Cardiomiopatias e os testes diagnósticos de imagem

Como os testes diagnósticos de imagem desempenham papel fundamental no diagnóstico.

As cardiomiopatias (CM) constituem um grupo heterogêneo de doenças do miocárdio associadas à disfunção mecânica e/ou elétrica, estando confinadas ao coração ou fazendo parte de distúrbios sistêmicos generalizados. Geralmente exibem hipertrofia ventricular inapropriada ou dilatação devido a uma variedade de causas, com frequência genéticas.

Classificação

Conforme as alterações funcionais ou estruturais, as CM podem ser classificadas como dilatadas (D), hipertróficas (H), restritivas (R) e cardiomiopatia (ou displasia) arritmogênica do ventrículo direito (VD), mais referida como cardiomiopatia arritmogênica (CA). Subsequentemente, com o progresso no conhecimento da base genética das CM, outras classificações foram propostas, subdividindo-se em genética, adquirida ou mista.

Em 2013, Arbustini e cols. propuseram a classificação MOGE(S) para as CM, endossada pela World Heart Federation, na qual “M” se refere ao fenótipo (por exemplo, dilatada e hipertrófica), “O”, ao envolvimento de órgãos (por exemplo, com/sem envolvimento extracardíaco), “G”, à transmissão genética (por exemplo, autossômica dominante ou recessiva), “E”, à patogênese (por exemplo, genética com gene da doença e mutação, se conhecida), e “S”, ao estágio da CM.

Mais recentemente, as canalopatias e distúrbios relacionados, como a síndrome do QT longo e QT curto, a síndrome de Brugada e a taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica foram incluídas no grupo das CM por constituírem doenças dos cardiomiócitos caracterizadas por disfunção eletrofisiológica arritmogênica.

Diagnóstico

O diagnóstico da CM requer múltiplos testes diagnósticos de imagem. As técnicas de imagem cardiovascular, como ecocardiografia (ECO), ressonância magnética cardiovascular (RMC), tomografia computadorizada cardíaca (TCC) e imagem nuclear desempenham um papel crucial no diagnóstico e no manejo das CM e também fornecem importantes informações prognósticas.

Ecocardiograma

O ECO continua sendo a principal modalidade para começar a investigação, tendo como pontos fortes a determinação de anormalidades do movimento das paredes, avaliação das doenças valvares, da disfunção miocárdica subclínica e da função diastólica. Esse exame fornece dados fundamentais, não só para o diagnóstico, mas também para a estratificação de risco, determinação de prognóstico e definição do tratamento. Além disso, ajuda na avaliação dos membros da família e no diagnóstico diferencial de outras doenças cardíacas. Novas ferramentas, como o strain miocárdico, têm mostrado importante valor prognóstico, correlacionando-se com a quantidade de fibrose miocárdica, identificada pela ressonância magnética. Sua principal limitação está na variabilidade inter e intraobservador das medidas. A sensibilidade do exame 2D é de 81% e a especificidade de 100%, para o diagnóstico de disfunção ventricular esquerda.


Ressonância Magnética Cardíaca 

A RMC possui excelente reprodutibilidade na mensuração da função miocárdica; no entanto, sua maior força está na caracterização tecidual, com indicação específica na avaliação de CM infiltrativas, miocardite, sobrecarga de ferro e CM hipertrófica.

O método representa uma ferramenta valiosa para a avaliação de pacientes portadores de insuficiência cardíaca (IC) ou em risco para essa condição, tendo impacto crescente no diagnóstico, no manejo clínico e na tomada de decisão. Por sua capacidade de caracterizar o miocárdio usando múltiplos parâmetros de imagem diferentes, a RMC fornece uma visão sobre a etiologia da IC subjacente e seu prognóstico. Ademais, é amplamente aceita como o padrão de referência para quantificar o tamanho das câmaras e das frações de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) e ventrículo direito (FEVD).

Técnicas de caracterização tecidual, como o realce tardio do gadolínio (LGE) e outros parâmetros quantitativos, como mapeamento T1, ambos nativos e com medidas da fração volumétrica extracelular, mapeamento T2 e mapeamento T2-*, foram validadas contra a histologia em uma ampla gama de cenários clínicos. Em particular, o padrão de LGE no miocárdio pode ajudar a determinar a etiologia subjacente da IC. A presença e a extensão do LGE determinam o prognóstico em muitas das CM não isquêmicas.

