Exames laboratoriais para o diagnóstico de EIM: indicações e correlações clínicas

Tópicos presentes neste capítulo

  • Que exames podem ser solicitados na avaliação de pacientes sintomáticos com o intuito de se investigar um erro metabólico?  
  • No que consiste e quando solicitar a triagem para EIM?  
  • No que consistem os testes urinários rápidos para EIM?  
  • O que são ácidos orgânicos e quando solicitar sua dosagem?  
  • Qual o significado da elevação da amônia plasmática?  
  • Em que situações pode ocorrer elevação da glicina plasmática?  
  • Que condições podem levar a grande aumento da homocisteína plasmática?  
  • Qual o significado de discreta elevação da homocisteína plasmática?  
  • Para que serve e no que consiste a técnica de cromatografia?  
  • Como é feita a determinação da atividade de enzimas lisossomais?  
  • Para que serve a dosagem de lactato e de seu derivado, piruvato?  
  • O que é a carnitina e para que serve sua determinação plasmática?  
  • O que causa e quais os sintomas da deficiência de carnitina?  
  • O que é, como é determinado e para que serve o perfil de acilcarnitinas?  
  • Deve-se realizar cariótipo em pacientes com suspeita de erro inato metabólico?  
  • O encontro de galactose na urina é sugestivo de galactosemia?  
  • Como é feito o diagnóstico de galactosemia?  
  • Que erros metabólicos investigar quando existe cetoacidose?  
  • O que procurar quando há suspeita de EIM com acidose?  
  • Para que serve o cálculo do anion gap?  
  • Hipoglicemia pode ser sintoma de um erro metabólico?  
  • Que contribuição pode dar o mielograma no diagnóstico de EIM?  
  • Que outros exames laboratoriais podem contribuir para o diagnóstico de EIM?  
  • No que pode auxiliar o exame de líqüido cefalorraquidiano (LCR) no diagnóstico de EIM?  

Que exames podem ser solicitados na avaliação de pacientes sintomáticos com o intuito de se investigar um erro metabólico?

O número de exames que podem ser solicitados na avaliação de suspeita de EIM é bastante grande e vai depender de uma criteriosa análise da história e dos sintomas clínicos. Alguns exames têm, no entanto, indicação bastante ampla e devem ser considerados quando a história e o exame clínico não forem sugestivos de um diagnóstico definido.

Além de exames gerais, como hemograma, glicemia, ácido úrico e colesterol (vide questão 76), outros mais específicos podem ser solicitados. Entre os exames que permitem orientar o diagnóstico inicial de paciente com suspeita de erro inato temos:

1. Triagem para EIM no sangue e na urina

2. Dosagem de ácidos orgânicos na urina

3. Dosagem de lactato e piruvato plasmático

4. Dosagem de amônia plasmática

5. Dosagem de beta hidroxi-butirato plasmático

6. Dosagem de carnitina plasmática total e livre

No que consiste e quando solicitar a triagem para EIM?

A triagem para EIM consiste num conjunto de exames que procura detectar acúmulo anormal no plasma e aumento na excreção urinária de determinadas substâncias. Os testes realizados variam muito de um laboratório para outro e o significado de um resultado “normal” vai depender do que foi realizado bem como da técnica empregada. É um teste bastante amplo, que está indicado para se investigar pacientes que apresentem anormalidades pouco específicas, tais como atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, convulsões ou retardo de crescimento.

A triagem para EIM deve incluir:

• Plasma: determinação da atividade da biotinidase.

• Plasma e urina: Dosagem de aminoácidos, preferencialmente por cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC).

• Urina: Pesquisa de substâncias redutoras, proteínas, corpos cetônicos, cromatografia em camada delgada para hidratos de carbono e oligossacárides e quantificação de glicosaminoglicanos (mucopolissacárides).

Um resultado normal na triagem de EIM não exclui a possibilidade de erro inato metabólico.

No que consistem os testes urinários rápidos para EIM?

Existem diversas provas bastante simples que permitem evidenciar a presença de substâncias anormais na urina; a freqüência de falsos positivos e falsos negativos fez no entanto com que elas fossem substituídas em muitos centros por técnicas mais sensíveis e elaboradas. Elas permanecem sendo realizadas em centros menores e não especializados, podendo ajudar o clínico no direcionamento elementar de alguns diagnósticos.

Entre estas provas, temos:

Prova do cloreto férrico, para a detecção de oxo-ácidos, é útil para o diagnóstico de fenilcetonúria e algumas outras aminoacidopatias.

Teste do nitroprussiato, para a detecção de aminoácidos sulfurados, é útil na detecção da cistina e homocistina.

Pesquisa de substâncias redutoras, incluindo prova de Benedict especialmente hidratos de carbono simples, como frutose, galactose e glicose.

