Fibrilação atrial

Diagnóstico e tratamento dos fatores de risco podem reduzir a ocorrência e melhorar o prognóstico.

A fibrilação atrial (FA) é uma taquiarritmia supraventricular que se caracteriza pela ausência de atividade elétrica e contrátil atriais, rítmica e sincronizada. Como consequência da frequência atrial rápida, os impulsos são conduzidos aos ventrículos de maneira rápida e irregular¹, características desse distúrbio do ritmo cardíaco, sendo esses os principais determinantes da sintomatologia. É a arritmia mais comum na prática clínica, cuja incidência aumenta com a idade, ocorrendo em 0,2 a 0,3% da população adulta entre 25 e 35 anos, 3 a 4% entre 55 e 64 anos e 5 a 9% entre 62 e 90 anos². 

Em pacientes que se submetem a Holter de 24 horas, na nossa experiência a FA corresponde a 4% dos exames realizados (Moreira DAR, dados ainda não publicados). O risco para surgimento da FA aumenta com a presença de vários fatores de risco, triplicando sua incidência quando mais de um fator de risco (hipertensão, diabetes, dislipidemia, tabagismo, etc.) está presente³. A idade avançada, acima dos 75 anos é um dos principais fatores associados ao surgimento dessa taquiarritmia. A implicação prática desse achado é que o diagnóstico e tratamento de alguns desses fatores de risco podem reduzir a sua ocorrência e melhorar o prognóstico dos indivíduos acometidos⁴.

Do ponto de vista clínico, é motivo de muita preocupação, pois é causa de tromboembolismo sistêmico, sendo o acidente vascular encefálico (AVE) em 20% dos casos, insuficiência cardíaca em 30% dos pacientes, hospitalizações em até 40% e morte em 20% dos casos5. O diagnóstico da FA se baseia pela suspeita clínica (história, fatores de risco, fatores desencadeantes) e por meio do eletrocardiograma caracterizado pela ausência de ondas P, que são substituídas por ondulações de amplitude variável (ondas “f”) com frequência variando entre 450 e 700 bpm, irregularidade da resposta ventricular e alterações da repolarização ventricular (figura 1)¹.

Figura 1: Eletrocardiograma de 12 derivações apresentando fibrilação atrial. Ausência de ondas P que são substituídas por ondulações grosseiras e irregulares da linha de base. Além disso, há irregularidade dos intervalos RR e variações do segmento ST e ondas T.

Classificação da Fibrilação Atrial 

FA é classificada em cinco tipos (figura 2), com base na sua forma de apresentação e duração (figura 2): 

  1.  FA diagnosticada pela primeira vez, primeiro diagnóstico dessa arritmia, independente da sua duração ou gravidade dos sintomas;
  2. FA paroxística, forma que reverte espontaneamente em 48 horas, podendo durar até sete dias; 
  3. FA persistente, taquiarritmia sustentada com duração maior que sete dias, ou duração inferior a sete dias, mas necessitando reversão farmacológica ou cardioversão elétrica;
  4. FA persistente de longa duração, definida como taquiarritmia com duração maior do que um ano, quando se adota uma estratégia de controle do ritmo, particularmente a terapêutica não farmacológica por cateter (ablação das veias pulmonares); 
  5. FA permanente, assim definida quando a arritmia é aceita pelo paciente e pelo seu médico, deste modo, intervenções de controle do ritmo não são mais uma opção de tratamento (figura 2)⁵.

Na prática, esta classificação tem importância pois auxilia o clínico na decisão do tratamento e ajuda na caracterização do prognóstico dos pacientes acometidos. O melhor prognóstico é dos pacientes com a forma paroxística e persistente, já a FA diagnosticada pela primeira vez tem prognóistico mais sombrio. Isso acontece porque, muitas vezes, a arritmia diagnosticada pela primeira vez está associada a uma doença que motiva internação hospitalar.

Figura 2: Classificação da FA de acordo com as Diretrizes da Sociedade Europeia de Cardiologia 2016⁵.

