Hemograma em processos infecciosos

Tópicos presentes neste capítulo

  • Introdução  
  • Definição de processo infeccioso  
  • Infecção bacteriana  
  • Infecções Virais  
  • Infecções parasitárias  
  • Infecções Crônicas  
  • Leitura recomendada  

Introdução

O hemograma como ferramenta diagnóstica ocupa importante papel na detecção de diversos processos infecciosos, fornecendo informações que podem ser utilizadas no manejo terapêutico nas variadas situações clínicas.

Tradicionalmente, a presença de leucocitose é considerada um marcador de processo infeccioso, posto que a origem desta condição está correlacionada à presença de neutrofilia, linfocitose, eosinofilia, monocitose ou até da basofilia para direcionar o clínico a um exame complementar que encontre o agente etiológico.

Na rotina laboratorial existem muitos “mitos” que cercam o perfil do hemograma nos processos infecciosos. Alguns dizeres “leis hematológicas” foram assumidos como verdades e propagados através do tempo, o que trouxe uma serie de “vícios” aos profissionais que atuam no setor da Hematologia dos laboratórios clínicos. Entre os temas que muitas vezes são alvo de discussão entre clínicos e analistas clínicos, destacam-se: (1) todo o processo infeccioso de origem bacteriano apresenta neutrofilia e desvio nuclear a esquerda?; (2) Toda a contagem aumentada de bastonete significa a fase aguda de uma doença?; (3) leucopenia descarta a presença de um processo infecioso?; (4) a observação no laudo “presença de granulações tóxicas” é garantia de processo infecioso de origem bacteriana?; (5) toda a linfocitose no adulto é relevante?; (6) a contagem absoluta é melhor que a contagem relativa no diagnóstico das infecções?.

Neste contexto ainda é importante estudar as principais causas de processos infecciosos, suas características laboratoriais e, de forma mais específica, revisar as alterações tanto quantitativas quanto qualitativas que podem ser observadas no hemograma, e de uma forma prática, direcionar a implantação  destes conceitos neste complexo e apaixonante ambiente, que é a rotina de uma laboratório clínico no seu setor de Hematologia.

A presente obra tem como objetivo revisar conceitos da utilização do hemograma como importante exame laboratorial nos processos infecciosos e sua relação com os principais mecanismos de instalação dos processos infecciosos. Aspectos morfológicos e seu significado como parâmetro auxiliar no diagnóstico das infecções serão discutidos fazendo com que o conteúdo deste compêndio seja utilizado pelos profissionais em rotina de trabalho.

Definição de processo infeccioso

Infecção bacteriana

A proliferação de microrganismos no tecido inflamado e infectado leva a uma produção em cadeia de citocinas inflamatórias que recrutam neufrófilos do pool medular para o sangue periférico, e os neutrófilos migram rapidamente para o tecido por quimioatração via endotoxinas, combatendo o agente agressor. Na fase aguda, há aumento escalonado dos neutrófilos, com presença de desvio a esquerda (bastões acima de 6%), sendo visualizados granulócitos imaturos (metamielócitos, mielócitos, promielócitos), com elevação gradativa da leucometria, anemia associada a citocinas inflamatórias. O fígado produz uma proteína de fase aguda, proteina C reativa (PCR) elevando-se de forma proporcional a gravidade do processo inflamatório. A leucocitose e neutrofilia relativa e absoluta, são comuna em hemogramas de pacientes com apendicite, pancreatite, peritonite, hepatites, meningites e na sepse.

No processo infeccioso bacteriano ocorre morte tecidual provocada pela invasão do microrganismo, com produção de IL-1 e fator de necrose tumoral que medeiam a inflamação e recrutam mais neutrófilos para a circulação e foco infeccioso. Há também liberação de adrenalina, que age no eixo hipófise-hipotálamo adrenal com secreção de cortisol que recruta mais neutrófilos do pool marginal, e mesmo em fases iniciais da inflamação, cortisol induzem a destruição de eosinófilos pelo sistema monocítico macrofágico fagocítico, sendo frequente em hemogramas de pacientes com infeccção eosinopenia relativa e absolutiva, e ausência de eosinófilos.