O fato é que o uso da RMC vem aumentando na prática clínica devido à sua utilidade na caracterização e na avaliação do prognóstico das CM.

Medicina Nuclear 

A imagem nuclear/tomografia por emissão de pósitrons é particularmente útil na avaliação da perfusão miocárdica e do metabolismo, sendo usada para estudar a função cardíaca e a perfusão miocárdica, a fim de descartar CM isquêmica. Também se presta ao esclarecimento de doenças cardíacas restritivas, especialmente sarcoidose e amiloidose cardíaca, e ao diagnóstico da CMH. A tomografia computadorizada por emissão de fóton único (Spect) e a tomografia por emissão de pósitrons (PET) são benéficas na investigação das CM. O exame de Spect pode ajudar a avaliar a mobilidade da parede e sua espessura, bem como a pesquisar isquemia cardíaca. Já o exame de PET contribui para investigar isquemia e inflamação cardíaca.

Tomografia computadorizada cardíaca 

O principal papel da TCC nas CM é descartar a doença coronariana como causa potencial desse quadro.

O método pode ser utilizado para diferenciar a etiologia isquêmica da não isquêmica. Além disso, é altamente sensível e específico no diagnóstico de DAC. Também pode ajudar a prever o prognóstico da CM isquêmica.

A TCC também fornece medições precisas da espessura, volume e massa da parede do VE; no entanto, a RMC tem capacidade superior de caracterização tecidual.

Testes genéticos

Condições cardíacas como arritmias e miocardiopatias podem estar associadas a alterações genéticas hereditárias. Nesse contexto, os testes genéticos contribuem para a confirmação diagnóstica e para o aconselhamento genético da família, com impacto também nas orientações e conduta terapêutica específica. As doenças relacionadas são CM dilatadas, doença de Fabry, doença de Pompe, doença de Danon e CM sindrômicas associadas a outras malformações, como espectro da síndrome de Noonan e outras rasopatias.

O Grupo Fleury fornece um painel de CM hereditárias que compreende 74 genes relacionados à ocorrência de condições cardíacas hereditárias.

Por dentro das cardiomiopatias

Dilatada

A cardiomiopatia dilatada (CMD) caracteriza-se pela dilatação do VE associada à disfunção sistólica global, na ausência de sobrecarga de volume ou pressão. Sua prevalência varia, refletindo as diferenças geográficas e étnicas, bem como as metodologias utilizadas. Estima-se que ocorra em 1:250, com base na frequência de disfunção ventricular esquerda como expressão da CMD.

O critério para definir a dilatação do VE é o diâmetro diastólico final >2,7 cm/m2. A espessura parietal geralmente está normal, porém a massa miocárdica está aumentada. O grau de comprometimento da função sistólica é variável, com disfunção sistólica frequentemente progressiva. Anormalidades associadas à função diastólica podem estar presentes, contribuindo para a variação na apresentação clínica e hemodinâmica da CMD. O acometimento do VD pode ser evidenciado.

A CMD está associada com risco aumentado para arritmia grave, indicando o envolvimento patológico do sistema de condução cardíaca. As características secundárias da condição incluem insuficiência mitral (IM) e tricúspide funcionais, aumento dos átrios, trombos intracavitários e evidências de baixo débito cardíaco.

Na CMD, o ECO é essencial para o diagnóstico. Mostra dilatação, com ou sem disfunção do VE, calcula os volumes do VE e visualiza anormalidades associadas à função diastólica, que podem estar presentes, e acometimento do VD, que pode ser evidenciado, além de demonstrar as características secundárias da CMD, como IM e tricúspide funcional, aumento dos átrios, trombos intracavitários e evidências de baixo débito cardíaco. O strain longitudinal global anormal é um preditor de mortalidade em pacientes com IC com fração de ejeção reduzida e supera outros parâmetros do ECO como medida prognóstica.

