Hepatopatias crônicas usualmente resultam de uma série de afecções, que incluem hepatite viral, doença hepática gordurosa não alcoólica e abuso de álcool. Esses insultos causam inflamação e destruição tecidual, culminando com fibrose e, finalmente, cirrose, que, por sua vez, traz risco de desenvolvimento de hipertensão portal, insuficiência hepática e hepatocarcinoma. A caracterização e o estadiamento da fibrose hepática são, portanto, imprescindíveis no seguimento desses pacientes e podem ser realizadas tanto por métodos invasivos quanto não invasivos.
Dentre os métodos não invasivos, a elastografia hepática por ultrassom tornou-se um dos mais utilizados na atualidade, dada sua praticidade e ampla disponibilidade, facilitando o monitoramento longitudinal, quando necessário, e a triagem de grandes populações. Entretanto, os diversos sistemas de escore histopatológico existentes, a indisponibilidade de dados mais robustos de todas as doenças de base, as diferentes metodologias empregadas na caracterização da fibrose, com valores de corte distintos entre os centros, e, principalmente, a sobreposição de valores de rigidez hepática em casos de fibrose discreta a moderada facultaram algumas dificuldades técnicas que podiam eventualmente ocasionar impacto na melhor compreensão dos achados elastográficos.
Baseada na perspectiva clínica de que é mais importante incluir ou excluir doença significativa do que prover um estadiamento exato por um sistema de escore histopatológico e na tentativa de prover um sistema unificado de valores de corte entre os diversos métodos utilizados em ultrassonografia, a Sociedade de Radiologistas em Ultrassonografia, entidade que congrega radiologistas dos Estados Unidos e da União Europeia, publicou recentemente uma atualização¹ sobre suas recomendações, que datavam de 2015². Para tanto, espelhou-se na utilização de elastografia transitória (Fibroscan) pelo Consenso Baveno VI³ e na introdução do termo doença hepática crônica avançada compensada (DHCAc), em vez de cirrose compensada, que reflete de forma mais abrangente o processo contínuo e dinâmico da evolução da fibrose avançada para cirrose. Nesse consenso, ficou definida a “regra dos 5” para a classificação dos valores de rigidez hepática por Fibroscan, descrita na tabela 1.
Tabela 1 – Regra dos 5
Valor de rigidez hepática | Significado do resultado |
Abaixo de 10 kpa | Afasta DHCAc na ausência de outros sinais clínicos |
Entre 10 e 15 kpa | Implica outros testes confirmatórios |
Acima de 15 kpa | É altamente sugestivo de DHCAc |
O Fleury usa, como metodologia de aferição da rigidez hepática, a elastografia por ultrassom com a técnica Two-Dimensional Shear Wave Elastography (2DSWE), que difere da elastografia transitória por ser acoplada à imagem ultrassonográfica e utilizar a onda longitudinal focal emitida pelo transdutor, também denominada Acoustic Radiation Force Impulse (ARFI). Nessa metodologia, uma onda transversal (shear wave) é criada num campo no interior de um boxe, cuja velocidade de propagação no tecido hepático se mostra tanto maior quanto mais rígido o tecido. Os novos valores de corte e seus significados clínicos estão descritos na tabela 2.
Tabela 2 – Avaliação da rigidez hepática com 2DSWE pela nova diretriz
Valor da velocidade de propagação da onda | Significado do resultado |
Abaixo de 1,5 m/s | Ausência de fibrose significativa |
Entre 1,5 e 1,7 m/s | Exclui DHCAc. Se houver sinais clínicos conhecidos, entretanto, pode necessitar de testes para confirmação |
Entre 1,7 e 2,1 m/s | Sugestivo de DHCAc, sendo necessários mais testes para confirmação |
Acima de 2,1 m/s | Compatível com DHCAc |
Acima de 2,4 m/s | Sugere hipertensão portal clinicamente significativa |
No caso de pacientes com doença hepática gordurosa não alcoólica, em que ainda não existem tantos estudos populacionais por elastografia, como há para hepatites virais, aconselha-se a realização de exames de controle ou testes adicionais no caso de velocidades entre 1,5 e 1,7 m/s, já que os valores de corte podem ser menores em alguns pacientes.
Com isso, o Fleury deixa de utilizar a associação de valores de corte de rigidez hepática com os graus de fibrose Metavir, bem como os termos fibrose avançada e cirrose, que indicavam ausência de fibrose significativa (F0/F1) para valores de velocidade menores que 1,5 m/s, fibrose significativa (F2) para valores entre 1,5 e 1,59 m/s, fibrose avançada (F3) para valores entre 1,59 e 1,72 m/s e cirrose (F4) para valores acima de 1,72 m/s.
A adoção dos novos valores de corte e as recomendações nos relatórios emitidos refletem a preocupação do Fleury em incorporar o que há de mais recente e consensual no mundo em termos de avaliação elastográfica das hepatopatias crônicas, propiciando uma experiência mais confiável tanto para o médico solicitante quanto para o paciente.
Paciente portador de hepatite C com elevados valores de velocidade do tecido hepático, com mediana estimada em 1,58 m/s, compatível com grau F2 da escala Metavir pela diretriz antiga e sem evidências de DHCAc, porém necessitando de testes para confirmação pela diretriz atual.
Paciente portador de hepatite C com elevados valores de velocidade do tecido hepático, com mediana estimada em 1,78 m/s, compatível com grau F4 da escala Metavir pela diretriz antiga e sugestiva de DHCAc, sendo necessários mais testes para confirmação pela diretriz atual.
Paciente portador de hepatite B com elevados valores de velocidade do tecido hepático, com mediana estimada em 2,52 m/s, compatível com grau F4 da escala Metavir pela diretriz antiga e indicativa de hipertensão portal clinicamente significativa pela diretriz atual.
Referências bibliográficas
Consultoria médica
Dr. André Paciello Romualdo
[email protected]
Dr. Roberto de Moraes Bastos
[email protected]
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