Devido ao desvio prioritário de produção de células neutrofilicas, é comum linfocitopenia relativa no hemograma, podendo ser visto linfocitopenia absoluta inferior a 1.500/mm3, devido a mobilização dos linfócitos em nível tecidual para o reconhecimento antigênico. Na fase aguda do processo infeccioso ocorre aceleração da neutropoese e do processo de maturação com presença de grânulos primários nos neutrófilos, comumente denominados de granulações tóxicas. Estes grânulos também contêm enzimas digestivas que destroem bactérias após fagocitose. A não destruição das bactérias teciduais implica em aumento marcante dos neutrófilos moveis e maduros e dos granulócitos imaturos no sangue periférico, maior trânsito para o tecido, recrutamento de mais neutrófilos medulares, que levam a aumento dos leucócitos a valores superiores a 50.000/mm3 leucócitos, caracterizando um quadro grave denominado de reação leucemóide. As reações leucemóides com mais de 50.000/mm3, gera risco eminente de choque séptico. Em casos de artrite infecciosa e pneumonias por estafilococcus, a contagem de leucócitos pode ultrapassar 30.000/mm3 e atingir até 100.000/mm3 leucócitos. 

Em quadros inflamatórios leves como laringofaringites agudas, processos amigdalinos agudos a leucometria eleva-se discretamente, e os valores de leucócitos não ultrapassam 15.000/mm3, quando a apendicite é localizada. Podem ser acompanhados de grânulos tóxicos, desvio a esquerda e neutrofilia relativa e absoluta. São causadas com frequência por estreptococcus e pneumococcus, gerando febre, edema, prurido e secreção purulenta. O hemograma na pneumonia por pneumococo cursa com neutrofilia, desvio nuclear a esquerda acentuado e leucocitoses acima de 20.000/mm3.

No abdômen agudo, o hemograma sofre alterações numéricas em horas, e na apendicite a leucocitose e neutrofilia com ou sem desvio a esquerda, contudo podem ser vistos leucocitoses que atingem até 14.000/mm3. Nos aparelhos com diferencial em 5 partes, um indicativo de inflamação e infecção bacteriana é a presença de granulócitos imaturos (IG%), superior a 3% pode auxiliar o clínico na investigação da suspeita de processos infecciosos e elucidação do quadro. Outro achado comum é o desvio nuclear a esquerda, definido quando se encontra mais de 600 bastões no sangue periférico, o desvio a esquerda categórico surge quando são encontrados no exame do sangue periférico mais de 10% de bastões. Nos processos infecciosos os desvios possuem tendência a escalonamento, respeitando a hierarquia de produção e liberação de granulocitos pela medula óssea. Contudo, o desvio a esquerda não é um achado sensível e específico de infecções bacterianas, sendo muitas vezes interpretado de forma equivocada. Nos quadros de abdômen agudo, como na apendicite e pancreatite o neutrofilia pode indicar também a gravidade do processo e até anteceder os sinais clínicos, principalmente na presença de neutrofilia absoluta, granulócitos imaturos e bastões. Há sempre eosinopenia próxima de zero e linfopenia. Nos casos de apendicite aguda purulenta a leucometria com frequência ultrapassa 16.000/mm3, contudo, podem estar próximos de valores normais. Os autores já analisaram hemogramas de pacientes com apendicite aguda a caminho da cirurgia sem desvio a esquerda e com apenas 13.700/mm3. Nas máquinas contam com frequência neutrófilos entre 80 a 91%, muitas vezes sem desvio nuclear a esquerda, fato que pode ser observado no histograma, com formação de uma população celular concentrada na região de neutrófilos. 

