Complicações da hipertensão arterial e lesão em órgãos-alvo

A hipertensão arterial (HA) é uma doença crônica não transmissível definida por níveis pressóricos.

A hipertensão arterial (HA) é uma doença crônica não transmissível definida por níveis pressóricos acima dos considerados normais. Já é conhecido que os benefícios do tratamento (não medicamentoso e/ ou  medicamentoso) superam os riscos do tratamento medicamentoso.  Trata-se de uma doença multifatorial, que depende de fatores genéticos/ epigenéticos, ambientais e sociais, caracterizada por elevação  persistente da pressão arterial (PA), ou seja, PA sistólica (PAS) maior  ou igual a 140 mmHg e/ou PA diastólica (PAD) maior ou igual a 90  mmHg, medida com a técnica correta, em pelo menos duas ocasiões  diferentes, na ausência de medicação anti-hipertensiva.

É aconselhável, quando possível, a validação de tais medidas pela  avaliação da PA fora do consultório por meio da monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) ou da monitorização residencial da pressão arterial (MRPA) .

Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde de 2013, 21,4% dos adultos  brasileiros autorrelataram HA, enquanto, considerando as medidas  de PA aferidas e uso de medicação anti-hipertensiva, o percentual  de adultos com PA maior ou igual a 140 por 90 mmHg chegou a  32,3%. Detectou-se que a prevalência de HA foi maior nos homens,  além de, como esperado, aumentar com a idade por todos os critérios, chegando a 71,7% para os indivíduos acima de 70 anos. No período de uma década (2008 a 2017), foram estimadas 667.184 mortes  atribuíveis à HA no Brasil.

A HA é uma condição habitualmente assintomática. Por isso, deve  ser avaliada em todo atendimento médico e em programas estruturados de triagem populacional. Nestes últimos, mais de 50% dos  portadores de HA não sabiam que tinham a doença. As medidas da  PA devem ser realizadas em intervalos regulares. Pessoas saudáveis com uma PA ótima no consultório devem ter a PA medida novamente pelo menos anualmente e nas consultas médicas. Pacientes com pré-hipertensão (130-139/85-89 mmHg) devem ter a PA  medida anualmente ou, preferencialmente, antes, devido às altas  taxas de progressão para HA.

MEDIÇÃO ADEQUADA DA PRESSÃO ARTERIAL:

O indivíduo deve sentar-se confortavelmente em um ambiente silencioso por 5 minutos, antes de iniciar as medições da PA. A seguir, explique o  procedimento e oriente-o a não conversar durante a medição. Possíveis  dúvidas devem ser esclarecidas antes ou depois da medição. Deve-se  também certificar que o paciente não esteja com a bexiga cheia; não  tenha praticado exercícios físicos há, pelo menos, 60 minutos; não tenha ingerido bebidas alcoólicas, café ou alimentos pesados; e não tenha  fumado nos 30 minutos anteriores. Muito importante, também, é o uso  do manguito adequado para a circunferência do braço.

Os principais fatores de risco para HA são os genéticos, o envelhecimento e o gênero. Em faixas etárias mais jovens, a PA é mais elevada nos  homens, mas a elevação pressórica por década se apresenta maior nas  mulheres. Outros fatores associados são sobrepeso e obesidade, ingesta aumentada de sódio e de bebidas alcoólicas, sedentarismo e apneia  obstrutiva do sono.

Valores elevados de PA elevados têm sido tradicionalmente associados  ao risco para cardiopatia isquêmica, acidente vascular encefálico (AVE),  doença renal crônica (DRC) e mortalidade precoce.

A estimativa de risco no paciente hipertenso  deve ser complementada pela identificação da presença de lesão de órgãos-alvo, que são  frequentes, muitas vezes subdiagnosticadas,  não estando geralmente incluídas nos escores  de estratificação de risco

Por se tratar de condição frequentemente assintomática, a HA costuma evoluir com alterações estruturais e/ou funcionais em órgãos-alvo, como coração, cérebro, rins e vasos. Ela é o principal fator de risco modificável com associação independente,  linear e contínua para doenças cardiovasculares (DCV),DRC e morte  prematura. Associa-se a fatores de risco metabólicos para as doenças dos sistemas cardiocirculatório e renal, como dislipidemia,  obesidade abdominal, intolerância à glicose, e diabetes melito.

