Aplicações práticas do estudo da parede vascular em neurorradiologia

Exame avalia com alta resolução a parede das artérias cervicais e intracranianas

Nos últimos anos, o estudo de parede  vascular (em inglês, vessel wall imaging) tem surgido como uma ferramenta auxiliar robusta na abordagem  das doenças cerebrovasculares. O  exame é obtido por meio de uma sequência T1 fast spin eco 3D, que tem  como principais características a aquisição de cortes submilimétricos, a saturação do sinal da luz do vaso (black blood) e a supressão do sinal da gordura ou do liquor adjacentes ao vaso.

Dessa forma, o método avalia com alta  resolução a parede das artérias cervicais  e intracranianas, conseguindo, consequentemente, diagnosticar doenças relacionadas a esses vasos, como dissecções, ateromatose e vasculites.

O estudo da parede vascular vem sendo  aplicado na Neurorradiologia em duas  modalidades principais: incorporado ao  exame de angiorressonância magnética  cervical ou como estudo dedicado.

ESTUDO DA PAREDE  VASCULAR INCORPORADO  À ANGIORRESSONÂNCIA  MAGNÉTICA CERVICAL

Quando incorporado à angiorressonância, o estudo da parede vascular  detecta dissecções arteriais agudas  das artérias carótidas e vertebrais,  bem como placas hemorrágicas nos bulbos carotídeos.

Um estreitamento longo do calibre  nos segmentos cervicais das artérias  vertebrais e/ou carótidas internas,  identificado pela angiorressonância,  pode decorrer de uma dissecção aguda ou subaguda, mas também  pode ser devido a uma dissecção  crônica parcialmente recanalizada.  A identificação do hematoma mural  no exame é o achado de imagem  que permite o diagnóstico de uma  dissecção aguda/subaguda e, assim,  direciona o paciente para o tratamento apropriado (figura 1).


 

Figura 1. Dissecção do segmento  cervical da artéria carótida  interna esquerda. Sequência  vessel wall nos planos coronal  (A) e axial (B). Hematoma  com hipersinal em T1, longo,  excêntrico e serpiginoso (seta  em A), que desloca e estreita a  luz do vaso (seta em B).


Há casos também em que as dissecções não causam repercussão  significativa sobre o calibre do vaso,  fazendo com que os estudos angiográficos sejam normais. Nessas  situações, o diagnóstico só é possível pelo reconhecimento do hematoma mural no estudo da parede  vascular (figura 2).


Figura 2. Dissecção diagnosticada apenas através da sequência vessel  wall. Sequência vessel wall no plano coronal (A) e reconstrução  coronal MIP de angiotomografia (B). Hematoma mural na face  medial do segmento V2 distal da artéria vertebral direita (seta em A).  Na angiotomografia do mesmo paciente, realizada um dia depois,  não foi encontrada alteração no calibre da artéria vertebral direita  na localização do hematoma (círculo em B).


Outro uso bastante relevante do método envolve a caracterização detalhada das placas ateromatosas do  bulbo carotídeo, que se dividem em  duas grandes categorias: estáveis (calcificadas e fibrosas) e instáveis (lipídicas, com ruptura da cápsula fibrosa ou hemorrágicas). A hemorragia  no interior da placa aumenta em até  cinco vezes o risco de acidente vascular isquêmico (AVCI). Uma avaliação  prática da hemorragia intraplaca pelo  estudo de parede vascular consiste  em identificar um aumento do sinal da placa maior que 1,5 vez o sinal do  músculo esternocleidomastóideo adjacente (figura 3).



Figura 3. Ateromatose no bulbo  carotídeo esquerdo. Na sequência  vessel wall nos planos sagital (A)  e axial (B), identifica-se uma placa  ateromatosa hemorrágica no bulbo  carotídeo esquerdo (setas em A  e B). A intensidade de sinal do  componente hemorrágico da placa é  significativamente mais intenso do que  o dos planos musculares adjacentes.


