Alergia à proteína do leite de vaca

Quando o teste de provocação oral é necessário?

Se há 20 anos pouco se falava sobre alergia alimentar, hoje todos conhecem ou já ouviram falar de alguém que vive ou pensa viver com esse quadro.

Caracterizada por uma reação adversa ao alimento imunologicamente mediada, a alergia alimentar tem se mostrado um problema de saúde pública em várias partes do mundo, com incidência crescente. A condição já foi descrita para centenas de alimentos e, embora
seja mais comum na infância, pode se iniciar em qualquer fase da vida.

A depender do mecanismo imunológico envolvido, os sintomas aparecem poucos minutos após o contato com o desencadeante – alergias mediadas por IgE ou imediatas – ou horas após – quadros não mediados por IgE ou tardios, que apresentam, tipicamente, uma maior dificuldade de identificação de correlação entre causa e efeito.

Urticas, angioedema, broncoespasmo, coriza, vômitos, diarreia, constipação, hematoquezia, eczema e comprometimento ponderoestatural, entre outros, são sintomas
de alergia alimentar. Contudo, essas manifestações também estão presentes em muitas outras doenças, tornando importante o diagnóstico diferencial.

Alergia à proteína do leite de vaca

O leite de vaca é ainda, no Brasil, o produto mais implicado na alergia alimentar. O quadro ocorre geralmente nos primeiros meses de vida, após contato direto com esse alimento ou através da amamentação. Nesses casos, a aquisição de tolerância espontânea se dá, frequentemente, até a fase pré-escolar, embora, nos últimos anos, tenha havido aumento de quadros persistentes ou de início na fase adulta.

Pacientes com alergias não mediadas por IgE tendem a superar a alergia à proteína do leite de vaca (APLV) mais precocemente, como observado nos lactentes que apresentam proctocolite alérgica, condição que se manifesta com presença de raias de sangue nas fezes. Contudo, em alguns casos, o indivíduo que apresenta reação tardia nos primeiros contatos com a proteína do leite pode ter mudança de padrão e, em uma exposição posterior ao alérgeno, evoluir com reação imediata (mediada por IgE).

Uma vez confirmado o diagnóstico de APLV, deve ser instituída uma dieta isenta de proteína do leite de vaca. A restrição dietética pode, no entanto, acarretar riscos nutricionais para a criança e, nos casos em que a APLV é veiculada via amamentação,
para a lactante. O impacto psicológico, com prejuízo na qualidade de vida, frequentemente atinge a família, que sofre com o medo de reações por ingestão e/ou contato inadvertido,
e a criança, que muitas vezes se sente segregada do convívio em locais em que o leite pode estar presente. Nesse cenário, um diagnóstico preciso é imperativo.

Condição de diagnóstico complexo
Não existem sinais e sintomas específicos de alergia alimentar. O diagnóstico dos quadros não mediados por IgE ou tardios é confirmado diante de dieta de restrição do alérgeno, seguida por melhora das manifestações e posterior reintrodução, com retorno das queixas.

Já para as reações imediatas, em que há a produção de IgE específica em resposta ao alérgeno, o teste cutâneo de leitura imediata – teste de prick – e/ou a determinação de IgE sérica específica por exame de sangue reforçam a hipótese diagnóstica, quando positivos.

Embora as dosagens séricas tenham evoluído e hoje exista a possibilidade da quantificação de IgE não só para leite total, mas também para as suas frações – a exemplo da alfalactoalbumina, da betalactoglobulina e da caseína –, tanto o teste cutâneo quanto os exames séricos fornecem muitos resultados falso-positivos, ou seja, funcionam como triagem, mas não confirmam isoladamente o diagnóstico. Nesses casos, após uma anamnese minuciosa, deve-se proceder ao teste de provocação oral (TPO) sempre que houver dúvida diagnóstica.

Os desafios do teste de provocação oral
Considerado padrão-ouro para o diagnóstico de alergias alimentares, o TPO consiste na oferta de doses progressivas do alimento a ser testado, em intervalos regulares, até que se
atinja uma dose habitual para a idade. Caso ocorra a presença de sintomas condizentes com alergia, a prova é interrompida e o paciente, imediatamente assistido.

Pelos possíveis riscos inerentes ao procedimento, além das peculiaridades no reconhecimento das reações, o TPO deve ser realizado em ambiente equipado e por equipe treinada para o manejo de possíveis reações graves, sempre com a presença de um médico especialista. Caso não haja a ingestão completa da dose proposta, o resultado
pode ser inconclusivo.

Se houver muita ansiedade por parte do paciente, é possível realizar o TPO em duas etapas cegas, placebo e leite mascarados, em dias distintos, para minimizar sintomas
de natureza psicológica.

O TPO está indicado não apenas no diagnóstico de APLV, mas também na avaliação de aquisição de tolerância, que geralmente está presente antes da negativação dos exames alérgicos cutâneos e séricos.