A cardiomiopatia dilatada chagásica (CMC) tem características semelhantes às da CMD idiopática, porém com predomínio das alterações segmentares da contratilidade (principalmente nos segmentos basais das paredes inferior e inferolateral). A presença de
aneurisma apical é um achado típico da CMC, sendo útil no diagnóstico diferencial das CM
dilatadas. O encontro de trombos no interior dos aneurismas é frequente e está associado a eventos tromboembólicos cerebrais. Por fim, a disfunção diastólica está universalmente presente nos pacientes com CMC e IC.

Na CMD, os ventrículos dilatados e a fração de ejeção diminuída são os principais achados na RMC. Na CM periparto, a RMC pode ser útil para prever o desfecho clínico. Uma melhora no LGE pode predizer a recuperação da disfunção sistólica. Na doença de Chagas, o realce tardio miocárdico pela RMC consegue quantificar a fibrose miocárdica, sendo útil no diagnóstico precoce da CMC em pacientes assintomáticos, além de constituir um fator preditor prognóstico da doença, principalmente com LGE que avalia a presença de fibrose miocárdica – um marcador da gravidade da doença, que prediz o desenvolvimento de arritmias ventriculares malignas, potenciais indutores de morte súbita cardíaca. Além disso, a RMC pode detectar, na CMC, aneurismas ventriculares e trombo intraventricular, assim como identificar disfunção ventricular direita, também um mau fator prognóstico.

Na CMD, a cintilografia de perfusão miocárdica com Spect e PET pode ajudar a diferenciar a etiologia isquêmica da não isquêmica. Na CM não isquêmica, o exame de Spect mostra uma boa distribuição do fluxo sanguíneo comparado ao da CM isquêmica, na qual há uma diminuição na distribuição sanguínea decorrente da isquemia. A sensibilidade do método é de 80% a 95% na CM isquêmica, mas isso diminui para 29% na presença de doença em três vasos, pois há hipoperfusão global em vez de um defeito focal. A imagem de Spect com iodo-123 marcado com metaiodobenzoguanidina (MIBG) tem sido tema de estudo em pacientes com CMC e os resultados mostraram áreas de denervação na maioria dos pacientes. Essas alterações são visíveis antes das alterações no ecocardiograma e no ECG. O aumento da denervação miocárdica correlaciona-se com taquicardia supraventricular e pode desencadear arritmias ventriculares malignas.

Na CMD não isquêmica, a TCC pode ser usada para medir o diâmetro interno do VE e a FEVE. O exame pode indicar mau prognóstico, dependendo da FEVE, mas distingue os diferentes tipos de CMD não isquêmica.

O plano terapêutico da CMD é frequentemente determinado por sintomas do paciente, anormalidades no eletrocardiograma e FEVE; no entanto, essa é uma abordagem imperfeita que pode não identificar adequadamente os indivíduos que provavelmente não responderão à terapia médica ou que estarão em risco de morte súbita cardíaca. Recentemente, tem havido um crescente interesse em explorar o papel da fibrose miocárdica, um componente fisiopatológico da CMD, como marcador para orientar o manejo do paciente e determinar o prognóstico.

A fibrose pode ocorrer de duas formas detectáveis pela RMC: como fibrose de substituição irreversível, que corresponde à presença de LGE, e como fibrose intersticial difusa, que melhor corresponde aos achados no mapeamento T1. A fibrose miocárdica de substituição está frequentemente presente na parede média do septo interventricular e
pode ser identificada em aproximadamente 30% dos indivíduos com CMD por meio de imagem de LGE, o que a diferencia da CM isquêmica. A presença de LGE está associada a anormalidades na contratilidade e serve como substrato potencial para a arritmia ventricular reentrante, além de identificar pacientes que não respondem tão bem à terapia médica ótima, independentemente de outros parâmetros, como a duração do QRS e os níveis de peptídeo natriurético (BNP). A carga de LGE é independente e inversamente associada à mudança da FEVE que ocorre após a terapia médica.

