Ressonância magnética na doença coronariana crônica

Exame pode diagnosticar a isquemia miocárdica, além de avaliar a viabilidade do músculo cardíaco.


A ressonância magnética (RM) é um exame não invasivo que dispensa o uso de radiação ionizante, mas que baseia a composição da imagem na interação de um poderoso imã com os átomos de hidrogênio no interior do corpo humano. Por suas características, possibilita a análise da função ventricular contrátil, da função diastólica e da mobilidade regional com grande precisão. Além disso, com o uso de meio de contraste não iodado – um metal chamado gadolínio –, permite avaliar a perfusão miocárdica e identificar áreas de necrose e de fibrose por meio da técnica do realce tardio, uma vez que, nas áreas em que há esse tipo de anormalidade, o contraste fica retido por mais tempo do que nos tecidos normais e, por isso, pode ser visualizado em aquisições feitas de 10 a 15 minutos após sua injeção numa veia periférica do paciente. Tais características fazem da RM uma opção interessante para análise da perfusão e para o diagnóstico de isquemia miocárdica, bem como de viabilidade miocárdica. São essas as principais contribuições desse exame no estudo da doença coronariana crônica, visto que a realização de imagens diretas das artérias coronárias por RM, embora factível em casos selecionados, ainda se encontra em estágios iniciais e não apresenta a mesma qualidade das imagens da tomografia computadorizada (TC) para esse fim.

Ja a pesquisa de perfusão coronariana pela RM mostra resultados de excelência com impacto na prática clínica e na tomada de decisão quanto à melhor forma de manejo de pacientes com suspeita de coronariopatia crônica. O exame inclui duas etapas, a primeira sob a realização de estresse farmacológico, seja com fármacos que aumentem o trabalho cardíaco, como a dobutamina, seja com aqueles que promovem a vasodilatação, tais como o dipiridamol, a adenosina ou o regadenoson. Por motivos práticos, a maior parte dos serviços hoje utiliza a segunda abordagem, que se mostra segura e eficaz. No nosso meio, o agente mais empregado é o dipiridamol por conta de sua eficácia, custo, disponibilidade e segurança. Já a segunda etapa compreende a aquisição de imagens em repouso, tanto da perfusão miocárdica como da função ventricular. O estudo completo leva cerca de 40 minutos e o diagnóstico de isquemia fica estabelecido quando se observam defeitos de perfusão durante o estresse que não são vistos em repouso (figura 1). Além da análise visual, hoje é possível quantificar a intensidade e a extensão do defeito isquêmico, o que dá informações relevantes quanto à gravidade e ao prognóstico do paciente.


Figura 1 - Avaliação da perfusão miocárdica pela ressonância magnética. A partir de uma imagem localizadora, são prescritos tantos cortes quantos forem necessários para revelar todas as paredes do coração em toda a sua extensão e observa-se a fluxo do gadolínio pelo sistema circulatório e pelas paredes ventriculares (A). Ao término do exame, compara-se a fase em estresse (no caso, realizado com dipiridamol) com a fase em repouso. Caso exista diferença no grau de contrastação, define-se a existência de isquemia, que, neste exemplo (B,) compromete a parede anterior.


O valor preditivo positivo (VPP), o valor preditivo negativo (VPN) e a acurácia da RM não são inferiores aos valores de nenhum outro método diagnóstico (tabela I), mas existem dados do estudo CE-MARC que indicam que, ao ser comparado com a cintilografia com administração de adenosina, o exame exibe melhor avaliação prognóstica, revelando os casos de maior gravidade, mesmo após ajuste para o número de vasos lesados e ao tipo de tratamento ao qual o paciente foi submetido.


Tabela 1 – Comparação do VPN, do VPP e da acurácia dos exames funcionais

Exame
VPP
VPN
Acurácia 
 
Teste ergométrico
68 – 79%
58 – 93%
67 – 78%
Ecocardiograma
77 – 97%
15 – 90%
74 – 90%
Cintilografia
83 – 89%
66 – 84%
77 – 86%
Ressonância magnética
77-90%
68 – 100%
81 – 93%
Tomografia (estresse)
78 – 86%
62 – 89%
78 – 84%



Se, por um lado, a RM tem a desvantagem de não poder empregar esforço físico, recente estudo randomizado (MR-Inform) mostrou que seus resultados são equivalentes aos do FFR invasivo para a tomada de decisão clínica, o que lhe confere um atrativo especial, pois fornece, num único exame, dados precisos sobre a função ventricular diastólica e sistólica e informa quanto à presença de isquemia de modo semelhante ao das avaliações invasivas.

Outra vantagem da RM é a de permitir o diagnóstico de doença de microcirculação, situação em que é considerada, ao lado da tomografia por emissão de pósitrons (PET), o padrão-ouro. Finalmente, na mesma avaliação a ressonância consegue avaliar a presença de zonas de necrose ou fibrose de origem isquêmica, um elemento que pode ser decisivo na decisão terapêutica do paciente. A técnica de realce tardio mostra as regiões em que há dano definitivo com pouca possibilidade de recuperação contrátil e apontando quais seriam os pacientes que se beneficiariam de tratamento intervencionista ou cirúrgico e quais os que poderiam ser mantidos em tratamento clínico (figura 2). Dessa forma, a ressonância dá as informações fundamentais para o médico conduzir com segurança e eficácia pacientes com doença coronária crônica e pode ocupar lugar de destaque na prática cardiológica diária.

Figura 2 - Imagem de realce tardio revela necrose miocárdica secundária a doença arterial coronariana. São dois exemplos de imagens adquiridas no eixo curto do coração. No primeiro, observa-se área de realce comprometendo mais da metade da espessura parietal da parede anterior (setas em A). No outro paciente, nota-se realce interessando a menos de 50% da espessura mural da parede inferolateral. A possibilidade de recuperação contrátil é maior no segundo caso, uma vez que há maior proporção de miocárdio viável no segmento comprometido em comparação com o outro paciente.


Consultoria médica

Dr. Ibraim Masciarelli Francisco Pinto

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Fontes bibliográficas

II Diretriz de Ressonância Magnética e Tomografia Computadorizada Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia e do Colégio Brasileiro de Radiologia.
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