Arteriopatia cerebral autossômica dominante com infartos subcorticais e leucoencefalopatia

O teste genético permitiram a confirmação da doença em paciente com suspeita clínica

O CASO

Mulher, 60 anos, procurou atendimento médico com queixa de cefaleia de longa data, pulsátil, algumas vezes acompanhada de escotomas, que se acentuaram em frequência e intensidade nos últimos quatro anos, sem evidências de fatores desencadeantes e com melhora parcial após o uso de analgésicos.

Referia ainda apatia e depressão, bem como declínio cognitivo leve, observado também pelo marido, porém sem investigação médica direcionada. Negava história familiar semelhante. Tinha dois filhos saudáveis, sem queixas clínicas.

O exame neurológico demonstrou comprometimento cognitivo leve de múltiplos domínios, posteriormente confirmado por testes neuropsicológicos. Os achados de ressonância magnética (RM) levaram ao diagnóstico de arteriopatia cerebral autossômica dominante com infartos subcorticais e leucoencefalopatia (CADASIL).




DISCUSSÃO

A doença de pequenos vasos cerebrais é uma das principais causas de infarto e déficit cognitivo, especialmente a partir da sexta década de vida. A maioria dos casos ocorre de forma esporádica, com herança poligênica, associada principalmente à idade e à hipertensão arterial sistêmica (HAS). Uma minoria apresenta causa monogênica, sendo a CADASIL (OMIM 125310) a mais comum e conhecida.

A doença surge na fase adulta, tipicamente na quarta década de vida. As manifestações praticamente se restringem ao sistema nervoso central e têm, na enxaqueca, frequentemente com aura, o sintoma mais precoce da doença (de 55% a 75% dos pacientes). Os ataques isquêmicos transitórios recorrentes são observados em
até 85% dos casos. Os acidentes vasculares cerebrais em múltiplos
territórios vasculares e a encefalopatia aguda geralmente acometem
10% dos indivíduos.

Com a progressão do quadro, os pacientes habitualmente evoluem com deterioração cognitiva, perda funcional e demência. Distúrbios psiquiátricos podem ser vistos em 20-40% dos pacientes, caracterizados por depressão, apatia e psicose. Convulsões também
podem ocorrer.

O curso clínico da doença varia, mas é inexoravelmente progressivo. Até o momento, não existe tratamento eficaz disponível. Levando em conta a evidência de um curso mais grave da doença em indivíduos com fatores de risco cardiovasculares, particularmente
tabagismo e HAS, o controle desses fatores funciona como uma estratégia extremamente útil para evitar um dano maior e um prognóstico ainda pior.

RM como guia para nortear a análise genética

O diagnóstico de CADASIL depende de confirmação por análise genética, porém a suspeição inicial nasce da história clínica e, sobretudo, dos achados de imagem típicos. A RM demonstra o acometimento da substância branca supra e infratentorial, com clássico comprometimento dos polos temporais e das cápsulas externas.

As alterações do polo temporal anterior e das cápsulas externas apresentam alta sensibilidade para a doença, estimada em aproximadamente 90%. Há preservação relativa dos lobos occipitais e da porção basal dos lobos frontais. Também podem ser vistas lacunas preenchidas por liquor, além de micro-hemorragias sequelares (em 30% a 70% dos pacientes).

O exame de RM também consegue identificar alterações de imagem em pacientes portadores da mutação de CADASIL ainda na fase pré-clínica da doença, na faixa etária de 20 a 30 anos.

O diagnóstico diferencial inclui lesões com substrato desmielinizante no contexto da esclerose múltipla, vasculites do sistema nervoso central e distrofia miotônica do tipo 1 (doença de Steinert). Outras doenças de pequenos vasos geneticamente determinadas,
como as mutações do COL4A1 e HTRA1, a arteriopatia cerebral autossômica recessiva com infartos subcorticais e leucoencefalopatia (CARASIL) e a arteriopatia com acidentes vasculares e leucoencefalopatia relacionada à catepsina A (CARASAL) são possibilidades
igualmente importantes.


No caso aqui descrito, foi identificada a mutação no gene NOTCH3 (OMIM 600276), localizado no braço curto do cromossomo 19 (19p13.2-p13.1). A proteína homóloga, codificada por esse gene, é expressa em células musculares lisas vasculares e
sua degeneração resulta em progressiva perda da autorregulação cerebrovascular, hipoperfusão e isquemia, justificando o espectro clínico-radiológico observado.

O aconselhamento genético deve ser oferecido a todos os pacientes com CADASIL, inclusive com teste genético dos familiares.

CONCLUSÃO

O caso clínico apresentado exemplifica a correlação dos achados de imagem de RM com a
análise genética, ratificando a importância da integração das diferentes especialidades médicas e de seus respectivos arsenais tecnológicos na área da saúde. Essa associação permitiu um diagnóstico preciso e pontual, além da avaliação prognóstica e do aconselhamento genético do paciente e de toda a sua família.

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