É comum em hemogramas de pacientes com septicemia, leucocitose á custa de neutrofilia, com desvio a esquerda, podendo apresentar precursores mielóides, trombocitopenia, anemia, granulações tóxicas nos neutrófilos, vacualização nos neutrófilos e corpúsculos de Döhle.  Os autores já analisaram quadros sépticos por bactérias e fungos disseminados como Histoplasma capsulatum, com leucometria superior a 60.000/mm3, com intensa neutrofilia, mais de 30% de bastões, granulócitos imaturos superior a 3%, trombocitopenia de 5.000/mm3, e hemoglobina de 4 g/dL. O hemograma de quadro séptico muda subitamente devido a maior consumo tecidual dos neutrófilos e exaustão medular, resultando a leucopenia com neutropenia, e associação com quadros de coagulação intravasuclar disseminada (CIVD) e hemólise induzidas por bactérias, são vistos no sangue periférico trombocitopenias de diferentes graus, com risco de sangramento quando a contagem de plaquetas é inferior a 20.000/mm3. A hemólise leva a policromasia marcante e em infecções sistêmicas, são visualizados eritroblastos, corpúsculos de Howell-jolly, sinais de hemólise e associação com comprometimento esplênico. Os aparelhos de grande porte possuem alta sensibilidade na contagem de neutrófilos, linfócitos e eosinófilos, emitem alarmes de granulócitos imaturos, e são precisos na contagem de monócitos. Contudo, monocitoses superiores a 20% merecem atenção e revisão de lâminas, pois células blásticas, linfócitos anômalos ou plasmócitos podem ser contados como monócitos. Os aparelhos hematológicos não quantificam neutrófilos bastonados, sendo essencial a leitura da lâmina para determinar a quantidade de bastões no esfregaço de sangue periférico. Os aparelhos hematológicos modernos, são capazes de determinar com precisão a quantidade de granulócitos imaturos (IG) em valor retativo e absoluto, devendo a contagem e alarme IG ser interpretada como presença importante de metamielócitos, mielócitos, promielócitos no sangue periférico. Na experiência dos autores os índices de granulócitos imaturos possuem boa correlação com a presença de células granulocíticas na circulação, devendo ser realizada a revisão microscópica quando qualquer indice supracitado for superior a 3%. O alarme IMM, está relacionado a promonócitos e monoblastos, e o índice IML eleva-se na presença de linfócitos grandes ou blastos. Outros alarmes como RM, RN e MIN podem estar associados a granulócitos imaturos.

Os gráficos no processo infeccioso bacteriano é uma ferramenta essencial, pois mostra uma população concentrada na região de neutrófilos, com, com extensão dos pontos ou células para a direita e em quadrantes superiores, sinalizando presença de granulócitos imaturos e, até bastões. Também fica nítido a diminuição dos eosinófilos ou mesmo ausências destas células nos gráficos de amostras de pacientes com inflamações, processos infecciosos de moderada gravidade ou, mesmo em estado de choque séptico.

Pacientes que apresentam neutropenia secundária à produção inadequada por disfunção medular têm grande suscetibilidade a infecções, geralmente de evolução grave, principalmente quando os neutrófilos são inferiores a 500/mm3. Nesta situação a neutropenia é fator predisponente à infecção, sendo recomendado que o laboratório entre em contato com o corpo clínico.

A neutrofilia é definida como o aumento do número de neutrófilos no sangue periférico. A investigação das neutrofilias (NE>7.000/mm3) deve iniciar com um exame clínico seguida de uma análise minuciosa do hemograma, pois o aumento dos neutrófilos ocorre em doenças infecciosas, leucemias, estresse, drogas, neoplasias não hematológicas, queimaduras, feridas cirúrgicas, e em processos inflamatórios sistêmicos. As neutrofilias em processos infecciosos são comuns em peritonites, pneumonias, meningites bacterianas, osteomielites, infecções purulentas, como também em quadros sépticos. 

Infecções Virais

Os vírus se caracterizam por utilizarem a maquinaria linfócitos infectados para se reproduzirem, e com isto comumente induzem a linfocitose relativa com ou sem leucocitose, e muitas vezes com linfopenia e presença de linfócitos reativos ou atípicos. Os linfócitos reativos ou atípicos são linfócitos B ativados que reagem contra vírus produzindo anticorpos contra os vírus. No hemograma também é comum leucopenias, trombocitopenias em diferentes graus. Linfocitoses em lactantes e recém-nascidos são esperadas, e a linfocitoses em crianças merecem atenção, pois nesta faixa etária há grande prevalência de processo infeccioso viral respiratório, que podem cursar com linfocitoses discretas a moderadas, como também aumento do número de linfócitos por formação do sistema imunológico. Em adultos e idosos. linfocitoses superiores a 4500/mm3, deve levar a revisão de lâmina, e se a linfocitose absoluta for persistente, o analista citomorfologista hematológico deve ir ao esfregaço e examinar a lâmina, pois a presença de linfócitos pequenos e maduros é sugestiva de doença linfoproliferativa crônica.