Mecanismos eletrofisiológicos da fibrilação atrial

Houve grande avanço no entendimento dos mecanismos envolvidos na gênese da FA nos últimos anos. Isso permitiu o entendimento da forma mais racional de tratar os pacientes, diminuindo o empiricismo terapêutico e, consequentemente, trazendo melhoria de seus resultados. Três fatores são fundamentais na gênese da FA: 

a) gatilhos ou deflagradores da arritmia; 

b) um substrato arritmogênico; 

c) fatores que instabilizam o substrato e aumentam a chance dos gatilhos deflagrarem a arritmia (figura 3)⁶. 

As ectopias atriais são um fator comum precedendo episódios de FA. Na grande maioria, tais gatilhos são provenientes das veias pulmonares, além do seio coronário e veias cavas⁷,⁸. São considerados fatores importantes na formação do substrato arritmogênico e, por essa razão, seu tratamento com antiarrítmicos reduz o risco de surgimento da arritmia⁹.

O substrato arritmogênico é a quantidade de tecido alterado necessária para gerar e manter a FA¹⁰. Caracteriza-se por aumento das correntes iônicas de cálcio (remodelamento elétrico), além de modificações da estrutura do miócito e fibrose (remodelamento estrutural).

As citocinas inflamatórias liberadas durante a FA e pelos fatores de risco associados a essa arritmia agridem o miócito (interleucinas, fator de necrose tumoral, proteína C reativa, dentre outros) e são consideradas fatores moduladores do substrato arritmogênico. Esse conhecimento é a base para utilização de fármacos não antiarrítmicos para o tratamento da FA¹¹ (IECA, BRA, espironolactona, etc.). A síndrome metabólica, por exemplo, um quadro com elevada atividade inflamatória, é uma causa não rara de FA¹². Outros fatores, como desequilíbrio da atividade autonômica simpática e parassimpática, processos isquêmicos, hipervolemia, distúrbios eletrolíticos, dentre outros, são importantes para influenciar um substrato já formado e deflagrar a FA.

Figura 3 :Mecanismo proposto para origem e manutenção da FA. Os gatilhos seriam as ectopias atriais ou episódios de taquicardia atrial responsáveis, juntamente com fatores de risco cardiovascular, para a formação do substrato arritmogênico. A arritmia seria deflagrada quando fatores instabilizadores do substrato (fatores modulares) atuariam em conjunto. A interação entre essas três variáveis seria fundmental para o surgimento da FA (ver discussão no texto; Modificado de Coumel P)⁶.

Tratamento da fibrilação 

O tratamento da FA tem três objetivos: 

a) prevenir tromboembolismo; 

b) aliviar os sintomas; 

c) tratar fatores de risco que instabilizam o átrio esquerdo e aumentam o risco de recorrências. O tratamento deve ser seguido após a confirmação eletrocardiográfica da FA. 

A Sociedade Europeia de Cardiologia propõe o esquema A, B, C que ordena o tratamento e melhora a resposta clínica do paciente e pode ser dividido da seguinte maneira⁵,¹³: anticoagulação [A], controle de sintomas [B] e redução de fatores de risco [C]).

Anticoagulação 

É a primeira etapa no tratamento. Sua indicação se baseia principalmente no escore CHA2DS2VASc (C= insuficiência cardíaca; H= hipertensão arterial; D= diabetes mellitus; S= acidente vascular cerebral [stroke]; V=doença vascular periférica; S= sexo feminino). Homens com escore ≥ 2 e mulheres ≥ 3 têm indicação de anticoagulação. A figura 4 apresenta um diagrama mostrando a conduta atual para anticoagulação de pacientes com FA.

Figura 4: Critérios para anticoagulação e o tipo de fármaco mais indicado segundo as diretrizes europeias para o tratamento de pacientes com FA⁵.