O implante de marca-passo biventricular guiado por LGE foi associado a uma melhora significativa na identificação de pacientes com maior probabilidade de se beneficiar da estimulação biventricular: os indivíduos sem LGE tiveram melhora expressiva após a terapia de ressincronização. Independentemente de sua capacidade de prever quem
pode ou não responder à terapia de ressincronização, a presença de LGE na parede média septal se mostrou um preditor isolado de morbimortalidade em pacientes com CMD submetidos a esse tratamento.

O tratamento da CMD é semelhante ao das outras formas de IC com fração de ejeção reduzida. Uma vez que a evidência clínica da IC se desenvolve, uma piora progressiva frequentemente ocorre mesmo com a terapia otimizada, exigindo tratamentos mais avançados como terapia de ressincronização, suporte mecânico ou transplante cardíaco.

Hipertrófica

A cardiomiopatia hipertrófica (CMH) é uma doença cardiovascular genética caracterizada pelo aumento da espessura da parede ventricular esquerda ¦15 mm em adultos, com cavidade ventricular não dilatada e não explicada por condições anormais de carga, como hipertensão arterial ou estenose aórtica valvar. Graus menores de hipertrofia (de 13 a 14 mm) podem também diagnosticar CMH, particularmente em familiares desses pacientes.

Entre os parâmetros do ECO a ser avaliados na CMH, vale destacar localização e grau da hipertrofia, identificação de obstrução e gradiente intraventricular no repouso ou provocável, presença e magnitude do refluxo mitral, função sistólica e diastólica e tamanho do AE. Pode-se encontrar qualquer padrão de hipertrofia, mas a forma assimétrica é a mais frequente (75% dos casos), apresentandose mais comum na confluência do septo interventricular anterior com a parede livre do VE. Outras formas de hipertrofia incluem a basal, a concêntrica, a apical e da parede lateral.

Há associação linear entre a espessura miocárdica máxima e morte súbita, com risco maior nos pacientes com espessura ¦30 mm. A identificação de gradiente na via de saída do VE é importante na abordagem dos sintomas e na estratificação de risco.

A avaliação pelo ETT, em geral, caracteriza a presença de obstrução na via de saída do VE (VSVE) (gradiente instantâneo 30 mmHg) em repouso (um terço dos pacientes) ou após manobras provocativas (um terço), tais como exercício (ecocardiografia sob estresse físico) ou manobra de Valsalva. O ecocardiograma sob estresse físico pode ser bastante útil nos pacientes com CMH, pois, além de detectar a presença e o grau da obstrução durante o esforço, permite avaliação objetiva dos sintomas, capacidade funcional, resposta da pressão arterial sistólica e pesquisa da presença de regurgitação mitral secundária. A estimativa do tamanho do AE é fundamental, visto que existe correlação significativa entre a dilatação da câmara e maior risco de eventos cardiovasculares, como fibrilação atrial e morte súbita. A principal complicação da CMH é a morte súbita cardíaca, sobretudo em indivíduos jovens e aparentemente sadios.

Na CMH, a RMC pode mostrar a hipertrofia septal e do VE e auxiliar o médico na avaliação dos tipos variantes de CMH. O método é mais sensível que o ECO para identificar áreas
de hipertrofia segmentar do VE. A fibrose miocárdica pode ser detectada com o uso do gadolínio IV. O septo intraventricular é geralmente assimétrico na RMC, mas pode ser simétrico ocasionalmente. O exame tem capacidade de mostrar hipertrofia apical ou massa como hipertrofia ventricular esquerda. Tanto a valva mitral quanto os músculos papilares fazem parte da etiologia da obstrução da VSVE. A RMC consegue detectar precocemente o movimento anterior sistólico da valva mitral, que é a principal etiologia da obstrução da VSVE. Os músculos papilares ventriculares esquerdos desempenham um papel importante na obstrução da VSVE. A RMC é capaz de reconhecer a massa do músculo papilar e ter utilidade no planejamento préoperatório da terapia de redução septal, além de ajudar a detectar hipertrofia ventricular direita na CMH. Em pacientes portadores de CMH assintomática precoce, a RMC consegue identificar criptas miocárdicas do VE que precedem o espessamento da parede miocárdica e alterações precoces da doença.

