A uveíte é uma inflamação ocular que afeta o trato uveal, incluindo íris, corpo ciliar e coroide, podendo comprometer também estruturas adjacentes, como retina e nervo óptico. Representa uma das principais causas de morbidade ocular, respondendo por 5-10% dos casos de comprometimento visual no mundo. Até 35% dos pacientes podem evoluir para perda visual significativa, chegando à cegueira legal.
Os avanços em biologia molecular e em tecnologias laboratoriais desempenham um papel crucial no diagnóstico e no manejo dessa condição, notadamente nos casos em que não se identifica facilmente a etiologia por métodos clínicos convencionais. Técnicas como a reação em cadeia da polimerase (PCR) permitem a detecção rápida e precisa de patógenos específicos em amostras intraoculares, como humor aquoso e vítreo, facilitando o diagnóstico de uveítes infecciosas causadas por vírus, bactérias e parasitas. Além disso, a análise genética tem contribuído para a compreensão das predisposições individuais a algumas formas da inflamação, particularmente em casos associados a afecções autoimunes.
O fato é que esse aprimoramento não apenas melhora a acurácia diagnóstica, como também possibilita tratamentos mais direcionados e eficazes, reduzindo a morbidade associada a essa complexa inflamação ocular.
Importância da PCR e dos painéis multiplex
O diagnóstico das uveítes requer uma avaliação cuidadosa, que inclui história clínica detalhada, exame oftalmológico completo e, muitas vezes, exames complementares como tomografia de coerência óptica (OCT), angiografia com fluoresceína e testes laboratoriais específicos, a exemplo de sorologias, métodos de imagem e PCR para a pesquisa de diferentes agentes infecciosos, conforme a suspeita.
Em nosso meio, estima-se que até 50% dos casos tenham origem infecciosa, sendo a toxoplasmose a principal. Portanto, a detecção direta do patógeno em amostras biológicas oculares, com o uso da PCR, fornece um diagnóstico preciso e pode ser decisiva para manejar de forma eficaz esses quadros, em casos em que a sorologia não é conclusiva ou em apresentações atípicas, sempre por meio de procedimentos minimamente invasivos e coleta de baixo volume de material (0,2 mL).
Embora a PCR seja uma ferramenta valiosa, evidentemente possui suas indicações adequadas e limitações. Por isso, a interpretação dos resultados do teste molecular deve ser feita em conjunto com outros achados clínicos e laboratoriais, levando em conta o contexto do paciente e a natureza do agente infeccioso envolvido, em especial daqueles que se caracterizam pela capacidade de causar infecção latente.
Nesse sentido, os protocolos moleculares aplicados devem ser direcionados a genes que se expressam somente – ou principalmente – na fase ativa da replicação do agente, sempre com controles internos e externos da qualidade analítica. A experiência na manipulação de amostras nobres e de volume exíguo, sobretudo com o uso de painéis multiplex, é indispensável para a obtenção de resultados confiáveis.
O tratamento das uveítes depende da etiologia subjacente. As opções terapêuticas incluem corticosteroides, imunossupressores, agentes biológicos e, em casos de uveítes infecciosas, emprego de antimicrobiano específico. O controle adequado da inflamação é fundamental para prevenir complicações e preservar a visão do paciente.
Definição etiológica deve considerar o cenário local
As causas subjacentes das uveítes muitas vezes permanecem desconhecidas, quando a condição recebe, então, a classificação de idiopática. Estima-se que os episódios permaneçam indefinidos em 30-60% dos pacientes, com a uveíte anterior e a intermediária sendo mais frequentemente idiopáticas do que a posterior e a pan-uveíte. A inflamação intraocular idiopática é mais comum em mulheres.
Fora esses casos, há uveítes infecciosas ou não infecciosas, com diferenças significativas conforme o cenário socioeconômico da região. Nos países em desenvolvimento, os quadros infecciosos têm uma prevalência considerável, representando 30-50% de todos os casos da condição, e se manifestam mais frequentemente como uveíte posterior e pan-uveíte. Dentre as causas mais recorrentes, destacam-se toxoplasmose, tuberculose, oncocercose, cisticercose, hanseníase, uveíte herpética, leptospirose e outras doenças parasitárias. A frequência dessas etiologias varia de acordo com a região geográfica. Por exemplo, na África e na América do Sul, a toxoplasmose figura com uma das principais causas. Na Arábia Saudita, a uveíte herpética anterior é a mais comum, enquanto, na China, predominam a toxoplasmose e a infecção herpética.
Já nos países desenvolvidos, os agentes infecciosos correspondem a uma proporção significativamente menor dos casos. As causas mais frequentes incluem toxoplasmose e infecção herpética, sendo esta última responsável por uveíte herpética anterior ou retinite necrosante herpética. Tuberculose e sífilis mostram-se pouco comuns, mas existem relatos de aumento da prevalência de tuberculose no Japão e na Holanda.
As uveítes não infecciosas ocorrem com mais frequência nas nações desenvolvidas, onde as causas mais habituais incluem síndrome de Fuchs, sarcoidose, síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada, oftalmia simpática, uveíte anterior associada ao HLA-B27, coriorretinopatia em tiros de pássaro (birdshot), coroidite serpiginosa e doença de Behçet. A prevalência dessas condições varia globalmente. Por exemplo, a sarcoidose é relativamente comum nos EUA, Alemanha, Reino Unido, Holanda, Suíça e Japão, porém mais rara em países como Itália, Israel e China. Em crianças, a artrite idiopática juvenil responde pela maior parte dos casos não infecciosos nos países desenvolvidos, em contraste com a uveíte traumática e a pars planitis nas nações em desenvolvimento.
O fato é que o reconhecimento das características epidemiológicas locais contribui para um tratamento mais preciso e eficaz das uveítes, especialmente em regiões em que há surtos de doenças infecciosas. Em áreas endêmicas, por exemplo, a ocorrência de surtos de dengue pode estar associada a um aumento nos casos de uveíte relacionada ao vírus da doença, com manifestações como inflamação intraocular e eventos isquêmicos retinianos. Da mesma forma, em regiões onde a toxoplasmose é prevalente, essa infecção parasitária deve ser cogitada como causa da infecção intraocular, sobretudo em populações expostas a fatores de risco. Além disso, a emergência de novos agentes infecciosos, como o vírus Monkeypox, destaca a necessidade de vigilância contínua e de uma abordagem diagnóstica adaptativa das uveítes, visto que tais patógenos podem trazer novos desafios diagnósticos e terapêuticos.
Consultoria médica
Infectologia
Dra. Carolina S. Lázari
carolina.lazari@grupofleury.com.br
Dr. Celso Granato
celso.granato@grupofleury.com.br
Microbiologia e Infectologia
Dr. Matias Chiarastelli Salomão
matias.salomao@grupofleury.com.br
Dra. Paola Cappellano Daher
paola.cappellano@grupofleury.com.br
Oftalmologia
Dra. Luciana Finamor
dralucianafinamor.biomoloft@moacir-cunha.com.br
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Pode ser utilizada para detectar o DNA da bactéria Leptospira spp. no plasma.
Avaliação complementar da análise histológica convencional de lesões pré-neoplásicas e neoplásicas.
O diagnóstico molecular preciso é fundamental para o correto manejo da síndrome de Lynch.