O que são ácidos orgânicos e quando solicitar sua dosagem?

Os ácidos orgânicos são substâncias não nitrogenadas que têm pelo menos um radical carboxílico. Eles podem ter origem exógena (dieta, bactérias intestinais) ou se formar a partir de quase todas as vias do metabolismo intermediário, conforme mostra figura abaixo. Os ácidos orgânicos são hidrossolúveis, sendo rapidamente depurados do plasma e concentrados na urina. Desta forma, sua dosagem no plasma pouco contribui para o diagnóstico clínico. O desenvolvimento de novas técnicas de análise, como a cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massa (GC/MS) tornou possível a rápida determinação de um grande número de ácidos orgânicos. A análise é feita empregando-se reduzido volume de urina, originária de amostra isolada.

A determinação de ácidos orgânicos urinários está indicada na avaliação de pacientes que apresentem patologias neurológicas crônicas ou de instalação aguda, com ou sem acidose metabólica, de causa obscura. Algumas vezes, as acidemias orgânicas apresentam manifestações intermitentes e a excreção aumentada de ácidos orgânicos é também intermitente, obrigando o clínico a tentar sua determinação nos momentos de crise.

Qual o significado da elevação da amônia plasmática?

O íon amônio (NH4+) é produzido nos rins e no trato intestinal pela ação de bactérias. No fígado, ele é transformado em uréia, em uma seqüência de reações que envolvem seis diferentes enzimas e que, coletivamente, é chamado de ciclo da uréia. O acúmulo de amônio é tóxico para o organismo, causando distúrbios da consciência e coma, muitas vezes de instalação aguda. Para fins práticos, o íon amônio será considerado sinônimo de amônia (NH3).

A amônia pode se achar elevada em decorrência de doenças congênitas (EIM) ou adquiridas.

Entre os defeitos congênitos temos:

• Erros inatos envolvendo uma das 6 enzimas do ciclo da uréia.

• Alguns erros metabólicos da metabolização de gorduras (defeitos da beta oxidação) e acidemias orgânicas (acidemia propiônica e metilmalônica).

Entre as condições adquiridas temos:

• Doenças hepáticas em estágio avançado (cirrose, p.ex).

• Estados de hipercatabolismo protéico.

• Síndrome de Reye (hepatopatia, hiperamonemia, edema cerebral).

• Uso de medicamentos, como valproato.

A determinação dos valores de amônia exige coleta cuidadosa, com o mínimo de trauma possível, e a amostra deve ser encaminhada rapidamente para análise. Mesmo que adequadamente acondicionada, ela deve ser processada, preferencialmente até 24 hs após a coleta.

Em que situações pode ocorrer elevação da glicina plasmática?

A glicina é o mais simples dos aminoácidos, possuindo apenas dois átomos de carbono. Ele é um importante componente das proteínas e possui um sistema de degradação composto por um conjunto de enzimas denominado complexo de clivagem da glicina que se localiza na mitocôndria. A glicina plasmática pode se elevar em alguns EIM, por hipercatabolismo ou por excesso de ingestão protéica. O uso da droga anti-epiléptica valproato é, possivelmente, o fator que com maior freqüência promove a elevação do teor plasmático de glicina. Entre os EIM que cursam com hiperglicinemia estão a hiperglicemia não cetótica, decorrente de comprometimento de uma das enzimas do sistema de clivagem da glicina, e a acidemia propiônica (inicialmente denominada hiperglicinemia cetótica).


Que condições podem levar a grande aumento da homocisteína plasmática?

A homocisteína é um aminoácido sulfurado, cuja estrutura química está representada abaixo, e que é transformado em metionina em reação que necessita de vitamina B12 e ácido fólico e em cistationina em reação catalizada pela cistationina beta sintetase e dependente de vitamina B6. A união de duas homocisteínas pelo radical sulfidril forma a homocistina.

Existem diversos EIM que podem interferir com a biotransformação da homocisteína, acarretando acentuado aumento de seus níveis plasmáticos e de sua excreção urinária. Este grupo de doenças é chamado coletivamente de homocistinuria. Clinicamente, a homocistinuria se caracteriza por alterações morfológicas decorrentes de defeito na formação do tecido conjuntivo, o que acarreta osteoporose, aumento do risco de tromboembolismo, luxação de cristalino e aceleração no processo de ateroesclorose. A causa mais freqüente e grave de homocistinúria é a deficiência da cistationina beta sintetase.

Qual o significado de discreta elevação da homocisteína plasmática?