Na CMH, a imagem de perfusão pode demonstrar septo ou ápice assimétrico espesso com defeitos reversíveis fixos, sem evidência de doença arterial coronariana. O tálio-201 ajuda a detectar defeitos reversíveis induzidos pelo exercício no VE. O exame de PET é melhor que o de Spect para quantificar o fluxo sanguíneo do miocárdio e medir as diferenças transmurais na perfusão. Em pacientes sem evidência de doença arterial coronariana, a PET mostra que, mesmo que o fluxo sanguíneo para o miocárdio seja normal, há um fluxo prejudicado após o uso de vasodilatação farmacológica com dipiridamol devido ao aumento da resistência das arteríolas intramiocárdicas, o qual é considerado um prognóstico ruim em indivíduos com CMH.

A TCC pode ajudar a identificar hipertrofia miocárdica e obstrução da VSVE, além de mostrar aumento da valva mitral, movimento anterior sistólico da válvula mitral ou regurgitação mitral. O exame demonstra ainda a assimetria da hipertrofia ventricular, formas atípicas de CMH, incluindo hipertrofia apical, hipertrofia concêntrica ou, às vezes, hipertrofia ventricular média. No realce tardio do iodo, pode-se observar fibrose das imagens miocárdicas, principalmente focal no VD, mas pode ser difusa. A presença dessa fibrose pode estar relacionada a uma arritmia com risco de vida e morte cardíaca.

Restritivas 

As cardiomiopatias restritivas (CMR) constituem um grupo de entidades caracterizadas por apresentar alteração no padrão de enchimento ventricular, podendo estar associadas a paredes espessadas e rígidas e função sistólica geralmente preservada. As CMR compreendem diversas entidades, incluindo a forma idiopática, endomiocardiofibrose (EMF), fibroelastose endomiocárdica, endocardite parietal de Löefler, formas infiltrativas (como amiloidose e sarcoidose), de armazenamento (como hemocromatose – sobrecarga de ferro e doença de Fabry) e outras formas secundárias a diferentes processos patológicos ou terapêuticos (esclerodermia, síndrome carcinoide, metástases de neoplasias sistêmicas, toxicidade cardíaca do tratamento do câncer e cardiopatia por irradiação).

O diagnóstico pelo ECO baseiase nas alterações anatômicas e funcionais comuns: cavidades ventriculares de dimensão normal ou reduzida, geralmente com disfunção diastólica grau III (tipo restritivo) ao Doppler, função sistólica global em geral preservada e átrios dilatados. A análise pelo Doppler tecidual demonstra velocidade E’ obtida no anel mitral septal usualmente inferior a 7,0 cm/s, medida útil na diferenciação com pericardite
constritiva. Na amiloidose, há espessamento das valvas atrioventriculares, das paredes miocárdicas e, eventualmente, do septo atrial, com reflexão (ecorrefringência) mais intensa e aspecto granuloso do miocárdio. Na EMF, observam-se obliteração do ápice pela fibrose, sinais de restrição ventricular e envolvimento das valvas atrioventriculares. Diferencia-se a fibrose dos trombos apicais porque não há acinesia ou discinesia na EMF esquerda. Outro diagnóstico diferencial é a CMH apical, que não apresenta espessamento endocárdico ou padrão restritivo e tem alterações eletrocardiográficas específicas. A sarcoidose cardíaca pode apresentar anormalidades contráteis regionais e aneurismas de distribuição não isquêmica. O ecocardiograma transesofágico (ETE) está indicado quando existem dificuldades técnicas ao ETT e na monitorização transoperatória da ressecção da fibrose e correção dos defeitos valvares por via apical.

A RMC é essencial para diagnosticar a CMR e para o diagnóstico diferencial da etiologia da CM, uma vez que ajuda a distinguir a CMR da pericardite constritiva. As características da amiloidose cardíaca na RMC incluem hipertrofia concêntrica, aumento da espessura septal, dilatação atrial bilateral e contratilidade normal ou prejudicada. Na amiloidose cardíaca, o LGE pode detectar anormalidades miocárdicas precoces em pacientes com espessura normal do VE e configura um indicador da gravidade da insuficiência cardíaca relacionada à doença, a qual é consistente com os níveis de BNP. Na sarcoidose cardíaca, os achados típicos da RMC envolvem dilatação biventricular e o adelgaçamento do septo. Nessa condição, o exame identifica áreas de LGE nas porções mediana e subepicárdica, que são raras no subendocárdio. Essas áreas provavelmente são multifocais, especialmente no septo anterior e inferior, e sua presença mostrou estar relacionada ao aumento da arritmia ventricular na sarcoidose cardíaca, com possível associação com morte cardiovascular. O achado de LGE na CMR é útil também na avaliação da resposta ao tratamento da sarcoidose com esteroides.

