Uma breve história da vacinação no Brasil

País tem uma trajetória de sucesso, mesmo diante dos desafios das baixas coberturas vacinais

Considerada uma das estratégias de saúde pública mais eficazes e econômicas na prevenção de doenças infecciosas, a vacinação é uma das conquistas mais significativas
da medicina moderna, desempenhando um papel fundamental na redução das mortes e sequelas graves causadas por infecções ao longo da história recente da humanidade.
 
No Brasil, trata-se de prática amplamente consolidada, com uma longa trajetória de conquistas na imunização de sua população. Apesar dessa reputação e dos avanços, a
manutenção de altas taxas de cobertura vacinal ao longo do tempo é tanto desafiadora quanto crucial para evitar a reintrodução de doenças anteriormente controladas em
nosso país.

Os primórdios da vacinação brasileira

Mesmo com as dificuldades impostas por um país de dimensões continentais e obstáculos socioeconômicos regionais significativos, o Brasil tem uma história muito bem -sucedida na vacinação, que remonta a séculos. Desde o período colonial, quando os povos indígenas utilizavam práticas de imunização, até os dias atuais, o País avança significativamente na prevenção de doenças por meio de vacinas. Um dos maiores marcos foi a erradicação da varíola em nosso território, ocorrida em 1971 e certificada pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1973. Tal feito histórico só se tornou possível devido às intensas campanhas de vacinação em massa e à cooperação de diversos
órgãos de saúde. A vitória sobre a doença demonstrou, em um cenário real, o impacto dessas ações coletivas e incentivou o Brasil a continuar investindo em imunização.

A eliminação da poliomielite seguiu passos muito semelhantes e resultou de uma série de campanhas iniciadas na década de 1970. Esses esforços concederam ao Brasil, em 1989,
o título de segundo país das Américas a extinguir a paralisia infantil – e, desde então, somos considerados uma nação livre da doença.

A vacinação ainda se mostra fundamental no controle de diversas outras infecções no nosso país, como o sarampo, a síndrome da rubéola congênita, a hepatite B e a febre amarela. Essas doenças, que já foram responsáveis por grandes epidemias no passado, agora estão controladas devido à aplicação regular de vacinas na população.

O Programa Nacional de Imunizações brasileiro

Em 2023, o Brasil celebrou com orgulho os 70 anos do Ministério da Saúde e os 50 anos do Programa Nacional de Imunizações (PNI), um marco na saúde pública do País e da América
Latina. Desde sua criação, em 18 de setembro de 1973, o PNI consolidou uma série de aprendizados adquiridos durante a Campanha de Erradicação da Varíola e o Plano Nacional de Controle da Poliomielite e, de lá para cá, vem cumprindo uma função essencial na prevenção de enfermidades e na promoção da qualidade de vida da população.

Graças à dedicação de incansáveis sanitaristas, profissionais de saúde e gestores, o PNI nasceu com o propósito de controlar a varíola e, ao longo dos anos, expandiu sua atuação e passou a contemplar uma ampla gama de vacinas, a fim de proteger a população contra mais de 20 doenças de comportamento epidêmico e de elevada morbimortalidade, como a poliomielite, o sarampo, a rubéola congênita e a febre amarela.

O PNI brasileiro tem exportado iniciativas e histórias de sucesso ara as Américas e é um dos poucos no mundo a oferecer um extenso rol de imunizantes gratuitos à população. O programa também exerceu papel vital na resposta a emergências de saúde pública
– como ocorreu na pandemia de Covid-19 –, o que demonstra sua plasticidade e eficiência mesmo em cenários adversos.

Obstáculos à imunização: o real risco de reintrodução de doenças

Apesar dos sucessos alcançados, o Brasil enfrenta desafios significativos relacionados à imunização da população, sendo um dos principais o risco de reintrodução de doenças em áreas de baixas coberturas vacinais.

Em nosso país, a queda nas coberturas vacinais como um todo teve início em 2012, acentuando-se a partir de 2016 e agravando-se desde 2020, com a pandemia do novo coronavírus.
 
Um dos principais fatores por trás desse problema é a hesitação vacinal, estabelecida pela OMS, em 2019, como uma das dez maiores ameaças globais à saúde pública. As atitudes em relação às vacinas seguem um continuum. Embora tenhamos disponíveis muitos
produtos eficazes e seguros, um número crescente de indivíduos pode ser classificado como hesitante em relação à imunização. Esse grupo de pessoas pode recusar algumas vacinas, concordar com outras, atrasar a aplicação de determinados imunizantes ou, ainda, aceitar a vacinação sem ter certeza sobre sua decisão.

