Por que somos curiosos? | Revista Fleury Ed. 38

Do despertar do interesse ao aprendizado de algo novo, entenda como a curiosidade nos move.

Uma mensagem apita no celular, alguém próximo sussurra uma fofoca, um bichinho esquisito pousa ali do lado, sai o resultado surpreendente de uma eleição. Ao longo de um dia, milhares de estímulos como esses pipocam ao nosso redor. Alguns passam despercebidos, mas outros nos deixam com a pulga atrás da orelha. De onde vem essa curiosidade? “O desejo de conhecer faz parte da nossa estrutura psicológica. Queremos saber o que está além daquilo que estamos vendo”, afirma a psicóloga Denise Ramos, professora de pós-graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

A curiosidade é uma vontade diferente de aprender, que deixa o cérebro mais alerta e ajuda a gravar melhor as descobertas na memória.

“Nosso cérebro nasce adorando novidades. A exploração do mundo, buscar e conhecer coisas novas, é parte essencial do desenvolvimento humano”, explica Pedro Calabrez, sócio-diretor da NeuroVox e pesquisador do Laboratório de Neurociências Clínicas (LiNC) da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp).

A incessante busca de respostas para o que desconhecemos é o que nos move a mudar o mundo. “A curiosidade está por trás de todo avanço da ciência”, afirma Denise. E nos ajuda a nos descobrir como indivíduos. “A conquista do proibido, a descoberta da verdade para além da obediência e da confiança na palavra do outro nos levam à conquista do próprio saber. Saber por si mesmo, ‘de cor’, ou seja, pelo coração, tem a ver com essa apropriação, por via da curiosidade espontânea”, afirma o psicanalista Christian Dunker, professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP)

Feitos para o novo

Alguma coisa acontece no nosso cérebro quando algo nos intriga. Tudo começa no córtex pré-frontal, ativado quando nosso interesse é capturado. “O cérebro depende da atenção plena para acionar o mecanismo investigativo”, esclarece Regina Migliori, coordenadora do MindEduca, um programa de desenvolvimento pessoal baseado em neurociência e atenção plena. A curiosidade aguçada aumenta a atividade do circuito cerebral ligado à recompensa, alimentado pela dopamina, uma espécie de mensageiro químico que passa as mensagens pelos neurônios.

Ao descobrirmos a resposta que buscávamos, esse aprendizado fica bem gravado na memória, porque o hipocampo, responsável pela formação de novas memórias, também trabalha mais. “A curiosidade estimula a inteligência”, completa Denise. E as duas são tão indissociáveis que, hoje, já se fala em tentar medir nosso “quociente” de curiosidade para saber o quanto estamos preparados para viver em um mundo cada vez mais complexo, que exige que sejamos cada vez mais questionadores e abertos a novas experiências para ter novas ideias. Infelizmente, a curiosidade ainda não pode ser medida tão objetivamente quanto o QI. Mas pode – e deve – ser estimulada em qualquer idade.

Para manter viva

Na infância, as crianças costumam ser curiosas porque ainda não sabem como as coisas funcionam. Nessa fase, é essencial encorajá-las a explorar o mundo em busca de soluções. “O modelo de educação atrapalha a curiosidade ao ensinar a buscar uma única resposta: a que o professor considera a certa”, reflete Denise. A tecnologia pode ser uma aliada para descobertas, se usada de maneira consciente. “Jogos e softwares muito padronizados trazem respostas prontas ou desenvolvem apenas a habilidade, e não a curiosidade. Por isso, é preciso equilibrar seu uso com a experimentação”, completa a psicóloga.

Teoricamente, esse espírito investigativo não deveria diminuir com a idade – nosso cérebro tem plena capacidade de se manter curioso até o fim da vida. Mas, na prática, não é isso o que acontece. “Com o peso das responsabilidades da vida adulta e a redução de hormônios que nos mantinham cheios de vitalidade na juventude, vem uma grande preguiça, especialmente, de encarar coisas novas que nos desafiem. Ficamos menos curiosos e mais apegados àquilo que já conhecemos e em que confiamos”, diz Calabrez. “Acomodação é morte: devemos sempre lembrar que a curiosidade mantém nosso corpo e nosso cérebro vivos. Manter-se intelectualmente ativo é importante para prevenir doenças como o mal de Alzheimer.”

Como a curiosidade atiça o cérebro

Tudo o que nos intriga gera uma memória mais duradoura

ATENÇÃO

O desconhecido seduz o cérebro

MOMENTO 1

A “mágica” começa quando algo intrigante atrai – e mantém – a nossa atenção. No cérebro, esses processos de atenção são mediados por estruturas do córtex pré-frontal.

ANTECIPAÇÃO

A mente busca a recompensa

MOMENTO 2

Diante de um enigma, formulamos perguntas. Entramos, então, em um estado de antecipação das possíveis respostas, o que ativa estruturas cerebrais como o núcleo caudado e o giro frontal inferior. Essa ativação está intimamente ligada à antecipação de uma recompensa.

DESCOBERTA

A resposta é gravada na memória

MOMENTO 3

A curiosidade é saciada quando descobrimos a resposta. Para fechar o ciclo, entram em ação estruturas cerebrais associadas ao aprendizado e à memória, como o giro parahipocampal e o hipocampo – que fica mais ativo e, por isso, grava melhor o que acabamos de aprender.