Os equipamentos eletrônicos contam com precisão os linfócitos circulantes, emitem alarmes de Atypical lymphocytes ou Variant Lymphocytes, anotado pela maioria dos aparelhos hematológicos eletrônicos. A ISHL (International Society for Laboratory Hematology) publicou recomendações para padronização da Nomeclatura e da graduação das alterações morfológicas no sangue periférico, e como os aparelhos hematológicos não são capazes de descrever as variações morfológicas dos linfócitos reativos, pois estes linfócitos podem exibir nucléolos, pleomorfismo citoplasmatico e nuclear, basofilia citoplasmática ou aspecto plasmocitoide. A terminologia para estes linfócitos é muito variada e confusa com muitos termos diversos para descrever a mesma célula. Linfócitos variantes, reativos, ativados, anormais ou atípicos, Células de Downey Tipo 1, 2 ou 3, Células de Turk, Imunoblastos ou mesmo combinações de células como linfócitos monocitóides, plasmocitoses. A recomendação é que o termo “linfócito reativo” seja usado para descrever linfócitos de etiologia benigna e o termo “linfócito anormal” quando houver suspeita de malignidade ou etiologia clonal, comum em linfomas periféricos.

Na presença de linfócitos atípicos acima de 5% contados pelos aparelhos eletrônicos, as lâminas devem ser revisadas, pois os linfócitos reativos são comuns em hemogramas de pacientes com dengue, mononucleose infeciosa, hepatites virais, citomegalovírus, toxoplasmose, HIV/Aids associadas a inúmeras infecções oportunistas. Os autores já examinaram esfregaços sanguíneos de pacientes com HIV com atipia superior a 10%, plasmocitoses, desvio nuclear a esquerda, trombocitopenia em graus variáveis.

As infecções virais têm associação direta com a linfocitopenia, e este achado pode auxiliar não descarta processos virais, sendo comuns em pacientes HIV. O hemograma do HIV também são vistos reações leucemóides em pacientes com infecções bacterianas, como também inclusões intraneutrofílicas sugestivas de Histoplasma capsulatum, forma disseminada. Nas infecções causadas pelos vírus da HIV, da hepatite, influenza e herpes tipo 8, assim como em algumas pneumonias bacterianas ou na febre tifóide, a linfopenia pode ser causada por diferentes mecanismos, como a destruição do próprio linfócito infectado, sequestro esplênico ou desvio desses linfócitos para os linfonodos ou trato respiratório.

Outras alterações podem ser observadas nos processos virais agudos, como anemia, que pode ser decorrente de um processo hemolítico imune, como pode acontecer na mononucleose infecciosa, ou do comprometimento medular, com infecção da célula hematopoiética precursora, como acontece no HIV. Alguns vírus podem estar associados a quadros de aplasia de medula óssea, como vírus da hepatite e a infecção pelo parvovírus B19 frequentmente em aplasia eritroíde transitória. A trombocitopenia pode acompanhar quadros de rubéola, varicela e mononucleose infecciosa, enquanto a infecção pelo citomegalovírus em pacientes imunossuprimidos pode causar pancitopenia. As trombocitopenias podem resultar de destruição de plaquetas pelo baço em pacientes com hepatites, plaquetopenias imune associada a vírus, e na dengue, ocorre trombocitopenia por desvio de plasma para o espaço tecidual, hemoconcentração, e a trombocitopenia pode resultar em quadros hemorrágicos com contagens de plaquetas inferior a 20.000/mm3.

