resistência à insulina, síndrome metabólica, diabetes do tipo 2 e obesidade. Sua etiologia é multifatorial e parece envolver aspectos genéticos, epigenéticos e ambientais que se associam no estabelecimento do fenótipo definitivo. A fisiopatologia também é complexa, mas se sabe que há falhas no controle hipotalâmico de produção de gonadotrofinas, desvios na produção de esteroides sexuais pelos ovários e suprarrenais, desenvolvimento alterado dos folículos ovarianos, anormalidades na função do tecido adiposo e uma plêiade ampla de outras alterações.

Clinicamente, as mulheres apresentam irregularidades menstruais, que, em geral, se iniciam à época da puberdade, sinais clínicos e laboratoriais de excesso de produção ou ação de androgênios (por exemplo, hirsutismo) e ovários aumentados e com microcistos, identificados à ultrassonografia. Além disso, a SOP é extremamente heterogênea do ponto de vista clínico e laboratorial, o que dificulta sobremaneira o diagnóstico e a condução clínica. O diagnóstico deve se basear em consensos de especialistas que procuram apreciar todas as complexidades e fenótipos da síndrome. Atualmente, o critério mais aceito mundialmente é o chamado Consenso de Rotterdam, que estabelece a necessidade de buscar ao menos dois dos três achados principais (hiperandrogenismo, irregularidade menstrual e ovários policísticos), mas, acima de tudo, de excluir outras condições clínicas que possam mimetizar esse quadro clínico.

SOP e obesidade

Do ponto de vista metabólico, a obesidade constitui um dos achados mais frequentemente associados à SOP, ao lado da resistência à insulina. Até 60% dessas pacientes apresentam algum grau de obesidade, taxa muito superior à da população geral. Sabe-se também que a condição piora todos os aspectos da SOP. Mulheres com obesidade e com a síndrome têm mais irregularidade menstrual e amenorreia, mais hiperandrogenismo, maiores índices de infertilidade e mais complicações obstétricas precoces e tardias. Quanto ao metabolismo, possuem risco aumentado para diabetes do tipo 2 e maiores taxas de conversão de pré-diabetes para diabetes, síndrome metabólica, esteatose hepática, distúrbios do sono e doença cardiovascular. Apresentam ainda incidência mais elevada de depressão, ansiedade e baixa qualidade de vida quando comparadas com as mulheres sem obesidade. Por fim, exibem resposta pior aos tratamentos para infertilidade, com maior necessidade de medicamentos para induzir a ovulação e taxas mais elevadas de abortamento espontâneo, bem como às intervenções de prevenção do diabetes do tipo 2.

Fisiopatologia da obesidade na SOP

A relação entre obesidade e SOP ainda não está completamente elucidada, apesar da clareza da associação. Na prática clínica, nota-se que parte das pacientes ganha peso com facilidade e tem dificuldade para emagrecer. Vários estudos tentaram desvendar se há uma relação de causa e efeito entre as duas entidades ou meramente uma associação. Alguns autores defendem que a obesidade seria um fator desencadeante da SOP em mulheres com uma base genética já propícia ao desenvolvimento da síndrome. Por sua vez, outros estudos demonstram que a SOP, per se, seria um fator desencadeador da obesidade. A segunda hipótese vem ganhando mais força recentemente, uma vez que diversas evidências apontam que as pacientes com a síndrome apresentam alterações na biologia do tecido adiposo. Nesse grupo, há aumento da adipogênese, diminuição da lipólise, distribuição anômala do tecido adiposo, com maior concentração de gordura visceral, redução do tecido adiposo marrom e maior resistência à insulina.

A intervenção precoce do médico é essencial para obter resposta adequada ao tratamento. Todas as pacientes devem ser orientadas a fazer, pelo menos, 150 minutos de exercícios aeróbicos por semana e manter hábitos saudáveis. A maioria das sociedades recomenda que a mudança de estilo de vida deve ser prescrita com base em critérios objetivos – específicos, mensuráveis, atingíveis, realistas e situados dentro de um período de tempo. É necessário igualmente encorajar as pacientes a aderirem a uma dieta balanceada, de preferência com controle do excesso de carboidratos. Sabe-se que a perda de, no mínimo, 5% de peso promove melhora nos perfis ovulatório e metabólico dessas mulheres, diminuindo a resistência à insulina e o excesso de produção androgênica. Se as mudanças no estilo de vida forem insuficientes, o tratamento medicamentoso precisa ser adicionado ao conjunto de cuidados. Os medicamentos aprovados no Brasil e disponíveis para o combate à obesidade incluem o agonista do receptor GLP-1 (liraglutida), o orlistate e a sibutramina. Outras medicações, como antidepressivos, e a associação de fármacos podem ainda ser necessárias. Tratamentos cirúrgicos apresentam indicações específicas e requerem acompanhamento multidisciplinar.

Por fim, o médico que cuida da mulher com SOP deve ter uma postura proativa de diagnóstico, prevenção e tratamento da obesidade e de suas consequências.


Referências

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Consultoria médica

Gustavo Arantes Rosa Maciel

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