Papel da imuno-histoquímica na avaliação de lesões vulvares

Avaliação complementar da análise histológica convencional de lesões pré-neoplásicas e neoplásicas.

O câncer de vulva é uma neoplasia ginecológica rara, correspondendo a cerca de 5% a 8% dos casos, tem origem escamosa na maioria das pacientes e se desenvolve por, pelo menos, dois mecanismos. Um deles está associado ao HPV (cerca de 40% das pacientes de câncer), sem mutação de TP53, e tem a lesão intraepitelial escamosa de alto grau (HSIL) da vulva como precursora do carcinoma invasivo relacionado ao HPV, sendo o HPV 16 responsável por mais de 70% dos casos, seguido pelo HPV 18 e HPV 33. O segundo se relaciona à mutação de TP53, e não com a infecção pelo HPV, e tem, como lesão precursora, a neoplasia intraepitelial vulvar diferenciada (NIVd), que apresenta uma progressão mais rápida para carcinoma invasivo, cerca de três a quase seis vezes maior que a HSIL. Recentemente, outra via patogênica HPV-independente foi descrita, envolvendo a mutação no gene PIK3CA e progressão de lesão intraepitelial vulvar exofítica diferenciada/acantose vulvar com diferenciação anômala (DEVIL/VAAD) para carcinoma verrucoso e carcinoma de células escamosas HPV-independente. O fato é que a nova terminologia divide as lesões vulvares de acordo com a presença ou a ausência de associação com o HPV.

Terminologia das lesões intraepiteliais escamosas de vulva
ISSVD 2015
OMS 2020
- LSIL de vulva (LSIL de vulva, condiloma plano ou efeito do HPV)
- HSIL de vulva (HSIL de vulva, NIV tipo usual)
- NIV diferenciada
- Lesões intraepiteliais escamosas associadas ao HPV: LSIL, HSIL
- NIV HPV-independente: NIV diferenciada, lesão intraepitelial vulvar exofítica diferenciada (DEVIL), acantose vulvar com diferenciação anômala (VAAD)

Legenda – HSIL: lesão intraepitelial escamosa de alto grau;
LSIL: lesão intraepitelial escamosa de baixo grau; NIV: neoplasia intraepitelial vulvar.


A imuno-histoquímica (IHQ) exerce papel fundamental na avaliação complementar da análise histológica convencional de lesões pré-neoplásicas e neoplásicas vulvares, que acometem mulheres em diferentes faixas etárias. Marcadores como p16, Ki-67 e p53 são os mais comumente utilizados para subclassificar as lesões de origem escamosa com a finalidade de caracterizar os subtipos clínicos e auxiliar a definição de prognóstico e tratamento. Especialmente em pacientes pós-menopausadas, a IHQ é indispensável para o diagnóstico diferencial de lesão HPV-associada e HPV- -independente, uma vez que os aspectos histológicos são superponíveis nas duas entidades.

Nas lesões pré-neoplásicas, a IHQ ajuda a diferenciar esses casos, sendo recomendada principalmente para os mais difíceis. Por exemplo, o p16 ajuda a caracterizar a HSIL de vulva, bem como a distinguir os quadros de atrofia da HSIL de vulva. No caso da NIVd, vale destacar a contribuição do p53, já que, nessas pacientes, há frequentemente mutações de TP53. Outros marcadores ainda podem ter utilidade no diagnóstico de lesões pré-neoplásicas não escamosas.


IHQ nas lesões pré-neoplásicas e no carcinoma de células escamosas de vulva
Tipo de lesão
Lesões pré-neoplásicas
HSIL (relacionada ao HPV)
- p16: positividade em bloco; serve para diferenciar lesões intraepiteliais de baixo e alto grau
- Ki-67: estende-se acima da camada basal em todo o epitélio; também positivo em lesões de baixo grau e processos reacionais, não sendo útil para diferenciar entre lesão de baixo e alto grau
NIVd (não relacionada ao HPV)
- p53: padrões de impregnação aberrantes
- p16: sem impregnação em bloco
- Ki-67: confinado às camadas basais
Um painel com esses três marcadores ajuda a diferenciar HSIL da NIVd
Doença de Paget
Células com mucina (PAS-D ou alcian blue), mucicarmina, CK 7, GCDFP-15, GATA3
Melanoma in situ
Positividade para S100, Melan-A e HMB 45
Carcinoma de células escamosas
HPV-associado
- p16: positividade epitelial em bloco
HPV-independente com p53 anormal
- p16: sem impregnação em bloco
- p53: padrão mutado
HPV-independente com p53 selvagem
- p16: sem impregnação em bloco
- p53: selvagem

Legenda – HSIL: lesão intraepitelial escamosa de alto grau; NIVd: neoplasia intraepitelial vulvar diferenciada.
Adaptado de: Kortekaas et al. Gynecol Oncol. 2020;159:649-656; Preti et al. Int J Gynecol Cancer. 2022;32:830-845.

