Entenda as novas diretrizes para prevenção e tratamento da aterosclerose | Revista Médica Ed. 1 - 2015

O passo a passo do controle das dislipidemias, segundo as novas diretrizes americana, brasileira e europeia

Em síntese, o controle das dislipidemias deve acompanhar a estratificação de risco cardiovascular


A doença arterial coronariana (DAC) constitui-se hoje numa das principais causas de mortalidade mundial. A redução da taxa de eventos cardiovasculares é proporcional à queda do LDL-colesterol (LDL-C), consolidando a importância do controle das dislipidemias na prevenção da doença aterosclerótica e na diminuição do risco cardiovascular (CV).


A definição adequada das metas terapêuticas depende fundamentalmente do diagnóstico correto das dislipidemias e da estratificação de risco individualizada. Nesse contexto, recentemente foram publicadas as diretrizes brasileira, americana e europeia para avaliar essa condição e prevenir a aterosclerose. Na prática, o documento brasileiro sugere a estratificação do risco em três etapas, conforme segue.


1. Determinação da presença de doença aterosclerótica significativa ou de seus equivalentes


O paciente que se enquadrar em uma das categorias descritas abaixo é automaticamente considerado de alto risco, ou seja, tem probabilidade superior a 20%, em dez anos, de apresentar um primeiro evento cardiovascular ou novos episódios:

  • Doença aterosclerótica arterial coronariana, cerebrovascular ou obstrutiva periférica, com manifestações clínicas (eventos cardiovasculares)
  • Aterosclerose na forma subclínica, significativa, documentada por metodologia diagnóstica
  • Procedimentos de revascularização arterial
  • Diabetes mellitus tipos 1 e 2
  • Doença renal crônica
  • Hipercolesterolemia familiar (HF)


2. Aplicação dos escores de predição do risco


Atualmente estão disponíveis diversos algoritmos para avaliação do risco CV. A diretriz brasileira aplica o escore de risco (ER) global (veja tabela abaixo), que estima a possibilidade de infarto do miocárdio, acidente vascular encefálico (AVE), insuficiência vascular periférica ou insuficiência cardíaca em dez anos.


O ER global deve ser utilizado na avaliação inicial dos indivíduos não classificados nas condições de alto risco. A diretriz considera de baixo risco as pessoas com menos de 5% de chance de ter os principais eventos cardiovasculares (DAC, AVE, doença arterial obstrutiva periférica ou insuficiência cardíaca) em dez anos. Contudo, na presença de histórico familiar de doença cardiovascular prematura, esses pacientes são reclassificados para risco intermediário.

Risco ao longo da vida

Após os 45 anos de idade, para indivíduos considerados de risco baixo ou intermediário em dez anos, pode ser aplicado o ER pelo tempo de vida (lifetime risk), que avalia a possibilidade de um evento isquêmico no decorrer dos anos. A combinação de um ER de curto prazo com outro de longo prazo permite estimar melhor a probabilidade de evento cardiovascular e também favorece a motivação e a aderência do paciente às mudanças de estilo de vida, bem como o controle de fatores de risco em pessoas com menor chance de apresentar essas doenças em curto prazo, mas que estarão mais vulneráveis no futuro. Depois das três etapas mencionadas, calcula-se o risco global final.


3. Reclassificação do risco predito pela presença de fatores agravantes


Nos casos de risco intermediário, devem ser considerados os fatores agravantes aqui listados, na presença dos quais o indivíduo é reclassificado para a condição de alto risco.

  • História familiar de DAC prematura (em parente de primeiro grau masculino <55 anos ou feminino <65 anos)
  • Critérios de síndrome metabólica, de acordo com a Federação Internacional de Diabetes
  • Microalbuminúria (30-300 μg/min) ou macroalbuminúria (>300 μg/min)
  • Hipertrofia ventricular esquerda
  • Proteína C reativa de alta sensibilidade >2 mg/L
  • Espessura íntima média de carótidas >1,00 ao ultrassom 
  • Escore de cálcio coronariano >100 ou acima do percentil 75 para a idade ou para o sexo, avaliado pela tomografia de coronárias
  • Índice tornozelo-braquial (ITB) <0,9

 

O combate aos ateromas é o alvo das novas diretrizes.
SPL DC/LATINSTOCK

Intervenção terapêutica

As diretrizes brasileira e europeia recomendam que o tratamento das dislipidemias siga metas específicas de LDL-C conforme o risco cardiovascular. Já a diretriz americana, da American Heart Association, preconiza que a redução do colesterol não leve em conta metas numéricas de LDL-C, sugerindo estratégias baseadas em reduções percentuais de LDL-C, que devem ser atingidas conforme a intensidade da terapia com estatina (≥50% para a terapia intensiva e ≥30% e <50% para a moderada). Ainda segundo o consenso americano, os principais grupos elegíveis ao uso de estatina incluem indivíduos com antecedente de evento cardiovascular, diabéticos e pessoas com LDL ≥190 mg/dL ou, na ausência de tais condições, com risco calculado de eventos ≥7,5% (por um novo ER elaborado para essa diretriz). 




Vale adicionar que o documento americano, à época de sua publicação, não encontrou evidência suficiente para indicar o uso rotineiro de outras medicações hipolipemiantes em adição à estatina para diminuir as doenças cardiovasculares. Entretanto, os recentes resultados do estudo Improve IT, que avaliou o potencial benefício da associação de ezetimibe e sinvastatina, na dose de 40 mg/dia, na redução de eventos cardiovasculares maiores em pacientes com síndromes coronarianas agudas, puseram essa recomendação em debate. A pesquisa demonstrou, de forma pioneira, que a combinação de fármacos, quando comparada ao uso de sinvastatina isolada, foi capaz de produzir uma queda adicional de eventos, ainda que modesta, porém estatisticamente significante e proporcional à diminuição do LDL-C. 


Considerando-se os dados disponíveis atualmente, e a despeito das diferenças entre as diretrizes, o fato é que a redução do LDL-C deve acompanhar a estratificação de risco. Apesar da existência de diferentes escores de risco, em geral se recomenda o tratamento com estatina para indivíduos com antecedente pessoal de evento cardiovascular, diabéticos e indivíduos com LDL-C muito elevado (provável hipercolesterolemia familiar). Na ausência dessas condições, sugere-se estratificar o risco pelo ER global, adotado pela diretriz brasileira, ou por algum outro modelo. No Brasil, ainda são preconizadas as metas terapêuticas de LDL-C de acordo com o escore calculado, mas a adoção de metas de declínio percentual de LDL-C representam hoje uma opção viável, pragmática e cientificamente embasada.


ASSESSORIA MÉDICA
Dra. Viviane Zorzanelli Rocha Giraldez
Dra. Viviane Tiemi Hotta