Os anticoagulantes indicados são a varfarina, cujo controle de efeito é baseado na determinação das taxas de INR (índice internacional normalizado, entre 2 e 3) ou então os anticoagulantes de nova geração: dabigatrana 110/150 mg (150 mg para pacientes com clearance de creatinina (Clcreat) >50 ml/min; dose de 110 mg para ClCreat <50 ml/min ou em pacientes com > 80 anos ou em uso de amiodarona); rivaroxabana 20 mg (ou 15 mg para aqueles com Clcreat <50 mL/min; apixabana 5 mg ou 2,5 mg (para pacientes com taxas de creatinina > 1,5 mg; idade acima de 80 anos; peso abaixo de 60 kg); edoxabana 60 mg ou 30 mg (pacientes com Clcreat < 50 mL/min; peso <60 kg; uso concomitante de inibidores da glicoproteína P [ciclosporina, eritromicina ou cetoconazol])¹⁴. São fármacos com eficácia comprovada, mais seguros que a varfarina e não necessitam de dosagens das taxas de anticoagulação. Essa classe de fármacos reduziu o risco relativo de AVC em 19% quando comparado com a varfarina¹⁵.

Controle dos sintomas 

Na FA aguda, a cardioversão elétrica deve ser considerada em pacientes com distúrbios hemodinâmicos potencialmente graves (por exemplo, pressão sistólica abaixo de 90 mmHg). A chance de reversão nesses casos oscila ao redor de 90% após aplicação de choques bifásicos, iniciando com intensidade de 100 joules. 

Para pacientes oligossintomáticos ou assintomáticos deve ser realizada avaliação individual e considerar alguns aspectos clínicos para se decidir pelo restabelecimento do ritmo sinusal ou não. O clínico deve ter em mente o objetivo de melhorar a sintomatologia e também o prognóstico do paciente (redução de eventos cardiovasculares futuros). Óbvio que para uma FA que é diagnosticada pela primeira vez, não se tem conhecimento quanto a sua duração, se paroxística, persistente ou permanente. Por essa razão, numa fase inicial, é prudente a anticoagulação como primeira medida, por um período de pelo menos 14 a 21 dias, seguida de controle da frequência cardíaca, preferencialmente com beta-bloqueadores ou antagonistas de canal de cálcio. Digital pode ser considerada em condições especiais quando a terapia anterior falhou ou ser utilizada em associação.

Com certa frequência, a sintomatologia apresentada pelo paciente pode estar associada a elevado grau de estresse, com aumento da atividade autonômica simpática¹⁶. Estudos clínicos demonstram que nessa condição a chance de restabelecimento do ritmo sinusal é menor, além de estar associado a aumento das taxas de recorrência pós reversão¹⁷. O controle da frequência cardíaca, portanto, pode ser realizado com sucesso e a grande vantagem é que essa conduta pode restabelecer as condições hemodinâmicas adequadas, podendo até propiciar o retorno espontâneo do ritmo sinusal em até 70% dos casos¹⁸. A tabela 1 apresenta os fármacos mais empregados para essa conduta. 

Tabela 1: Fármacos para controle da frequência cardíaca em pacientes com fibrilação atrial⁵.

Pacientes nos quais a frequência cardíaca não está adequadamente controlada estão evoluindo com piora da função ventricular e há pouca chance de se conseguir manter o ritmo sinusal. Por isso, a ablação do nódulo atrioventricular seguida de implante de marcapasso definitivo pode ser implementada. Esta conduta tem se mostrado útil não apenas na abolição de sintomas como na redução de eventos¹⁹. 

A decisão para a normalização do ritmo cardíaco é baseada em alguns critérios que auxiliarão o clínico a fazer sua opção, conforme a figura 5. Deve-se considerar a presença ou não de comorbidades e de cardiopatia, a idade do paciente e seu perfil clínico (grau de atividade, por exemplo).

Figura 5: Critérios clínicos sugeridos para se decidir pela conduta de se restabelecer o ritmo sinusal (critérios favoráveis) ou para apenas realizar controle da frequência cardíaca (critérios desfavoráveis para normalização do ritmo cardíaco). A decisão deve ser individualizada e essas opções não são definitivas para tomada de decisão clínica, sendo apenas opiniões de especialistas. Preferencialmente, mais de um desses critérios deve ser considerado.