Na sarcoidose cardíaca, a PET com fluorodesoxiglicose (FDG) é considerada um teste importante para estabelecer o diagnóstico. O FDG-PET pode mostrar áreas focais de aumento de captação, que representam inflamação e aparecem como infiltrados irregulares no exame. A combinação de PET com uma cintilografia de perfusão (99mTc-Spect ou Th-Spect) pode ajudar a diferenciar a sarcoidose cardíaca da CM isquêmica. O
FDG-PET também auxilia a prever desfechos ruins; um exame de PET anormal pode predizer taquicardia ventricular sustentada e morte cardíaca. A presença de captação focal de FDG no VD está associada a um risco aumentado de morte e taquicardia ventricular.

A imagem nuclear tem utilidade para monitorar o progresso no tratamento da sarcoidose cardíaca com esteroides. O FDG-PET pode ser usado como um teste de acompanhamento em série para orientar o tratamento de imunossupressão e diminuir a necessidade de uso de esteroides na condição. Já na amiloidose cardíaca, o exame MIBG-Spect consegue detectar precocemente a denervação do miocárdio antes da incidência de deposição da amiloide, que leva à doença cardíaca.

O emprego de PET ainda é limitado nesse contexto. Mas alguns estudos mostraram que seu uso poderia ajudar a diferenciar a amiloidose cardíaca de “cadeia leve” e da transtirretina (TTR). É importante distinguir os subtipos da AL (cadeia leve) e da TTR (relacionada à transtirretina), pois o tipo de AL carrega o pior prognóstico. O ácido 99mTc-3,3-difosfono-1,2- propanodicarboxílico (99mTc- DPD) pode ser utilizado para
diferenciação entre amiloidose AL e TTR, além de servir como um preditor de desfecho na amiloidose da TTR. O exame de Spect com pirofosfato marcado com 99mTc tem alta sensibilidade para diagnosticar CM por amiloidose TTR e é útil para diferenciá-la do tipo AL. Já o exame de Spect com metilenodifosfonato marcado com 99mTc e com hidroximetilenodifosfonato marcado com 99mTc também é eficaz na detecção da deposição de TTR no miocárdio.

Na doença de Fabry, a característica mais comum observada na ecocardiografia bidimensional é o aumento da espessura da parede do VE, especificamente a hipertrofia concêntrica do VE (HVE), considerada o traço marcante dos depósitos glicolipídicos encontrados nas fibras musculares ventriculares. A RMC também é de utilidade diagnóstica nessa condição devido à sua capacidade particular de avaliar padrões de espessamento da parede do VE e à presença/ distribuição de LGE do miocárdio. As manifestações mais comuns na RMC são o espessamento concêntrico da parede e o LGE miocárdico inferolateral. Contudo, a sobreposição nos padrões de espessura de parede e cicatriz entre Fabry e CMH demonstra que é inadequado confiar apenas em exames de imagem e que o teste genético para confirmar ou excluir o diagnóstico de Fabry está indicado quando há suspeita clínica.

Na CMR, a TCC pode mostrar os tamanhos ventriculares semelhantes aos achados no ECO. Na sarcoidose cardíaca, a TCC com contraste consegue demonstrar o aumento do  subepicárdio com hipocinesia global ou regional. Na fase aguda, o espessamento focal da parede é observado devido a áreas focais de granulomas, enquanto, na sarcoidose cardíaca crônica, o afilamento da parede é visualizado. A fibrose pode ser observada em imagens de realce tardio de iodo e estar relacionada a desfechos desfavoráveis. A TCC ainda pode identificar cardiomegalia, derrame pericárdico e aneurismas ventriculares. Na amiloidose cardíaca, a TCC geralmente não é usada devido à sua baixa sensibilidade na detecção de infiltração miocárdica, mas tem capacidade de identificar espessamento da parede ventricular e aumento biatrial. Nas imagens de realce tardio de iodo, um padrão de realce difuso transmural ou subendocárdico pode se apresentar.

