Investigação das hepatites virais

O diagnóstico etiológico depende de marcadores laboratoriais específicos

As hepatites causadas por vírus – aqui trataremos da A, da B e da C – atingem milhões  de pessoas anualmente e continuam a  representar um importante problema de  saúde pública em todo o mundo, tanto em  suas formas agudas quanto crônicas.

Quando sintomáticas, as hepatites virais  agudas cursam com quadros clínicos  praticamente indistinguíveis, isto é, não  é possível o diagnóstico etiológico diferencial sem o emprego de marcadores  sorológicos específicos: o anti-VHA IgM  para o vírus da hepatite A (VHA), o HBsAg  e o anti-HBc IgM para o vírus da hepatite  B (VHB) e o anti-VHC e o VHC-RNA para o  vírus da hepatite C (VHC).

As manifestações clínicas usualmente  constituem um período prodrômico de  quatro a sete dias, marcado por sintomas  inespecífi cos como febre, astenia, dores  musculares, cefaleia, náuseas, vômitos  e artralgias. A essa sintomatologia se segue um período de estado, caracterizado  por icterícia, colúria e hipo ou acolia fecal,  além de hepatomegalia discreta e, por  vezes, esplenomegalia. Na maioria dos  casos, porém, essas infecções são subclínicas. Na convalescença restam apenas  anormalidades laboratoriais, que tendem  a regredir em cerca de seis meses.

Já nas hepatites crônicas, diagnosticadas quando há persistência dos vírus  B ou C por mais de seis meses, a infecção costuma ser oligo ou assintomática, razão pela qual muitas vezes a  doença só é identifi cada diante de complicações decorrentes de sua progressão para cirrose ou hepatocarcinoma.  Por conta disso, em muitas situações, o  diagnóstico ocorre casualmente, sendo feito pela descoberta da elevação de enzimas hepáticas, notadamente a alanina aminotransferase  (ALT). Eventualmente, os portadores de hepatite  crônica B ou C apresentam sintomas genéricos,  a exemplo de fadiga, mal-estar e artralgias. Por  sua vez, os pacientes com doença mais avançada  podem evidenciar manifestações como ascite,  edemas, discreta icterícia e hemorragia digestiva alta. Ao exame físico, existe a possibilidade  de constatar a presença de circulação colateral,  aranhas vasculares e, nos pacientes do gênero  masculino, ginecomastia.

HEPATITE A 

O diagnóstico de hepatite aguda pelo VHA se baseia  na detecção de anticorpos anti-VHA da classe IgM,  que se tornam positivos no início do quadro clínico  e permanecem detectáveis por cerca de quatro a  seis meses. Passado esse período, só é possível encontrar anticorpos anti-VHA da classe IgG, que conferem imunidade à doença e indicam infecção pregressa pelo vírus. É importante ressaltar que o VHA  não costuma causar hepatite crônica, exceto muito  raramente em pacientes transplantados de órgão.

 HEPATITE B 

Nos quadros agudos de hepatite B, o diagnóstico é  feito pela presença do antígeno HBsAg e do anticorpo anti-HBc da classe IgM, que se mostram positivos já no começo das manifestações clínicas e podem ser detectados por até seis meses. Durante e  após o quadro agudo, o anti-HBc da classe IgG aparece na circulação e, a seguir, há o desaparecimento  do HBsAg e o surgimento do anticorpo anti-HBs,  com resolução do quadro e imunidade do paciente.  A evolução para a cronicidade se caracteriza pela  persistência do HBsAg após seis meses de infecção  e pelo não aparecimento do anti-HBs. A presença  do antígeno HBeAg marca a fase replicativa viral,  cujo fim é sinalizado pelos anticorpos anti-HBe.

Estes últimos têm pouco valor durante a fase aguda da  hepatite B, sendo úteis para avaliar a presença ou a ausência de replicação em quadros de infecção crônica.  Entretanto, o vírus pode sofrer mutações que permitem  sua replicação, a despeito da presença de anti-HBe, e  induzir nova elevação de transaminases.

Assim, atualmente a classificação das infecções crônicas  pelo VHB recebe nova nomenclatura: infecção crônica  HBeAg positiva ou negativa (caracterizadas por ALT normal) e hepatite crônica HBeAg positiva ou negativa  (caracterizadas por ALT elevada). Apenas as hepatites  crônicas pelo VHB podem requerer tratamento, a depender da carga viral. A exceção fica por conta dos portadores  de cirrose ou de manifestações extra-hepáticas da hepatite B, em que a presença de VHB-DNA, independentemente dos níveis de ALT e da quantificação do DNA, por si  só indica tratamento.

Dessa forma, os quadros crônicos pelo VHB exigem o uso de  testes moleculares (VHB-DNA quantitativo) para a caracterização do estágio da doença, a indicação do tratamento e a  avaliação prognóstica e de resposta à medicação.

HEPATITE C 

O marcador sorológico utilizado para a detecção do  VHC é o anti-VHC, que, nas infecções agudas, leva de 4  a 24 semanas para se tornar positivo. Por esse motivo,  diante de um quadro agudo de hepatite, o VHC-RNA  deve também ser solicitado. Como esse vírus raramente  produz manifestações clínicas na fase aguda, em muitos  casos o diagnóstico não ocorre nessa fase. O anti-VHC  permanece positivo indefinidamente, tanto nas infecções crônicas quanto nos casos que evoluem para a cura.  Desse modo, a confirmação da persistência da infecção,  a indicação de tratamento e a avaliação prognóstica e de  resposta terapêutica igualmente não prescindem do  emprego de testes moleculares, como o VHC-RNA  quantitativo. A genotipagem já foi muito importante  na avaliação rotineira desses pacientes; com a disponibilidade de tratamento pan-genotípicos, entretanto,  vem perdendo a utilidade.