Linfocitoses acima de 20.000/mm3 e sem atipia em crianças deve-se pensar em coqueluche, e os autores já tiveram a experiência de examinar um esfregaço sanguíneo de uma criança com 90.000/mm3leucócitos com linfocitose absoluta marcante, sem atipia, e com linfócitos endentados, e o diagnóstico foi de coqueluche, uma infecção bacteriana por Bordetella pertussis. Nesta doença, os leucócitos se situam entre 20.000 a 30.000/mm3, com linfócitos endentados e sem atipia. Crianças com infecção do trato respiratório por vírus, exibe, febre, dor abdominal e, muitas vezes, diarreia. O leucograma apresenta leucocitose entre 15.000 a 50.000/mm3 com predominância de linfócitos sem presença de linfócitos reativos.

Na mononucleose infecciosa pelo vírus Epstein-Barr (EBV), cursa nos primeiros dias com leucopenia as custas neutropenia e linfopenia e, rapidamente, o quadro hematológico é substituído por leucocitose por linfocitose com intensa atipia (linfócitos reativos), e a leucometria pode chegar rapidamente a 20.000/mm3, com 70 a 80% dos linfócitos atípicos ou reativos. Já o hemograma na dengue, cursa com leucopenia e neutropenia, linfocitose relativa e alguns linfócitos reativos, trombocitopenia de leve a grave com hemorragias. A trombocitopenia é o achado hematológico mais característico da dengue clássica ou hemorrágica, com contagens de plaquetas geralmente inferior a 100.000/mm3.

Infecções parasitárias

O eosinófilo é célula com 8 a 15 µm de diâmetro, com núcleo geralmente bilobado e caracterizado pela presença de grânulos intracitoplasmáticos com alta afinidade por eosina. Esses grânulos contêm peroxidase eosinofílica, proteínas catiônicas e proteína eosinofílica básica maior (MBP). Os eosinófilos são considerados células predominantemente teciduais, pois os órgãos-alvo para a sua localização são aqueles do trato gastrintestinal, pulmões e pele. Uma vez adentrados os tecidos, os eosinófilos não mais retornam à circulação. O número de eosinófilos nos tecidos pode permanecer elevado mesmo quando baixo no sangue periférico.

O eosinófilo como célula circulante apresenta-se entre 1 a 5%, com variação no valor absoluto entre 50 a 500/mm3 no sangue periférico. Os aparelhos hematológicos eletrônicos possuem extrema precisão na contagem de eosinófilos, e comumente liberam contagens mais precisas que as realizadas em 100 ou 200 células por analista experientes.

Reconhece-se que o eosinófilo tem função benéfica, efetora ao destruir parasitas e intermediar reação inflamatória na asma e na alergia, mas nefasta ao liberar enzimas catiônicas ou mediadores pró-inflamatórios em consequência à ativação. Com efeito, a função precisa desta célula na inflamação alérgica e na asma permanece controversa.

Eosinofilia leve é considerada quando há mais de 500/mm3 no sangue periférico, moderada de 500 a 1500/mm3 e grave quando > 5000/mm3. O aumento significativo (>5%) e duradouro dos eosinófilos em circulação é geralmente devido a doenças parasitárias (eosinofilia severa), alérgicas (eosinofilia leve a moderada) e inflamatórias intestinais ou a situações mais raras, clonais ou idiopáticas, que cursam com danos severos aos tecidos em consequência da infiltração eosinofílica.

O termo síndrome hipereosinofílica é utilizado quando há persistência dos eosinófilos na circulação em valores superiores a 1500/mm3 por mais de 6 meses e não se evidencia as mutações da PDGFRA ou mesmo mais de 5% de blastos, o que poderiam indicar processos neoplásicos relacionados aos eosinófilos. Na falta de evidência de parasitose, alergia ou outras causas de eosinofilia e sinais e sintomas de doença orgânica relacionada à hipereosinofilia tornaram-se insuficientes para caracterizar todas as entidades albergadas sob o termo eosinofilia e hoje melhor compreendidas graças aos avanços na biologia celular e molecular que proporcionam a caracterização de doenças distintas e que envolvem células das linhagens mieloide e linfoide. O autor teve a experiência de examinar um esfregaço sanguíneo com eosinofilia persistente, com eosinófilos bizarros, com granulações mais intensas que o normal, e inicialmente sem evidências de comprometimento tecidual por diversos exames de imagem, aspirado de medula óssea, ou mesmo biópsia. Em exames posteriores, visualizamos blastos circulantes, e o diagnóstico com firmado com leucemia linfoblástica aguda B secundária a eosinofilia anômala, sem causa patológica ou genética evidente. Em outro hemograma, o autor teve a experiência única de analisar um esfregaço sanguíneo de um paciente com 90.000/µL leucócitos, e mais de 90% de eosinófilos, e posterior presença de clonalidade por PCR para F1P1L1-PDGFBRA.