Realizar um TPO não é um desafio apenas para o paciente, mas também para seus familiares, que se angustiam por uma possível reação. Nesse contexto, uma
consulta prévia feita pelo médico especialista que executa o procedimento permite avaliar riscos, diminuir a preocupação do paciente e de seus familiares e ajustar o
procedimento às demandas do indivíduo, promovendo maior segurança e reduzindo resultados inconclusivos.

O TPO, justamente por ser um procedimento não isento de riscos, requer experiência, acolhimento e segurança. Contudo, é o método de escolha para identificar o status alérgico a determinado alimento, possibilitando minimizar impactos nutricionais e psicológicos ao paciente. Um diagnóstico preciso traz qualidade de vida

TPO para leite de vaca in natura no Fleury

O TPO é realizado no Centro de Alergia e Imunologia do Fleury, localizado na Unidade Itaim, mediante agendamento, com condução e supervisão da alergista Lucila Camargo Lopes de Oliveira.



Principais indicações do TPO

1. Presença de sensibilização alérgica,
com prick e/ou IgE sérica positivos para
leite ou frações, porém:
- O alimento nunca foi consumido ou foi previamente
tolerado e, posteriormente, evitado
por um período significativo.
- O resultado do teste está abaixo do valor de
corte diagnóstico validado para aquele alimento.
- A história clínica não é consistente com o resultado
dos testes.
- Há possibilidade de cossensibilização por reatividade
cruzada com soroalbuminas de outras
fontes.
- A aquisição de tolerância espontânea é esperada
pela história natural da alergia.
2. Ausência de sensibilização alérgica,
com prick e/ou IgE sérica negativos para
leite ou frações, porém:
- Há história clínica de reações atribuídas ao
alimento (possibilidade de resultados falso-
-negativos dos exames).
- É necessário confirmar a superação da alergia
(TPO para avaliar aquisição de tolerância).
- O indivíduo e/ou responsáveis estão muito
ansiosos ou evitando múltiplos alérgenos
(confirmação clínica da ausência de alergia).
- Existe suspeita de uma reação não mediada
por IgE.
Adaptado de Santos AF et al. Allergy 2023.


Alergia à proteína do leite de vaca ou intolerância à lactose?

A diferença entre a APLV e a intolerância à lactose começa na epidemiologia. Comparativamente, a primeira tem prevalência mais baixa na população. Além disso, enquanto a APLV acomete mais frequentemente lactentes, a intolerância afeta mais crianças a partir dos 5 anos, adolescentes e adultos.

Ao contrário do que ocorre na APLV, não há mecanismo imunológico envolvido na fisiopatologia da intolerância à lactose. A condição está relacionada à diminuição fisiológica da atividade da enzima lactase na mucosa do intestino delgado, o que se dá de forma gradual e geneticamente programada. O aparecimento de sintomas gastrointestinais se associa à má- -absorção da lactose, molécula formada pela ligação
dos monossacarídeos glicose e galactose, que passa a ser fermentada por bactérias intestinais, com produção de gases e consequente manifestação clínica de dor, distensão abdominal e diarreia, que caracterizam a intolerância.

Da mesma maneira que no quadro alérgico, a investigação da intolerância à lactose exige uma boa anamnese e um exame físico minucioso. Para evidenciar a deficiência enzimática, indica-se a prova oral de absorção de lactose (teste de tolerância à lactose) ou o teste
respiratório, que avaliam indiretamente a capacidade de digestão desse dissacarídeo.

No exame oral, a dosagem da glicemia, antes e depois da ingestão de uma solução de lactose, indica que o indivíduo é capaz de digeri-la quando apresenta um incremento na taxa glicêmica de, pelo menos, 20 mg/dL em relação ao resultado da glicemia em jejum em qualquer momento dos 90 minutos de prova. Já o teste respiratório mede o hidrogênio no ar expirado, antes e depois da ingestão de um composto de lactose. Nos indivíduos que não são capazes de digerir o açúcar, este sofre fermentação no intestino e o hidrogênio no ar expirado se eleva em, pelo menos, 20 ppm sobre o exame feito em jejum.

Outro método que pode auxiliar o diagnóstico é o teste molecular para a pesquisa de mutações em genes reguladores que codificam a lactase (LCT), que apresentam associação bem estabelecida com a persistência ou não da enzima. É importante ressaltar que, mesmo com o genótipo de não persistência da lactase, alguns indivíduos, especialmente crianças, ainda expressam a enzima, razão pela qual a interpretação desse exame deve ser sempre realizada à luz do quadro clínico. Vale lembrar que, por se tratar de um tipo de açúcar, a lactose não desencadeia alergias.


CONSULTORIA MÉDICA


Alergia e teste de provocação oral
Dra. Lucila Camargo Lopes de Oliveira
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Alergia
Dra. Barbara Gonçalves da Silva
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Dra. Fernanda Picchi Garcia
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Dra. Rafaella Leão Faig
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Gastroenterologia
Dra. Márcia Wehba E. Cavichio
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Dra. Patrícia Marinho Costa de Oliveira
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Dra. Soraia Tahan
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