Arritmogênica 

A cardiomiopatia arritmogênica (CA), antes denominada displasia arritmogênica do VD, é considerada uma CM hereditária, com transmissão autossômica dominante, predispondo ao surgimento de arritmias ventriculares, morte súbita em jovens, disfunção ventricular e insuficiência cardíaca. Devido ao envolvimento frequente do VE, recomenda-se atualmente empregar o termo CA, que abrange ambos os ventrículos, em substituição ao termo displasia arritmogênica do VD. A doença é marcada por uma substituição progressiva do miocárdio ventricular por tecido fibroso e adiposo, podendo levar a um adelgaçamento da parede e à formação de aneurisma. No VD, o processo localiza-se tipicamente nas paredes inferior, apical e infundibular (triângulo da displasia), podendo ser difuso ou segmentar. O envolvimento do VE ocorre em mais da metade dos casos, sendo tipicamente localizado no subepicárdio ou mesocárdio e muitas vezes confinado ao segmento inferolateral.

A ecocardiografia é a modalidade de imagem de escolha na avaliação inicial da CA e o método propedêutico mais utilizado no acompanhamento dos pacientes. As características morfológicas típicas em pacientes com CA incluem anormalidades contráteis regionais e/ou dilatação e disfunção ventricular direita. Entre os critérios ecocardiográficos tradicionais, derivados do ECO 2D, propostos para o diagnóstico de CA, estão presença de acinesia, discinesia ou aneurisma ventricular direito; diâmetro aumentado da via de saída do VD (medidas no eixo paraesternal longo e curto); e redução da variação fracional da área do VD.

Na CA, a RMC pode detectar defeitos de movimento da parede, dilatação do VD, disfunção ventricular direita e aneurismas focais. Aumento da via de saída do VD, infiltrados gordurosos intramiocárdicos e afilamento focal da parede ou hipertrofia da parede constituem algumas das anormalidades morfológicas que a RMC ainda consegue pode identificar nesses casos.

Não compactada 

A não compactação do VE (NCVE) se caracteriza por miocárdio trabeculado com recessos intertrabeculares profundos adjacentes, comunicando-se com a cavidade do VE. Em sua patogênese, está implicada a interrupção precoce da compactação da malha trabecular do VE durante a embriogênese, resultando na formação de duas camadas: uma fina camada epicárdica compactada e uma espessa camada endocárdica (semelhante a uma malha “esponjosa”), com marcadas trabeculações e recessos intratrabeculares profundos. A NCVE tem sido associada com pouca frequência de complicações fatais, como eventos embólicos, arritmia e morte súbita cardíaca. O diagnóstico precoce e o pronto início do tratamento podem evitar tais complicações. Técnicas de imagem não invasivas são essenciais para o delineamento da aparência morfológica do miocárdio na NCVE e na triagem de complicações, como o trombo do VE.

O ECO 2D é a base para o estabelecimento do diagnóstico, o acompanhamento evolutivo e o melhor delineamento das expressões fenotípicas da NCVE. Diversos critérios têm sido empregados para o diagnóstico, levando em consideração o aumento da proporção da camada não compactada (por exemplo, relação não compactado/compactado ao fim da sístole >2), presença de excessivas trabeculacões, hipocinesia de áreas não compactadas (localizadas comumente em ápice e parede lateral) e visualização de fluxo nos recessos (por meio do Doppler colorido). Diante disso, é notável que a confirmação de casos suspeitos venha aumentando nos últimos anos devido aos avanços e às melhorias dos métodos de imagem, assim como à percepção da necessidade de investigação ativa em familiares de primeiro grau acometidos pela doença (ocorrência descrita em 13% a 50% nesse grupo específico), porém levando ao temível excesso de diagnósticos.