ESTUDO DEDICADO À  AVALIAÇÃO DA PAREDE VASCULAR

Nessa modalidade, a sequência é adquirida antes e após a injeção de contraste, sempre em aparelhos com  campo magnético de 3 Tesla (3T). Esses magnetos permitem obter imagens  com maiores relação sinal/ruído e resolução, sendo especialmente adequados para avaliar as paredes de pequenos ramos arteriais intracranianos.

A maior indicação desse estudo é elucidar as causas das estenoses intracranianas, cujos principais diagnósticos  diferenciais incluem a ateromatose,  a vasculite, a vasoconstrição e a dissecção. O aspecto morfológico e os  padrões de realce parietal vascular variam conforme o substrato etiológico.  Na doença ateromatosa intracraniana,  identifica-se um realce focal e excêntrico na parede do vaso (figura 4), que  ocorre devido à proliferação de vasa  vasorum no interior da placa.


Figura 4. Ateromatose da artéria cerebral média direita. Angiotomografia com reconstrução coronal MIP (A) e vessel wall póscontraste no plano sagital (B). Estenose focal e acentuada no segmento  M1 da artéria cerebral média direita (seta em A). Na sequência vessel  wall com orientação perpendicular ao maior eixo da artéria cerebral  média direita, evidencia-se realce excêntrico na parede anterior do  vaso (seta em B), compatível com placa ateromatosa.


Já nos processos inflamatórios (vasculites), o realce parietal arterial é  caracteristicamente espesso e concêntrico, ou seja, acomete toda a circunferência do vaso de forma simétrica (figura 5). Isso porque, nesses  quadros, há uma infiltração de células  inflamatórias na parede vascular que  aumenta a permeabilidade e leva a  um consequente extravasamento e  acúmulo do contraste na parede arterial afetada. Um dos maiores diagnósticos diferenciais nesse cenário é  a vasoconstrição (síndrome da vasoconstrição cerebral reversível) – nessa condição, contudo, o realce está  ausente em 50% dos casos e, quando  presente, tende a ser fino e tênue.


Figura 5. Vasculite. Reconstrução MIP coronal de angiorressonância  arterial intracraniana (A) e vessel wall pós-contraste no plano coronal (B).  Estreitamentos irregulares nos segmentos cavernoso e supraclinóideo  da artéria carótida interna e no segmento M1 da artéria cerebral média  direitas (setas em A). Na sequência vessel wall, observa-se realce parietal  concêntrico nos mesmos segmentos arteriais (setas em B).


Por fim, nas dissecções, pode-se identificar, na sequência de vessel wall,  além dos hematomas murais (figura  6), o flap intimal (figura 7), que seria o  deslocamento da camada íntima para  o interior da luz do vaso.


Figura 6. Dissecção recente  da artéria cerebral anterior  direita. Reconstrução 3D de angiorressonância arterial  intracraniana (A), vessel  wall nos planos sagital (B)  e axial (C). Irregularidades,  estreitamento e dilatação  fusiforme da artéria  cerebral anterior direita  (seta em A). Hematoma  mural identificado na artéria  cerebral anterior direita  (setas em B e C).


Figura 7. Dissecção da artéria basilar. Reconstrução 3D de angiorressonância  arterial intracraniana (A) e vessel wall pós-contraste no plano coronal (B).  Dilatação fusiforme e irregular do terço proximal da artéria basilar (seta em  A) e flap intimal realçando na sequência vessel wall (seta em B)


Todas as indicações aqui apresentadas  demonstram os motivos pelos quais  o estudo da parede vascular tem sido  cada vez mais solicitado e incorporado à prática diária da Neurorradiologia. Em síntese, o exame fornece  informações relevantes em cenários clínicos anteriormente desafiadores.


Referências bibliográficas 

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Consultoria médica 

Neuroimagem

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