Além disso, apresenta impacto significativo nos custos médicos e socioeconômicos, decorrentes das complicações fatais e não fatais nos órgãos- -alvo decorrentes de alterações funcionais e/ou estruturais, como:

Coração: doença arterial coronária (DAC), insuficiência cardíaca (IC), fibrilação atrial (FA) e morte súbita;  

Cérebro: AVE, isquêmico (AVEI) ou hemorrágico  (AVEH), demência;  

Rins: DRC que pode evoluir para necessidade de  terapia dialítica; 

Vasos sanguíneos: doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) e alterações metabólicas, com consequente aumento do risco de eventos cardiovasculares fatais e não fatais. A vasodilatação é prejudicada, o  que leva ao aumento da resistência vascular periférica  e à alteração da permeabilidade endotelial. 

Retina: retinopatia hipertensiva

A avaliação do dano vascular presente na HA tem  sido cada vez mais incorporada na prática clínica. Tais  danos envolvem alterações da microvasculatura,  aterosclerose, aumento da rigidez arterial e disfunção endotelial. No que diz respeito à rigidez arterial,  esta provavelmente tem um componente genético,  mas também há dois outros importantes determinantes: a idade e os níveis da PA.

A avaliação complementar tem como objetivo detectar lesões clínicas ou subclínicas em órgãos-alvo, no  sentido de melhor estratificar o risco cardiovascular.

A avaliação laboratorial básica deve fazer parte da  rotina inicial de todo paciente hipertenso. Recomenda-se a dosagem sérica de potássio, ácido úrico, creatinina, glicemia e perfil lipídico; e realização  de um exame sumário de urina e de eletrocardiograma, para possível detecção de hipertrofia ventricular esquerda (HVE). Para a avaliação da função  renal, deve-se obter o ritmo de filtração glomerular  estimado (RFG-e). Se possível o laboratório deve  disponibilizar o resultado do exame de dosagem  de creatinina acompanhado do resultado do RFG-e.  Também é recomendado que se investigue a proteinúria/albuminúria utilizando-se pela ordem de importância: razão albuminúria/creatininúria (RAC),  razão proteinúria/creatininúria; urinálise por fita de  proteinúria total com leitura automática e urinálise  por fita de proteinúria total com leitura manual.

Como mensagens principais, expomos que a  anamnese e o exame físico devem ser completos  buscando sempre a medida correta da PA, a análise dos parâmetros antropométricos e a detecção  de sintomas e sinais de comprometimento em órgãos-alvo e de indícios de causas secundárias de  hipertensão. No paciente hipertenso, é importante a pesquisa de comorbidades (diabetes melito,  dislipidemias e doenças renais e da tireoide, entre  outras), para melhor tratamento e estratificação do  risco cardiovascular. Os exames complementares  de rotina preconizados nessas diretrizes são básicos, de fácil disponibilidade e interpretação, baixo  custo e obrigatórios para todos os pacientes, pelo  menos na primeira consulta e anualmente. Outros  exames podem ser necessários para as populações  indicadas. É fundamental pesquisar lesões em órgãos-alvo, tanto clínicas quanto subclínicas, para  orientação terapêutica mais completa.

A estimativa de risco no paciente hipertenso deve ser  complementada pela identificação da presença de lesão de órgãos-alvo, que são frequentes, muitas vezes  subdiagnosticadas, não estando geralmente incluídas  nos escores de estratificação de risco. Elas causam  aumento adicional do risco cardiovascular, notadamente quando várias coexistem no mesmo indivíduo.

