Novos recursos para o manejo e a classificação dos nódulos da tiroide

Doença funcional ou maligna?

A avaliação do nódulo tiroidiano, um achado frequente na prática clínica, inclui dois tópicos fundamentais: o aspecto funcional (dosagens de TSH e de T4  livre) e a possibilidade de a lesão ser maligna. 

Em relação à função da glândula, queixas compatíveis com tirotoxicose, a  exemplo de perda de peso, taquicardia, tremor de extremidades e arritmia,  podem levar à suspeita de nódulo tóxico, enquanto a presença de lesão nodular concomitante a sintomas de hipotiroidismo suscita a hipótese de tiroidite de Hashimoto. Uma alteração no resultado da dosagem de TSH pode  apontar para uma ou para outra vertente. 

No que concerne à natureza do nódulo, alguns dados da história clínica  e do exame físico sugerem maior risco de malignidade.



Após a avaliação clínica inicial, na vigência  de dosagem de TSH normal, a realização  de ultrassonografia da tiroide com atenção  para as características e para o tamanho do  nódulo é fundamental na indicação de punção aspirativa com agulha fina (PAAF). 

COMO TIRAR MELHOR PROVEITO DA  ULTRASSONOGRAFIA DE TIROIDE

A ultrassonografia (US) de tiroide é o método mais sensível para a detecção de nódulos na glândula, porém, em virtude da alta  prevalência dessas lesões e da baixa agressividade do carcinoma tiroidiano, não deve  ser usada como screening na população  geral. O exame está particularmente indicado em pacientes com um ou mais nódulos palpáveis, no diagnóstico de neoplasia  endócrina múltipla tipo 2 ou em casos de  história familiar de câncer de tiroide, assim  como em crianças submetidas à irradiação  cervical, mesmo sem lesão palpável. 

As características ultrassonográficas  associadas a maior risco de malignidade  incluem hipoecogenicidade, microcalcificações, margens irregulares ou mal definidas diâmetro anteroposterior maior do que o transverso  e detecção de adenomegalia cervical.

Existem algumas formas de reunir as características  ultrassonográficas dos nódulos, atribuindo-lhes  números (Thyroid Imaging Reporting and Data System – TI-RADS) ou classificações, como a sugerida pela Sociedade Americana de Tiroide (American  Thyroid Society - ATA) (ver tabelas). 

O objetivo do TI-RADS é agrupar os nódulos em diferentes categorias com percentagem similar de malignidade à usada em BI-RADS. O sistema baseia-se na  classificação dos nódulos de tiroide exclusivamente  quanto às características de US modo B, para reduzir  as variações interobservador e interdispositivo. 

Vários artigos foram publicados desde 2009 com  diferentes critérios de classificação e, em 2018,  após o posicionamento do Colégio Americano de  Radiologia [Tessler FN et al. ACR Thyroid Imaging,  Reporting and Data System (Ti-RADS): white paper  of the ACR Ti-RADS Committee. J Am Coll Radiol.  2017 May;14(5):587-595] e a validação da nova  classificação entre os médicos ultrassonografistas  do Grupo Fleury, laudos de US de tiroide passaram  a ser liberados com a classificação proposta.




CLASSIFICAÇÃO DE BETHESDA

Para facilitar a nomenclatura dos resultados citológicos  obtidos a partir da amostra colhida na PAAF, em 2009  um grupo de especialistas sugeriu uma padronização  para reportar os achados citológicos, dividida em seis  categorias, além de apresentar o risco de malignidade  e as condutas clínicas para cada categoria. 

Em 2017, o risco de malignidade foi ajustado, considerando-se  uma nova variante histológica: a neoplasia folicular não  invasiva com características nucleares de semelhança papilífera  (NIFTP, do inglês, noninvasive folicular thyroid neoplasm with  papillary-like nuclear features). Devido ao comportamento  geralmente benigno dessa variante, o risco de malignidade  diminuiu nas categorias III, IV e V. Finalmente, como o  diagnóstico do NIFTP é possível somente após a remoção do  nódulo (estudo histológico), não se modifica sua abordagem  diagnóstica inicial. 