Deve-se salientar que, apesar dessas considerações quanto a forma de tratar, o restabelecimento do ritmo sinusal nos pacientes com FA com duração menor que 1 ano, particularmente nos sintomáticos e com escore CHA2DS2VASc > 2, associa-se à redução significativa de complicações, tais como morte cardiovascular, hospitalização e AVE em comparação com aqueles tratados conservadoramente. Pacientes em ritmo sinusal têm maior sobrevida em relação àqueles que permanecem em FA²⁰. 

Se for optado pela reversão da FA com antiarrítmico, a propafenona é o agente de escolha, na dose de 600 mg via oral (pacientes com peso acima de 70 kg) ou 450 mg (pacientes com peso abaixo de 70 kg). Taxas de reversão próximas de 94% são obtidas com esta abordagem quando indicada de maneira correta (pacientes jovens, sem insuficiência cardíaca, doença coronária ou bradicardias)²¹. Amiodarona venosa raramente está indicada como primeira opção nesta condição, particularmente quando existe a possibilidade de reversão espontânea (FA de recente começo, paciente sem cardiopatia). A taxa de reversão com este fármaco é semelhante ao da propafenona mas com o inconveniente de que demora de 12 a 24 horas para o ritmo cardíaco se normalizar²². Por via oral o restabelecimento do ritmo sinusal demora de 10 a 20 dias quando a amiodarona é prescrita²³.

Orientações quanto a abordagem geral dos pacientes com FA estão resumidas na figura 6. Observe que o tratamento, após a anticoagulação, inicia-se sempre com controle da frequência cardíaca. A combinação antiarrítmico e ablação deve ser considerada quando da falha isolada de uma dessas condutas.

Figura 6: Orientações gerais quanto a abordagem do paciente portador de FA segundo orientações descritas nos parágrafos anteriores. Modificado de Camm J et al²⁴.

A não utilização de fármacos antiarrítmicos após o restabelecimento do ritmo cardíaco normal, predispõe a recorrências. A amiodarona é o agente que mantém o paciente mais tempo em ritmo sinusal, mas com o inconveniente de efeitos colaterais e a necessidade de interrupção de seu uso em até 20% dos casos²⁵. O maior benefício líquido, contudo, é alcançado com a propafenona (menor risco de morte por todas as causas, menor taxa de eventos adversos e consequente necessidade de suspensão, menor taxa de eventos pró-arrítmicos em comparação com a amiodarona) ²⁶. O quadro 1 sumariza dados de uma meta-análise que comparou eficácia e segurança da propafenona, sotalol e amiodarona na manutenção do ritmo sinusal²³. Para evitar efeitos pró-arrítmicos dos antiarrítmicos, deve-se ter cautela na sua administração.

Quadro 1: Resultados dos principais efeitos da propafenona, sotalol e amiodarona na prevenção de recorrências de fibrilação atrial. Foram avaliadas as razões de chance para a mortalidade por todas as causas, descontinuação do medicamento por efeito adverso (EA), efeitos pró-arrítmicos e prevenção de fibrilação atrial. Apesar da amiodarona ser o fármaco mais eficaz, é o agente cuja necessidade de suspensão é a maior. Com a propafenona há numericamente menor mortalidade por todas as causas e menor risco de evento pró-arrítmico. Por essas razões a melhor relação custo-benefício é obtida com a propafenona oral. (Segundo Lafuente-Lafuente C26).

A propafenona e o sotalol podem ser utilizadas em pacientes sem cardiopatia; sotalol e amiodarona são indicados nos pacientes com algum grau de cardiopatia (IC com fração de ejeção preservada, doença coronariana, valvopatias graves) e, nos pacientes com insuficiência cardíaca com baixa fração de ejeção, apenas a amiodarona.