Na avaliação diagnóstica complementar, destacam- -se as alterações da glicemia ou da hemoglobina glicada, a obesidade abdominal (síndrome metabólica),  a pressão de pulso superior a 65 mmHg em idosos, a  história de pré-eclâmpsia/eclâmpsia e a história familiar de HA (em hipertensos limítrofes).

A alteração da velocidade de onda de pulso (VOP),  quando disponível, é um exame que denota LOA, podendo reclassificar os pacientes de risco cardiovascular intermediário para risco elevado .

A avaliação laboratorial  básica deve fazer parte  da rotina inicial de todo  paciente hipertenso.

São recomendadas  dosagem sérica de potássio,  ácido úrico, creatinina,  glicemia e perfi l lipídico e  realização de um exame  sumário de urina e de  eletrocardiograma, para possível detecção de  hipertrofi a ventricular esquerda (HVE)

Outros exames são recomendados a algumas populações de pacientes  hipertensos de maior risco e com suspeita de lesão de órgão-alvo:

Radiografi a de tórax: tem indicação no acompanhamento do paciente  hipertenso nas situações de suspeita clínica de acometimento cardíaco  e/ou pulmonar ou para a avaliação de hipertensos com acometimento  de aorta em que o ecocardiograma não está disponível.  

Ecocardiograma: é mais sensível que o eletrocardiograma quanto ao  diagnóstico de HVE e agrega valores na avaliação de formas geométricas  de hipertrofia e tamanho do átrio esquerdo, nas funções sistólica e diastólica. Está indicado quando houver indícios de HVE no eletrocardiograma ou em pacientes com suspeita clínica de insuficiência cardíaca. 

Albuminúria ou relação proteinúria/creatininúria ou albuminúria/ creatininúria: exame útil para os hipertensos diabéticos, com síndrome  metabólica ou com dois ou mais fatores de risco, pois mostrou prever  eventos cardiovasculares fatais e não fatais (valores normais < 30 mg/g  de creatinina)

Ultrassonografia de carótidas: indicado na presença  de sopro carotídeo, sinais de doença cerebrovascular ou presença de doença aterosclerótica em outros  territórios. O aumento na espessura íntima-média  (EIM) das carótidas e/ou a identificação de placas de  aterosclerose prediz a ocorrência de acidente vascular cerebral e infarto do miocárdio, independentemente de outros fatores de risco cardiovasculares.  Valores da EIM > 0,9 mm têm sido considerados  como anormais, assim como o encontro de placas  ateroscleróticas. 

Ultrassonografia renal ou com Doppler: necessária  em pacientes com massas abdominais ou sopro  abdominal. 

Hemoglobina glicada (HbA1c): indicada quando a  glicemia de jejum for maior que 99 mg/dL, na presença de história familiar ou de diagnóstico prévio de  diabetes melito do tipo 2 e obesidade

Teste ergométrico: está indicado na suspeita de doença coronária estável, diabetes melito ou antecedente familiar para doença coronariana em pacientes  com pressão arterial controlada.  

Medida da velocidade da onda de pulso (VOP),  quando disponível: indicada em hipertensos de baixo e médio risco, sendo considerado um método útil  para avaliação da rigidez arterial, ou seja, do dano  vascular. 

Ressonância magnética (RM) do cérebro: indicada em  pacientes com distúrbios cognitivos e demência para  detectar infartos silenciosos e micro-hemorragia. 

MAPA/MRPA: com ampla  indicação para diagnóstico  inicial , controle e avaliação  da eficácia terapêutica.

