Análise seminal em pleno século 21

Avaliações funcionais do sêmen como estudo avançado e o uso rotineiro de sistema semiautomatizado.

Cerca de 15% dos casais sexualmente ativos em idade reprodutiva encontrarão dificuldades para obter uma gestação no período de um ano ao tentarem engravidar. O fator masculino (exclusivo ou em conjunto com o fator feminino) contribui com expressivos 45-50% dos casos de infertilidade conjugal, porém não raro é negligenciado na avaliação pelos especialistas em Reprodução Humana. Muitas vezes, a única avaliação do fator masculino recai na solicitação do espermograma, um exame que, embora delineado no início do século 20, continua sendo o mais frequente teste pedido em pleno século 21, mesmo na vigência de estudos mais modernos, como a pesquisa de fragmentação de DNA espermático.

A preocupação com a fertilidade permeia a história do ser humano desde o início de sua existência, entretanto a célula conhecida como espermatozoide foi descrita pela primeira vez em 1677 por Joan Ham e Anton Van Leeuwenhoek por meio do uso do microscópio com magnificação de 300 vezes, inventado por eles. De forma errônea, e possivelmente carregados de um pensamento machista na época, esses dois pesquisadores acreditavam que cada espermatozoide carregava um “pequeno ser humano” e que a mulher apenas contribuía com o seu desenvolvimento pela gestação. Passado um século após essa descoberta, Lazzaro Spallanzani demonstrou, por meio da inseminação artificial em cachorros, que tanto o espermatozoide quanto o óvulo seriam necessários para a criação de uma nova vida.

Apenas no século 20, a partir de 1929, os pesquisadores Macombe e Sanders associaram o número de espermatozoides ao potencial de fertilidade do homem, tendo relacionado a concentração de 60 milhões/mL de espermatozoides com uma gravidez natural. No ano de 1936, Robert Hotchkiss, médico da Universidade Cornell, foi o primeiro a padronizar a fase pré-analítica e analítica da avaliação seminal, ocasião em que instituiu a padronização de abstinência sexual de três dias, coleta em frasco de boca larga e os parâmetros de análise, como volume, viscosidade, pH, concentração, motilidade, vitalidade e morfologia. Mais do que isso, Hotchkiss se mostrou pioneiro ao afirmar a necessidade de avaliação dos homens diante de uma queixa conjugal de dificuldade de engravidar, visto que a infertilidade masculina representaria 25% dos fatores existentes.

Em 1951, o pesquisador John MacLeod e colaboradores estudaram 1.000 homens “férteis” e 1.000 homens “inférteis”. Segundo esse grupo, a população de homens férteis apresentava uma contagem de espermatozoides >40x106/mL. Deste grupo, apenas 5% tinham concentração <20x106/mL. Do grupo de homens “inférteis”, a maior porcentagem também estava associada com a concentração <20x106/mL. Do estudo do MacLeod, portanto, surgiu a primeira proposta de limites para a contagem de espermatozoides para a definição de homem fértil, ou seja, >20x106/mL e com contagem total >100x106/mL. Isso permitiria que os clínicos distinguissem os indivíduos férteis dos inférteis em uma avaliação clínica.

Padronização 

Após 30 anos desse estudo, devido a uma necessidade de uma padronização do exame de análise seminal, a Organização Mundial da Saúde lançou, em 1980, a primeira edição do Manual para o Exame de Sêmen Humano. Na sequência, vieram as edições de 1987, 1992, 1999 e a quinta edição de 2010, que trouxe os parâmetros seminais estratificados pelos percentis de normalidade da curva de Gauss, com a adoção dos valores de referências da normalidade baseados no percentil 5%, de acordo com 1.953 amostras únicas estudadas. Além da avaliação fundamentada em percentis, novos métodos de análise foram, pela primeira vez, adotadas como opcionais, como o sistema semiautomatizado de análise seminal, conhecido como CASA, sigla, em inglês, de Computer Aided Sperm Analysis, e os estudos funcionais do sêmen como procedimentos de pesquisa, como a avaliação de integridade do DNA espermático.

Em 2021, a OMS lançou o atual Manual de Análise Seminal, quando acrescentou mais 1.789 amostras seminais de mais países e continentes diferentes às 1.953 amostras já analisadas pelo estudo de 2010, tendo aumentado a diversidade de países de diferentes continentes. Mantendo a padronização em percentis, o novo manual catapultou o uso do sistema CASA como parte operacional dos laboratórios de análise seminal e definiu as avaliações funcionais do sêmen como estudo avançado, e não mais como experimental ou pesquisa.