A ablação das veias pulmonares é uma boa opção terapêutica em casos selecionados, particularmente em pacientes sintomáticos. Alguns autores propõem indicar esse tipo de tratamento ao invés da administração de amiodarona⁵. Os pacientes que mais se beneficiam, além dos sintomáticos, são aqueles com idade abaixo de 70 anos, átrio esquerdo com tamanho <50 mm e, sem comorbidades⁵. A indicação deve ser individualizada e o paciente deve ser informado de riscos e benefícios. Houve grande avanço na terapia ablativa nos últimos anos, no que diz respeito às formas de energia (crioablação), novos tipos de cateter, aprimoramento nas técnicas de mapeamento a aplicação da energia, aumentando sua eficácia e segurança⁵. 

Quanto a manutenção do ritmo sinusal, as orientações segundo a SBC/SOBRAC podem ser consultadas na figura 7²⁷:

Figura 7: Algoritmo sugerido pelas Diretrizes Brasileiras para o Tratamento da Fibrilação Atrial, para a prevenção de recorrências após o restabelecimento do ritmo sinusal²⁷.

Ao invés de se focar apenas na prevenção de recorrências ou no controle da frequência cardíaca, muito se tem enfatizado sobre a redução dos desfechos cardiovasculares adversos por meio do controle do ritmo, geralmente com terapias seguras e eficazes como fármacos antiarrítmicos e/ou ablação. Muitas evidências apoiam cada vez mais o controle precoce do ritmo em pacientes com FA de recente começo (<1 ano), mas a prática clínica e as diretrizes atuais ainda não refletem totalmente essa mudança. O controle precoce do ritmo pode reduzir efetivamente o remodelamento atrial, estabilizar os átrios, impedir a progressão da doença e prevenir mortes relacionadas à FA, insuficiência cardíaca e AVC em pacientes de alto risco²⁴.

Controle dos fatores de risco 

O tratamento da FA é pouco eficaz quando não se considera o controle dos fatores de risco que aumentam a probabilidade de recorrências (tabela 2) ²⁶-²⁸. Vários desses fatores atuam de maneira direta ou indireta, agravando o remodelamento atrial e também instabilizando o substrato arritmogênico atrial. Mudanças no estilo de vida, atividade física, tratamento da apneia do sono, abandono do cigarro e consumo de álcool, dentre outros, são fundamentais no sucesso terapêutico. Assim, não apenas pensar no antiarrítmico ou na ablação, mas, também no controle desses fatores, conforme listado na tabela 2.

Tabela 2. Principais fatores de risco que devem ser abordados para a prevenção de recorrências de fibrilação atrial⁵,²⁶-²⁸

Investigação de fibrilação atrial silenciosa ou oculta em paciente de risco

Dentre todas as comorbidades associadas à FA, uma das mais temidas é o AVE. A prevenção primária dessa complicação está bem estabelecida na prática clínica, porém há dúvidas quando o cenário é o inverso: o paciente apresenta primeiro o evento encefálico e não se sabe se há FA, até então desconhecida, como causa daquele evento.

Cerca de 24% dos AVEs são sabidamente de origem embólica, embora nem sempre se conheça o sítio de origem do êmbolo. Essa é uma condição clínica conhecida como ESUS (em inglês, Embolic Stroke of Undetermined Source). Já outros 30% dos pacientes apresentam os chamados AVEs criptogênicos, onde não se tem um fator causal bem determinado. Nestes casos, não evidencia lesões em pequenos ou grandes vasos, não se identificam fatores de risco clássicos para o evento, nem dissecções ou trombofilias e não há padrão evidente de tromboembolismo arterial. Os estudos demonstram que até 50% destes casos são de origem embólica²⁹.

A busca pela FA é fundamental nestes grupos de pacientes, uma vez que modifica significativamente a terapia, introduzindo-se a anticoagulação preventiva precocemente. Contudo, não se deve anticoagular todos os pacientes com AVE criptogênico, como demonstrado em estudos que observaram que a anticoagulação por vezes não foi superior aos fármacos antitrombóticos na prevenção de eventos, porém apresentou aumento no risco de sangramentos³⁰,³¹.