Além do risco de malignidade, a partir de 2017 foi inserida  a recomendação da utilização de marcadores moleculares  nas categorias III e IV, como ferramenta adicional para a  indicação de cirurgia, e para a categoria V, como opção  para a programação da extensão do procedimento.



USO DO MARCADOR MOLECULAR MIR-THYPE

INDICAÇÃO  

Nódulos classificados como categoria III e IV de Bethesda ao  estudo citológico. 

PRINCÍPIOS DO TESTE 

Baseia-se na análise do perfil de expressão de microRNA,  incluindo o miR-146b, para tumores de origem folicular  (carcinoma papilífero), e o miR-375, para tumores de origem  parafolicular (carcinoma medular). Inclui a pesquisa das  variantes patogênicas do gene BRAF (V600E) e no promotor  do gene TERT (C228T e C250T).

INTERPRETAÇÃO DO RESULTADO 

Um nódulo classifi cado como Bethesda III ou IV, com  resultado negativo no teste molecular, apresenta valor  preditivo negativo (VPN) de 95%. Por outro lado, um  resultado positivo para as mesmas categorias aumenta  o risco de malignidade para 66% (valor preditivo positivo,  o VPP). Com a inclusão da pesquisa de mutação  de BRAF e de TERT, bem como da expressão do  miR-146b, o exame se tornou mais acurado na  identifi cação de nódulos malignos e de maior  potencial de agressividade.

PERFORMANCE DO TESTE l 

VPN: ..................................................................................................................95% l 

Sensibilidade: ........................................................................................89,3% l 

VPP: ...............................................................................................................66% l 

Especificidade: ...........................................................................................81% l 

Acurácia: ........................................................................................................ 70%  l 

Prevalência de malignidade na  população estudada: ...........................................................................28,7%

Notas: 

1- Para o cálculo da performance do teste, foram avaliados  440 nódulos de tiroide das categorias III, IV de Bethesda.  As amostras foram colhidas até 2020, previamente à  inclusão da pesquisa de BRAF, TERT e miR-146b ao teste.  (ref. Santos MT et al. EBioMedicine. 2022 Jul 1;82:104137.  doi: 10.1016/j.ebiom.2022.104137. 

2- O VPP é a probabilidade de um indivíduo avaliado e  com resultado positivo ser realmente doente e o VPN é a  probabilidade de um paciente avaliado e com resultado  negativo ser realmente normal. No caso do nódulo de  tiroide, o VPP corresponde à probabilidade de um nódulo  analisado e com resultado positivo ser, de fato, câncer  e o VPN, à probabilidade de um nódulo analisado e com  resultado negativo ser, de fato, benigno

COLETA DO MATERIAL 

A análise molecular é realizada nas mesmas  lâminas da PAAF utilizadas para o estudo citológico. Assim, não há necessidade de  nova punção para coleta do material. É de fundamental importância especifi car o nódulo  que será avaliado pelo estudo molecular.

ESTABILIDADE DA AMOSTRA (CITOLOGIA)  PARA REALIZAÇÃO DO MIR-THYPE 

Cinco anos

VANTAGENS DO MÉTODO 

  • Dispensa nova punção. 
  • Apresenta elevados VPN e VPP
  • Foi desenvolvido e validado na população brasileira.

PONTOS DE ATENÇÃO 

  • Não validado para a população menor  de 18 anos. 
  • Não validado para nódulos <1 cm. 
  • Não validado para investigação de  variante Hurthle.