Já no câncer de vulva, a IHQ com p16 e p53 pode identificar três subtipos clinicamente distintos, orientando o tratamento e o seguimento dessas pacientes. Inclusive, a categorização do carcinoma de células escamosas de vulva em subtipos HPV-associado e HPV-independente é considerada mandatória pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O marcador p16 deve ser usado para reconhecer o envolvimento com o HPV, de modo que a presença de impregnação epitelial em bloco indica associação com subtipos de alto risco oncogênico. Em relação ao p53, quase todas as lesões relacionados ao HPV exibem um padrão tipo selvagem de TP53, enquanto os tumores e as lesões precursoras HPV-independentes geralmente exibem uma imunorreatividade anormal (um padrão “mutado” de TP53, que pode ser fortemente positivo ou completamente negativo). Por fim, os tumores HPV-associados e HPV-independentes com TP53 tipo selvagem apresentam melhor prognóstico em comparação àqueles com mutações do TP53.

Em 2023, a Sociedade Europeia de Ginecologia Oncológica publicou uma atualização das diretrizes de manejo das pacientes com câncer de vulva. Na publicação, a entidade recomenda empregar a IHQ com p16 ou o teste molecular para HPV com o objetivo de classificar corretamente a associação da lesão com o HPV. Para o carcinoma HPV-independente e para a NIVd, o documento preconiza a IHQ com p53 (Oonk et al. 2023). Ao solicitar exames para a avaliação de lesões vulvares, sobretudo as de alto grau ou diante de suspeita de malignidade, o fato é que o exame imuno-histoquímico oferece contribuição fundamental. A expressão desses marcadores específicos permite uma caracterização precisa da lesão e acelera a escolha da terapêutica mais apropriada, garantindo um manejo clínico mais eficaz e direcionado para cada paciente.

Histologia de lesão intraepitelial escamosa vulvar de alto grau (hematoxilina-eosina, 400x).

Reação imuno-histoquímica para p16 em lesão intraepitelial vulvar. A marcação difusa é consistente com lesão de alto grau HPV-associada (400x).


Consultoria médica 

Anatomia Patológica

Dr. Aloísio Souza F. da Silva
aloisio.silva@grupofleury.com.br

Dra. Mônica Stiepcich
monicas@grupofleury.com.br 

Dra. Patricia Maria Peresi
patricia.peresi@grupofleury.com.br 

Ginecologia e Biologia Molecular

Dr. Gustavo Arantes Rosa Maciel
gustavo.maciel@grupofleury.com.br 

Dr. Ismael D. Cotrim Guerreiro da Silva
ismael.silva@grupofleury.com.br 


Referência 

1. Cohen PA, Anderson L, Eva L, et al. Clinical and molecular classification of vulvar squamous pre-cancers. Int J Gynecol Cancer. 2019;29(4):821-828.
2. Kortekaas KE, Bastiaannet E, van Doorn EC, et al. Vulvar cancer subclassification by HPV and p53 status results in three clinically distinct subtypes. Gynecol Oncol. 2020;159:649-656.
3. Oonk MHM, Planchamp F, Baldwin P, et al. European Society of Gynaecological Oncology
Guidelines for the Management of Patients with Vulvar Cancer - Update 20. Int J Gynecol Cancer 2023;
33:1023-1043.
4. Preti M, Joura E, Vieira-Baptista P, et al. The European Society of Gynaecological Oncology (ESGO), the International Society for the Study of Vulvovaginal Disease (ISSVD), the European College for the Study of Vulval Disease (ECSVD) and the European Federation for Colposcopy (EFC) consensus statements on pre-invasive vulvar lesions. Int J Gynecol Cancer. 2022;32:830-845.
5. Salama AM, Momeni-Boroujeni A, Vanderbilt C, et al. Molecular landscape of vulvovaginal squamous cell carcinoma: new insights into molecular mechanisms of HPV associated and HPVindependent squamous cell carcinoma. Modern Pathol. 2022;35:274–282.
6. WHO Classification of Tumours Editorial Board. Female genital tumours [Internet]. Lyon (France): International Agency for Research on Cancer; 2020 [cited YYYY Mmm D]. (WHO classification of tumours series, 5th ed.; vol. 4). Available from: https://tumourclassification.iarc.who.int/chapters/34. Individual entity section.