A eosinofilia reacional é a mais frequente e é devida principalmente a reação inflamatória contra infestação parasitária, fenômenos alérgicos, lesões de pele ou mesmo condições malignas não hematológicas. As principais causas de eosinofilias reacionais parasitárias estão associadas ao Ascaris, Estrongilóides, Toxocara canis, Filária, Triquinose, Equinococus, Esquistossomose na fase intestinal e hepatointestinal. Outros agentes infecciosos não parasitários pode cursar com eosinofilia, tais como a febre escarlatina, Coccidiodomicose, Criptococose, e alguns destes agentes podem levar a síndrome de Löeffer com eosinofilia pulmonar e circulantes que podem exceder 1500/mm3, contudo não são persistentes, cabendo ao analista observar sempre os hemogramas anteriores e acompanhar os próximos exames de sangue periférico para observar normalidade da contagem destas células após eventuais terapias.  O autor destaca que o uso de reagentes paralelos (que não são fornecidos pelos próprios fabricantes dos analisadores hematológicos podem levar a erros entre a contagem de eosinófilos e neutrófilos. 

A reação eosinofílica é resultante de contato entre o parasita e as células do organismo. Quanto mais complexo for o ciclo do parasita dentro do organismo, passando pelo fígado (fascíola hepática), pulmão (áscaris) e músculos (trichinos) maior a taxa de eosinofilia. Quando os parasitas se limitam ao tubo digestivo (tricocéfalos, tênia), a eosinofilia é fugaz. Ectoparasitas, a exemplo das miíases, também podem causar eosinofilia. Doenças como a Leismaniose visceral (calazar) cursam com pancitopenias graves associadas a esplenomegalia e o sequestro esplênico, ou mesmo a profliferação das formas amastigotas em macrófagos medulares que levam a citopenias periféricas. Na experiência do autor, que acompanham inúmeros casos de hemogramas de pacientes com Leishmanioses visceral, não há eosinofilia nestes casos, nem mesmo na esquistossomose na forma hepatoesplênica.

A eosinofilia sanguínea varia conforme o estágio evolutivo do parasita. Na ascaridíase, a eosinofilia ascende nas primeiras três semanas, atingindo contagens entre 1.000 a 5.000/mm3, e depois decresce lentamente nas semanas subsequentes. Na infestação por filaria e larva migrans visceral, a eosinofilia persiste em taxas elevadas por tempo prolongado. No caso de estrogiloidíase, a cada ciclo de autoinfestação a eosinofilia recrudesce. A associação entre eosinófilo e doença alérgica é bastante importante. Em relação à asma há correlação entre hiperresponsividade brônquica e eosinoflia periférica. A eosinofilia pulmonar caracterizada por lesões histologicamente compostas por infiltrados de eosinófilos pode ser devida a aspergilose broncopulmonar.

Infecções Crônicas

O sistema monocítico macrofágico fagocítico tem por função combater microorganismos resistentes como o bacilo da tuberculose, bactérias que causam endocardite bacteriana, na sífilis, brucelose, malária, listerioses, doenças auto-imunes, recuperação de infecções agudas. As monocitoses também são comuns nas leucemias monocíticas e monoblásticas agudas. Com frequência, os aparelhos hematológicos contam mais de 15% de monócitos, entretanto, esta quantidade de monócitos não é comum, sendo necessário a revisão, pois blastos, linfócitos anormais, linfócitos reativos, bastões, podem ser contados como monócitos, por cair na mesma região de tamanho e complexidade dos histogramas, pois possuem características similares. Já a monocitopenia é um achado típico de leucemia de células pilosas ou tricoleucemia, como também na anemia aplástica, e ambas as patologias são acompanhadas de pancitopenia. Outro achado interessante é a presença de marofágos fagocitando formas amastigostas de Leishmania visceral ou calazar, em esfregaço de medula óssea. Nesta patologia, é comum pancitopenia, frequentemente reversível após terapia.