SIGNIFICADO DOS ACHADOS 

BRAF V600E 

Quando presente de forma isolada, associa-se  a uma alta probabilidade (>98%) de carcinoma  papilífero da tiroide. O risco de recorrência é  classificado pela ATA como intermediário  para tumores >1 cm e baixo para tumores <1 cm. Embora alguns estudos sugiram que essa  alteração seja preditora de agressividade e de pior  prognóstico clínico, não há consenso na literatura  sobre seu real poder prognóstico isoladamente.  

pTERT C228T ou C250T isoladamente 

Quando isolada, a mutação está relacionada a  uma elevada probabilidade (>88%) de carcinoma  papilífero ou folicular da tiroide e prediz um  comportamento tumoral mais agressivo e de  pior prognóstico, incluindo risco aumentado de  recorrência/persistência, metástase linfonodal,  extensão extratiroidiana, invasão de cápsula,  tamanho tumoral, metástase a distância e mais  estadiamentos TNM. 

BRAF V600E em associação com  pTERT C228T ou C250T 

A coexistência dessas mutações sinaliza alta  probabilidade (>99%) de carcinoma papilífero da  tiroide. O risco de recorrência é classificado pela  ATA como alto. Essa associação também é preditora  de comportamento tumoral mais agressivo e pior  prognóstico, especialmente com pTERT C228T, incluindo risco aumentado de recorrência/persistência,  metástase linfonodal, extensão extratiroidiana, invasão  de cápsula, tamanho tumoral, metástase a distância, mais  estadiamentos TNM e pior resposta à terapia.

miR-146b superexpresso 

A superexpressão desse microRNA se correlaciona  com alta probabilidade (>92%) de carcinoma papilífero  da tiroide, impactando a sobrevida livre de doença e  aumentando o risco de metástase linfonodal central. 

Análise da expressão miR-375 

A superexpressão do miR-375 é utilizada como  biomarcador de carcinoma medular de tiroide.


Referência  

1. Santos MT et al., 2018 Thyroid 28(12): 1618-1626. 

2. Goldner WS, et al., 2019 Thyroid 29(11). 

3. Zhao SS, et al., 2019 Int J Clin Exp Med 12(3) 2121-2131. 

4. Haugen BR, et al., 2016 Thyroid 26: 1–133. 

5. Scheffel RS & Maia AL 2019 Arq Bras Endocrinol Metab 63(2):95-96. 

6. Gan X, et al., 2020 Oncol Lett 19(1):631-640. 

7. Crispo F, et al., 2019 Cancers (Basel) 11(9):1388. 

8. Trybek T, et al., 2019 Endocrinology160(10):2328-2338. 

9. Xing M, et al., 2014, J Clin Oncology 32(25):2718-2716. 

10. Han PA, et al., 2016 Thyroid 26(4): 531-542. 

11. Santos MT, et al., 2018 Arch Endocrinol Metab 62(Sup1) Abst 65854. 

12. Tessler FN et al. ACR Thyroid Imaging, Reporting and Data System (Ti-RADS): white  paper of the ACR Ti-RADS Committee. J Am Coll Radiol. 2017 May;14(5):587-595 

13. Santos MT et al. EBioMedicine. 2022 Jul 1;82:104137. doi: 10.1016/j.ebiom.2022.104137


Consultoria médica:

Dr. José G. H. Vieira 

Consultor Médico em Endocrinologia 

[email protected] 

Dr. José Viana Lima Junior 

Consultor Médico em Endocrinologia 

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Dra. Maria Izabel Chiamolera 

Consultora Médica em Endocrinologia 

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Dr. Pedro Saddi 

Consultor Médico em Endocrinologia 

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Dra. Rosa Paula Mello Biscolla 

Consultora Médica em Endocrinologia 

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Dr. Rui M. B. Maciel 

Consultor Médico em Endocrinologia 

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Dr. Alberto Lobo Machado 

Consultor Médico em Ultrassonografia 

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Dr. Antônio Carlos Maia Jr.  

Consultor Médico em Ultrassonografia e Neuroimagem 

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Dr. Ivan Ucella Dantas de Medeiros 

Consultor Médico em Anatomia Patológica 

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Dra. Luciane Choppa do Valle 

Consultora Médica em Anatomia Patológica 

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Dr. Mauro Tadeu Ajaj Saieg 

Consultor Médico em Anatomia Patológica 

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