Desta forma, a monitorização cardíaca prolongada tem sido frequentemente utilizada para investigação de arritmias ocultas. Sugere-se que esta investigação se torna ainda mais importante nos pacientes que apresentam fatores de risco para desenvolverem FA, como insuficiência cardíaca, HAS, diabetes, ateromatose coronariana ou em grandes vasos, evento embólico conhecido prévio, DPOC, hipertireoidismo e idade superior a 75 anos. Os escores de CHADS2 e C2HEST podem ser utilizados para se estratificar os pacientes com maiores riscos de desenvolverem FA³²,³³.

Análises demonstraram que a taxa de detecção de FA nos indivíduos com AVE criptogênico tem relação direta com a duração do monitoramento, variando de 3 a 7% com Holter de 24 horas a 30% com monitores implantáveis.

No estudo CRYSTAL-AF investigou-se a presença de FA em 441 pacientes com AVE criptogênico³⁶. Neste estudo, utilizou-se um monitor implantável de longa permanência (“loop recorder”), comparando-se com avaliação convencional, com ECG de repouso e Holter de 24 horas. No grupo submetido ao implante, a chance de se fazer o diagnóstico foi 6,6 vezes maior do que no grupo controle, em 6 meses, 7,3 vezes em 1 ano e 8,8 vezes em 3 anos. Após 36 meses identificou-se FA silenciosa em 30% dos indivíduos investigados⁷. Contudo, o loop recorder trata-se de um tipo de monitor que necessita implante no subcutâneo e de reavaliações frequentes, implicando em elevado custo, não sendo aceito por alguns pacientes. Por essa razão, o Holter de 7 dias é a melhor alternativa para diagnóstico, aumentando a chance de detecção de FA silenciosa no rastreio ativo de arritmias, principalmente quando realizado mais de uma vez.

Desta forma, há consenso entra as Sociedades de Cardiologia e Neurologia de que todo paciente com AVE criptogênico seja submetido inicialmente à monitorização cardíaca contínua por 24 a 72 horas, sendo classe I de indicação pela Diretriz Europeia de Diagnóstico e Tratamento da Fibrilação Atrial de 2020³. Caso não seja identificada a FA em pacientes com risco aumentado de desenvolver a arritmia, deve-se proceder investigações mais prolongadas, como Holter de 7 dias (podendo se realizar mais de um no rastreio da arritmia) e monitor cardíaco implantável (indicação IIa)³

Figura 8: Percentagem de pacientes com FA documentada de acordo com o tempo de monitorização eletrocardiográfica. Adaptado de EMBRACE study³⁵

Avanços na tecnologia de monitorização cardíaca são os gravadores de Holter sem fio que permitem monitorizações por 7 dias, 14 até 30 dias (gravador Quoreone, da Quoretech, figura 9), sendo inclusive possível a monitorização on-line dos pacientes que apresentam qualquer tipo de sintomatologia, permitindo rápida intervenção médica. Esse sistema já foi testado e comparado com sistemas de Holter convencionais, tendo apresentado elevada acurácia na identificação de arritmias cardíacas tanto atriais como ventriculares.

Figura 9:  Gravador Quoreone (da Quoretech®), sem fios e com baterias com duração de até 7 dias contínuos, que funciona tanto para gravações de longa duração (até 30 dias com recarga semanal de bateria) como também sistema looper para correlação de sintomas pouco frequentes e eventuais distúrbios do ritmo cardíaco.

Consultoria Médica 

Dr. Bruno Vaz Kerges Bueno - Consultor médico em Cardiologia
[email protected] 

Dr. Dalmo A. R. Moreira - Consultor médico em Cardiologia [email protected] 

Dra. Ivana Antelmi - Consultora médica em Cardiologia
[email protected] 

Dra. Paola Emanulela P. Smanio - Consultora médica em Cardiologia
[email protected] 

Dra. Roberta Boari G. Molina - Consultora médica em Cardiologia
[email protected] 

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