E A HEPATITE E?

Embora ocorra em menor incidência, a hepatite E não pode ser desconsiderada como diagnóstico diferencial em pacientes com elevação aguda  das transaminases, particularmente naqueles em que os marcadores de  hepatites A, B e C estejam negativos. Estudos recentes demonstram que,  em pacientes atendidos em serviços de emergência brasileiros, com ALT  superior a 200 UI/mL, o vírus da hepatite E (VHE) pode ser o agente etiológico envolvido em até 4% dos casos. Além disso, estudos de soroprevalência estimam que entre 10% e 15% da população apresente IgG reagente  para este vírus. Em conjunto, esses dados podem indicar que a hepatite E é  subdiagnosticada em nosso meio, o que pode ter implicações importantes,  visto que a doença pode evoluir para insuficiência hepática aguda em até  30% das gestantes acometidas, e pode se tornar crônica em receptores de  transplante de órgãos sólidos. O diagnóstico é feito por meio de sorologia: a presença de IgM específica contra o VHE indica a infecção aguda. O  exame de sorologia para IgG e IgM é realizado no Fleury e o prazo de resultados é de até sete dias. Nos experimentos de validação, a sensibilidade  da pesquisa de anticorpos anti-VHE foi de 85% para IgM e 95% para IgG.

GRUPOS DE ALTO RISCO para infecção por VHB

• Indivíduos nascidos em regiões de endemicidade alta ou intermediária para VHB  (prevalência de HBsAg ≥2%): África (todos os países); norte, sudeste e leste da Ásia  (todos os países); Austrália e Sul do Pacífico (todos os países, exceto Austrália  e Nova Zelândia); Oriente Médio (todos os países, exceto Chipre e Israel); Leste  Europeu (todos os países, exceto Hungria); Europa Ocidental (Malta, Espanha  e populações indígenas da Groenlândia); América do Norte (nativos do Alasca e  populações indígenas do Norte do Canadá); México e América Central (Guatemala  e Honduras); América do Sul (Equador, Guiana, Suriname, Venezuela e regiões  amazônicas); Caribe (Antígua-Barbuda, Dominica, Granada, Haiti, Jamaica, Saint  Kitts e Nevis, Santa Lúcia, Ilhas Turks e Caicos) 

• Pessoas que já utilizaram drogas injetáveis* 

• Homens que fazem sexo com homens* 

• Pessoas que necessitam de terapia imunossupressora, incluindo quimioterapia,  imunossupressão devido a transplante de órgão, imunossupressão por doenças  reumatológicas ou gastroenterológicas 

• Indivíduos com ALT ou AST elevadas de origem desconhecida* 

• Doadores de sangue, plasma, órgãos, tecidos ou sêmen • Pessoas com doença renal em estágio terminal, incluindo pré-diálise, hemodiálise  e diálise peritoneal* 

• Todas as gestantes 

• Recém-nascidos de mães HBsAg-positivas* 

• Indivíduos com doença hepática crônica, como VHC* 

• Pessoas que vivem com HIV* 

• Contatos domiciliares, sexuais ou de compartilhamento de agulhas de pessoas  HBsAg-positivas* 

• Pessoas que tiveram mais de um parceiro sexual durante os últimos seis meses* 

• Indivíduos que procuram avaliação ou tratamento para IST* 

• Profissionais de saúde e de segurança pública em risco de exposição no  trabalho a sangue ou a fluidos corporais contaminados com sangue* 

• Residentes e funcionários de instituições para pessoas com deficiência* 

• Viajantes para países com prevalência intermediária ou alta de infecção pelo VHB* 

• Pessoas que são a fonte de exposições a sangue ou fluidos corporais, que podem  requerer profilaxia pós-exposição 

• Pessoas em privação de liberdade* 

• Indivíduos não vacinados com diabetes e idade entre 19 e 59 anos (a critério  médico para adultos não vacinados com diabetes e idade ≥60 anos)* 

*Grupos que devem receber a vacina contra a hepatite B, se ainda não vacinados. Retirado de Terrault N. et al. Hepatology, vol. 67, no. 4, 2018.

OUTROS TESTES PARA PACIENTES INFECTADOS  PELO VHB

Os exames a seguir podem ser  úteis na avaliação diagnóstica e  no acompanhamento terapêutico  dos indivíduos infectados pelo  VHB:

• Pesquisa e quantificação do  DNA do VHB por PCR em tempo  real, com limite inferior de detecção de 12 UI/mL. A carga viral  do VHB é utilizada para avaliar  indicação de tratamento.  

• Pesquisa de mutação na  região pré-core do DNA do  VHB por sequenciamento, útil  para identificar indivíduos com  variantes do VHB. Essa mutação,  encontrada em 30% a 60% dos  portadores de VHB com HBeAg  negativo no Brasil, impede a  expressão do HBeAg, mesmo na  presença de replicação viral.  

• Pesquisa de resistência a  antivirais (lamivudina, telbivudina,  entecavir, adefovir e tenofovir),  indicada para os portadores de  hepatite B crônica em tratamento.  O exame é feito por sequenciamento do gene da polimerase.  As mutações ocorrem nos  códons do domínio YMDD da  polimerase do VHB.


Interpretação dos testes de rastreamento para infecção por VHB


Consultoria médica:

Dra. Carolina dos Santos Lázari 

Consultora médica em Infectologia 

[email protected]

Dr. Celso Granato 

Consultor médico em Infectologia 

[email protected]

Dra. Patrícia M. Costa de Oliveira 

Consultora médica em Hepatologia 

[email protected]