Quadro 1  

Investigação clínico-complementar de acordo com as lesões de órgãos-alvo das emergências hipertensivas


Alguns exames diagnósticos podem ser fundamentais na avaliação  de lesões de órgãos-alvo, principalmente para investigação de HVE  (hipertrofi a ventricular esquerda):

Eletrocardiograma: Pelos índices (GR: I, NE: B) de Sokolow-Lyon (onda  S em V1 + onda R em V5 ou R em V6) ≥ 35 mm; onda R em aVL > 11 mm;  de Cornell voltagem > 2440 mm.ms ou Cornell índice > 28 mm em  homens e > 20 mm em mulheres  

Ecocardiograma: IMVE (índice de massa ventricular esquerda) ≥ 116 g/m2 nos homens ou ≥ 96 g/m2 nas mulheres. (GR: IIa, NE: B)  

Em caso de suspeita de lesões vasculares, renais e em retina:  

Vasculares: ITB: (índice tornozelo-braquial) < 0,9. (GR: IIa, NE: B)  

Doença renal crônica estágio 3: RFG-e entre 30 e 60 mL/min/1,73m2 ;  Albuminúria entre 30 e 300 mg/24h ou (GR: I, NE: B); Relação albumina/ creatinina urinária 30 a 300 mg/g (GR: I, NE: B); VOP carótido-femoral  > 10 m/s (GR: IIa, NE: A) 

Realizar fundoscopia ou retinografi a (quando disponível) para identifi car  aumento do refl exo dorsal, estreitamento arteriolar, cruzamentos  arteriovenosos patológicos, hemorragias, exsudatos e papiledema (sinais  de retinopatia hipertensiva)

Na tabela abaixo podemos verifi car as consequências precoces e tardias da elevação crônica da PA:


A avaliação inicial de um paciente com hipertensão arterial inclui a confi rmação do diagnóstico,  a suspeita e a identifi cação de causa secundária,  além da avaliação do risco cardiovascular. As  lesões de órgão-alvo e as doenças associadas  também devem ser investigadas. Fazem parte  dessa avaliação: a medida da PA no consultório  e/ou fora dele, utilizando-se técnica adequada  e equipamentos validados e calibrados, a obtenção de história médica (pessoal e familiar),  a realização de exame físico e a investigação  clínica e laboratorial. Propõem-se avaliações  gerais a todos os hipertensos e avaliações complementares apenas para grupos específicos.

São considerados hipertensos os indivíduos  com PAS ≥ 140 mmHg e/ou PAD ≥ 90 mmHg,  indivíduos com PAS ≥ 140 mmHg e PAD < 90  mmHg são definidos como portadores de HA  sistólica isolada, enquanto a presença de níveis  de PAS < 140 mmHg e PAD ≥ 90 mmHg caracteriza a HA diastólica isolada. Tanto a HA sistólica isolada quanto a HA diastólica isolada apresentam maior prevalência de HA do avental  branco, que é aquela que aparece apenas nos  momentos em que são aferidas em ambiente  médico, sendo normal quando aferida fora de  consultório ou ambiente médico.

Segundo a diretriz brasileira de 2020, a PA normal em diretrizes anteriores passa a ser denominada PA ótima e a pré-hipertensão, a ser  dividida em PA normal e pré-hipertensão. Os  indivíduos com PAS entre 130 e 139 mmHg e  PAD entre 85 e 89 mmHg passam a ser considerados pré-hipertensos, pois essa população  apresenta consistentemente maior risco de  DCV, DAC e AVE do que a população com níveis  entre 120 e 129 mmHg ou 80 e 84 mmHg. Consequentemente, indivíduos pré-hipertensos  devem ser monitorados mais de perto.

As lesões de órgãoalvo e as doenças  associadas também  devem ser investigadas.  Fazem parte dessa  avaliação: a medida da  PA no consultório e/ou  fora dele, utilizando-se técnica adequada e  equipamentos validados  e calibrados, a obtenção  de história médica  (pessoal e familiar), a  realização de exame  físico e a investigação  clínica e laboratorial.

Referências bibliográficas: 

1. Diretriz Brasileira de Hipertensão arterial 2020. Arq  Bras Cardiol. 2021; 116(3):516-658. 

2. Atualização da Diretriz de Prevenção Cardiovascular  da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2019. Arq Bras  Cardiol. 2019; 113(4):787-891.


Consultoria médica

Dra. Paola Emanuela P. Smanio 

Consultora médica em Cardiologia e Medicina Nuclear 

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