Os primeiros aparelhos eletrônicos surgiram em 1980 através dos irmãos Wallace e Joseph Coulter, que desenvolveram contadores de células por impedância elétrica, capazes de contar hemácias, leucócitos em três partes e plaquetas por princípio de condução elétrica. Os equipamentos hematológicos foram aperfeiçoados com a introdução de citometria de fluxo e fluorescência, permitindo a diferenciação de 5 leucócitos ou mais, contagens de reticulócitos e plaquetas reticuladas, contagem de eritroblastos e emissão de alarmes para granulócitos imaturos, linfócitos atípicos, linfócitos anormais, blastos, agregados plaquetários, crioaglutininas, levando ao aumento das rotinas de hemogramas e padronização de critérios de revisão de laminas. Os contadores atuais aspiram 150 µL e emitem um laudo em menos de 60 segundos. A contagem eletrônica de número de leucócitos totais, mesmo em contagem de grande porte com citometria de fluxo tem um coeficiente de variação de 3,5% para contagens acima de 2.000/mm3, podendo chegar a uma variação de 10-50% para contagens inferiores a 1.000 microlitros. As contagens eletrônicas por aparelhos hematológicos de grande porte fornecem com contagem de leucócitos satisfatórios até 450.000/mm3, e os contadores hematológicos de pequeno porte contam leucócitos até 100.000/mm3, e acima destas contagens leucometria merecem diluições. Os autores destacam que os aparelhos de pequeno e médio porte que contam leucócitos em 3 partes, exigem contagem diferencial de todas as lâminas.                                                                

Neste contexto, os flags ou alarmes e citometria de fluxo separando as células por tamanho, complexidade e fluosrecência, permitiu analisar hemogramas em processos infecciosos, pois no hemograma sempre a predominância de um ou outra célula, por combaterem microorganismo. Para tanto, os histogramas e citogramas indicam muitas vezes predominância de neutrófilos em infecções bacterianas e fúngicas sistêmicas, linfócitos normais e reativos em processos virais, eosinófilos em infecciosas parasitarias e monócitos em processos infecciosos crônicos.

Leitura recomendada

Hemograma: Manual de Interpretação. Renato Failace e Flavo Fernandes 6º edição. Editora Artmed. 2015.

Hoffman R, Benz EJ Jr, Silberstein LE, Heslop H, Weitz J, Anastasi J. Hematology: Basic Principles and Practice. 6th ed. Philadelphia, Pa.: Elsevier/Saunders; 2013:table 164–20.

Hematologia Laboratorial: Teoria e Procedimentos. Paulo Henrique da Silva , Hemerson Bertassoni Alves , Samuel Ricardo Comar, Railson Henneberg, Júlio Cesar Merlin, Sérvio Túlio Stinghen.  1º edição. Editora Artmed. 2016.

Bruegel M, Nagel D, Funk M, Fuhrmann P, Zander J, Teupser D. Comparison of five automated hematology analyzers in a university hospital setting: Abbott Cell-Dyn Sapphire, Beckman Coulter DxH 800, Siemens Advia 2120i, Sysmex XE-5000, and Sysmex XN-2000. Clin Chem Lab Med. 2015 Jun;53(7):1057-71. doi: 10.1515/cclm-2014-0945. PMID: 25720071.

Tan BT, Nava AJ, George TI. Evaluation of the Beckman Coulter UniCel DxH 800, Beckman Coulter LH 780, and Abbott Diagnostics Cell-Dyn Sapphire hematology analyzers on adult specimens in a tertiary care hospital. Am J Clin Pathol. 2011 Jun;135(6):939-51. doi: 10.1309/AJCP1V3UXEIQTSLE. PMID: 21571967.