O Fleury, por meio do seu Laboratório de Análise Seminal, foi o primeiro laboratório geral a usar o sistema CASA de modo rotineiro para seus pacientes, o que confere agilidade, aumento operacional na quantidade de exames realizados e a mais alta reprodutibilidade para os parâmetros seminais de concentração e motilidade. Apenas a morfologia continua sendo avaliada manualmente em todas as amostras seminais, com checagem por três analistas independentes para a verificação do valor a ser colocado no laudo definitivo.

Variabilidade elevada

A análise seminal passou, nas últimas décadas, por inúmeras modificações nos valores dos seus parâmetros seminais e na sua metodologia, deixando de ser uma avaliação exclusivamente manual para dar espaço à forma semiautomatizada, já utilizada em alguns laboratórios de excelência. Apesar de todos esses avanços, o espermograma continua sendo um exame de uma grande variabilidade, pois a espermatogênese, na sua essência, é extremamente suscetível aos mais variados fatores de prejuízo, como infecções, febre, uso de medicamentos, abuso de álcool, uso de drogas, estímulo ejaculatório e o próprio ambiente de coleta.

Diante dessa característica inerente à análise seminal, entende-se a importância de contar com um laboratório com profissionais com alta expertise e que tenham pouca variabilidade intra e interanalista, de sorte que seja possível promover uma alta reprodutibilidade dos resultados nas amostras seminais, excetuando-se os casos em que haja fatores de agravo momentâneos à produção de espermatozoides. Além disso, a qualidade final dos laboratórios de análise seminal precisa estar estruturada em uma excelente padronização pré-analítica (preparo do exame, incluindo a coleta), analítica (análise da amostra no laboratório) e pós-analítica (forma de liberação do resultado) com o objetivo de entregar o melhor exame para ser avaliado pelo médico. Dito isso, o Laboratório de Análise Seminal do Grupo Fleury lançou, no mês de novembro de 2023, uma nova máscara para mostrar o resultado dos parâmetros seminais para médicos e em especial para os pacientes, facilitando o entendimento do resultado do potencial de fertilidade de acordo com os percentis de normalidade da curva de Gauss. Veja nas figuras como visibilizar de forma on-line o resultado do espermograma no formato padrão e como acessar a nova máscara seminal de acordo com a curva de Gauss.

Após quase um século da descoberta de Macombe e Sander e da padronização por Robert Hotchkiss, o espermograma tornou-se e ainda é o exame mais importante para aferição do potencial reprodutivo masculino, seja em uma avaliação de check-up reprodutivo, seja em uma avaliação de infertilidade conjugal. Caso ocorra discrepância importante entre duas análises seminais, é vital solicitar uma terceira amostra para o melhor entendimento da espermatogênese. E, claro, escolher sempre laboratórios que se destaquem pela sua expertise, forte controle de qualidade e alta reprodutibilidade nos resultados das amostras analisadas.


Média mensal de exames feitos no Grupo Fleury

Análise seminal: média de 600 exames/mês
Processamento seminal: média de 60 exames/mês
Exame de fragmentação de DNA espermático: média de 90 exames/mês


Consultoria Médica 

Dr. Daniel Suslik Zylbersztejn
Médico coordenador do Fleury Fertilidade e responsável técnico do laboratóro de análise seminal
[email protected]


Referências
1. Amelar, R.D. (2006), Hotchkiss and MacLeod: An Historical Perspective. Journal of Andrology, 27: 494-501.
2. Andrade-Rocha FT. On the Origins of the Semen Analysis: A Close Relationship with the History of the Reproductive Medicine. J Hum Reprod Sci. 2017 Oct- Dec;10(4):242-255
3. Esteves SC, Zini A, Aziz N, Alvarez JG, Sabanegh ES Jr, Agarwal A. Critical appraisal of World Health Organization’s new reference values for human semen characteristics and e ect on diagnosis and treatment of subfertile men. Urology. 2012 Jan;79(1):16-22.
4. World Health Organization. WHO Laboratory Manual for the Examination and Processing of Human Semen. 5th ed. Geneva: World Health Organization; 2010.
5. World Health Organization. WHO Laboratory Manual for the Examination and Processing of Human Semen. 6th ed. Geneva: World Health Organization; 2021.
6. Chung E, Arafa M, Boitrelle F, Kandil H, Henkel R, Saleh R, Shah R, Vogiatzi P, Zini A, Agarwal A. The new 6th edition of the WHO Laboratory Manual for the Examination and Processing of Human Semen: is it a step toward better standard operating procedure? Asian J Androl. 2022 Mar-Apr;24(2):123-124