A RMC também pode demonstrar trabeculações proeminentes e fornecer uma avaliação da extensão do miocárdio não compactado. Os critérios diagnósticos de RMC propostos por Petersen incluem aparência visual de duas camadas miocárdicas distintas (epicárdico compactado e endocárdio não compactado), presença de trabeculações acentuadas e recessos intertrabeculares profundos dentro de uma camada não compactada e relação miocárdica não compactada a compactada maior que 2,3 no fim da diástole em um plano perpendicular ao miocárdio compactado. Outros critérios diagnósticos da RMC também foram propostos, embora sejam menos usados clinicamente. Além disso, a imagem de RMCLGE pode ajudar a identificar áreas de fibrose no miocárdio não compactado, o que poderia ser um substrato para possíveis arritmias. O exame também pode avaliar defeitos cardíacos congênitos coexistentes e pesquisar a presença de trombo no VE.

A TCC pode delinear as camadas compactadas e não compactadas do VE e as trabeculações proeminentes típicas de NCVE, embora seja menos utilizada que a RMC, pois não possui a capacidade de caracterizar tecido e identificar áreas de fibrose em comparação com a RMC, além de expor o paciente à radiação.

Disfunção cardíaca relacionada à terapia do câncer

A cardiotoxicidade da quimioterapia, da terapia direcionada ou da terapia imunológica em pacientes com neoplasias malignas pode ser identificada devido a uma alteração na função cardíaca ou a novos sintomas clínicos cardíacos em comparação com o valor basal. A definição mais comumente utilizada para a disfunção cardíaca relacionada à terapêutica do câncer (CTRCD) refere-se à redução da FEVE no contexto de antraciclinas ou do tratamento com trastuzumabe e foi recentemente definida no documento de consenso de especialistas da Sociedade Americana de Ecocardiografia (ASE) como uma redução da FEVE maior que 10% e menor que 53%. Dada essa definição, medidas precisas e reprodutíveis da FEVE são vitais, particularmente porque os achados podem afetar as decisões de alterar o tratamento do câncer.

Miocardiopatia inflamatória/miocardite 

A inflamação do miocárdio é uma resposta inespecífica a vários desencadeantes, incluindo infecção bacteriana ou viral, agentes cardiotóxicos, catecolaminas ou lesão mecânica. A miocardite pode apresentar um amplo espectro de sintomas, desde dor torácica e arritmias até choque cardiogênico e morte súbita cardíaca. A biópsia endomiocárdica ainda é considerada por muitos o padrão-ouro; no entanto, é significativamente limitada pelo envolvimento miocárdico irregular nessa condição. Portanto, a imagem não invasiva também desempenha em tal contexto um papel essencial.

As características ecocardiográficas da miocardite são variadas e inespecíficas, indo de padrões dilatados a hipertróficos a restritivos, dependendo do momento da apresentação. O derrame pericárdico pode estar presente. A presença de disfunção sistólica do VD constitui um preditor independente de desfecho adverso.

A RMC é recomendada, antes da biópsia endomiocárdica, em pacientes clinicamente estáveis com suspeita de miocardite. A inflamação ativa exibe edema intracelular/intersticial, extravasamento capilar, hiperemia e necrose/fibrose celular em casos mais graves. Os “critérios de Lake Louise” incluem aumento focal ou global de sinal por sequências ponderadas em T2 (edema), elevação do ratio precoce global do sinal miocárdio/músculo esquelético após contraste (hiperemia) ou realce tardio por gadolínio (necrose/fibrose). A presença de duas das três características da RMC fornece alta especificidade, mas sensibilidade relativamente baixa para o diagnóstico de miocardite comprovada por biópsia.

O FDG-PET também pode ser usado no diagnóstico de inflamação miocárdica e miocardite aguda. Os achados correlacionam-se bem com os da RMC, embora o FDG-PET seja menos comumente usado neste ambiente clínico.


Consultoria Médica 

Dr. Dalmo Antonio RIbeiro Moreira
[email protected]

Dr. David Costa de Souza Le Bihan
[email protected] 

Dr. Ibraim Masciarelli Francisco Pinto
[email protected] 

Dr. João Manoel Rossi Neto
[email protected] 

Dra. Paola Smanio
[email protected] 


Referência

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