Além desse comportamento, evidencia-se, nos últimos anos, um aumento nos movimentos antivacinas, que propagam desinformação a respeito do tema e das práticas de imunização. Ambas as situações convergem para um cenário comum e extremamente
preocupante: a queda nas coberturas vacinais, que ocasiona comprometimento
da proteção individual e coletiva, tendo, como resultado final, o risco aumentado e real de a população contrair doenças evitáveis pela vacinação.

Imunidade de rebanho

O conceito de proteção indireta, também conhecido como “imunidade de rebanho”, é crucial na prevenção de doenças infecciosas em nível nacional e regional. Isso ocorre quando uma porcentagem suficientemente alta da população é vacinada, dificultando a disseminação e a circulação de um agente infeccioso entre as pessoas. Dessa forma, quando as coberturas vacinais caem, a imunidade coletiva fica comprometida e os bolsões de indivíduos suscetíveis aumentam, criando-se uma bola de neve que culmina em um ambiente propício para a reintrodução de doenças previamente controladas.

Dois exemplos recentes disso foram os surtos de febre amarela e sarampo que
ocorreram no Brasil em 2018, quando o País enfrentou um aumento explosivo de casos
dessas doenças devido às quedas nas taxas de vacinação. O vírus do sarampo foi reintroduzido a partir de viajantes provenientes da Europa e se espalhou rapidamente em nosso território, afetando principalmente crianças muito jovens e populações com vacinação incompleta. A imunização em massa ajudou a controlar ambas as situações e demonstrou, mais uma vez, a importância do PNI no controle de cenários epidêmicos.
 
Finalmente, em meio a dificuldades ainda incompletamente resolvidas, a Covid-19 trouxe
novos desafios a esse delicado cenário.





As estratégias de vacinação contra o Sars-CoV-2 se tornaram uma prioridade e preveniram dezenas de milhares de mortes, mas também desviaram os esforços e investimentos em outras vacinas e campanhas não menos importantes. Como aprendizado desse trágico capítulo da humanidade, fica claro que, tão essencial quanto atuar pronta e agilmente
para conter uma crise sanitária, é garantir o pleno funcionamento da rotina de imunização durante futuras pandemias.

O futuro da imunoprevenção no Brasil: de olho na vacinação escolar

Com a recente disponibilidade de vacinas para crianças mais velhas e adolescentes, a exemplo dos imunizantes contra o HPV e a doença meningocócica, e maior atenção ao fornecimento de doses de reforço contra difteria, tétano, poliomielite e sarampo, cresce o interesse em utilizar programas de vacinação em escolas como uma maneira eficaz
de aumentar as coberturas vacinais em toda a população pediátrica.

O ambiente criado a partir da integração entre saúde e educação oferece uma oportunidade sinérgica para melhorar a saúde da população em longo prazo e para combater a desinformação, já que esse tipo de intervenção amplia e facilita o acesso aos serviços de saúde e promove ações integradas de educação em saúde, que incluem as
doenças imunopreveníveis.

Conclusão

O Brasil possui um sistema de saúde robusto e uma longa tradição de vacinação e deve continuar a investir na promoção da imunização como uma das principais estratégias de prevenção de doenças. Garantir o acesso equitativo às vacinas, manter as taxas de cobertura vacinal em níveis adequados, disseminar informações precisas e conscientizar a população sobre a importância da vacinação são os pilares para manter os sucessos alcançados, considerados passos cruciais para o enfrentamento dos desafios atuais relacionados à hesitação vacinal e à desinformação.

A celebração das conquistas de cinco décadas do PNI reafirma o compromisso com a saúde pública no Brasil. A imunização continua sendo – e será cada vez mais – uma poderosa ferramenta na prevenção de doenças, desempenhando papel vital no bem-estar e na promoção da saúde da população brasileira nas próximas décadas. Com a colaboração de todos, ou seja, profissionais de saúde, governos, escolas e população, é possível proteger nossa comunidade contra doenças infecciosas por meio das vacinas.

CONSULTORIA MÉDICA

Imunizações
Dr. Daniel Jarovsky
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