Embora seja raros, os EIM que causam aumento do teor plasmático de homocisteína demonstram a complexidade de seus efeitos clínicos. Bem mais comuns são as situações com níveis cronicamente elevados de homocisteína, decorrentess de ingestão deficiente de vitamina B12 ou de ácido fólico ou da sua absorção e conservação defieicientes. Mesmo níveis plasmáticos de homocisteína discretamente elevados estão associados a maior risco de doenças vasculares, independentemente de outros fatores como colesterol ou tabagismo, por exemplo.

Para que serve e no que consiste a técnica de cromatografia?

A cromatografia é uma técnica analítica que procura separar os diversos componentes de uma mistura complexa, como o sangue e a urina. Após a separação, estes componentes podem ser quantificados. Existem diversos tipos de cromatografia, com indicações específicas, sensibilidade e complexidade variáveis.

Cromatografia em camada delgada: é uma técnica bastante simples que consiste no uso de placas especialmente revestidas, nas quais a amostra é aplicada e têm a seguir uma de suas extremidades colocada em contato com uma solução denominada de fase móvel que, por capilaridade, ascende e separa os componentes da amostra. Utilizam-se então substâncias corantes que, destacando as substâncias de interesse na placa, permitem a detecção e quantificação aproximada de alguns dos componentes da amostra. Esta técnica continua sendo muito empregada para hidratos de carbono e oligossacárides na urina, mas foi superada por outras mais precisas para detecção de aminoácidos.

Cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC): é uma técnica muito versátil e poderosa e tem sido empregada na determinação de diversas substâncias, especialmente aminoácidos. Após processo de extração e preparação, a amostra é injetada em coluna especialmente construída para separar os componentes da amostra, de acordo com sua afinidade física ou química. As características da coluna e do líquido, injetado sob alta pressão, vão permitir maior ou menor retenção dos componentes da amostra, fazendo com que eles se separem. A seguir, utiliza-se um detetor (eletroquímico, ultravioleta ou fluorescente) para quantificar estes componentes. A qualidade do cromatograma varia dependendo de procedimentos relacionados à preparação da amostra e do tipo de coluna empregados.

Cromatografia gasosa (CG): é uma técnica semelhante a HPLC, e é utilizada para deteminação de ácidos graxos plasmáticos, por exemplo. Para que a amostra se desloque através da coluna é usado, ao invés de líqüido, um gás inerte. O tempo de retenção de cada componente da amostra varia, o que permite a separação e posterior quantificação de seus componentes.

Como é feita a determinação da atividade de enzimas lisossomais?

Nas doenças de depósito, a confirmação diagnóstica é estabelecida por meio da determinação da atividade da enzima lisossomal responsável. Para tanto, a maior parte das técnicas mede a atividade da enzima contra um substrato sintético que gera uma substância fluorescente ao ser cindido. Algumas enzimas podem ter sua atividade determinada em leucócitos ou no soro, enquanto que para outras isto só é possível com o estudo de cultura de fibroblastos. O líqüido amniótico e fragmentos do vilo coriônico mantidos em cultura também podem ser utilizados para a determinação da atividade de enzimas lisossomais. Sempre que realizado em células o material deve ser rapidamente processado para prevenir a contaminação por vírus, bactérias e fungos.


Para que serve a dosagem de lactato e de seu derivado, piruvato?

O piruvato (ácido pirúvico) e o lactato (ácido láctico) são interconvertidos pela enzima desidrogenase láctica e seus níveis retratam a condição do metabolismo aeróbico. Situações que comprometem a respiração celular a nível do complexo da desidrogenase pirúvica, do ciclo de Krebs ou da cadeia respiratória celular, podem causar acúmulo de lactato e piruvato. Uma das conseqüências é a acidose metabólica. A elevação de lactato sugere doença em que existe comprometimento da função mitocondrial. O lactato pode ser dosado no sangue arterial ou venoso e também no líquido cefalorraquidiano. A atividade da desidrogenase láctica (DHL) no sangue periférico não possui nenhum valor informativo sobre o metabolismo do lactato ou piruvato.

O lactato apresenta duas possíveis configurações espaciais, D e L. As bactérias produzem o forma D e o metabolismo dos organismos superiores a forma L. A metodologia colorimétrica, comumente empregada para se dosar lactato é específica para a forma L, gerada pelo metabolismo endógeno. No entanto, a cromatografia gasosa, que é a técnica utilizada para se dosar ácidos orgânicos, não diferencia as formas D e L de lactato. Situações que determinem aumento da proliferação bacteriana no intestino podem ocasionar acidose metabólica sintomática por acúmulo de ácido D-láctico, que não será detectado por métodos analíticos convencionais.

O que é a carnitina e para que serve sua determinação plasmática?

A carnitina é uma molécula cuja estrutura química está representada na figura abaixo e que está envolvida com o transporte de ácidos graxos com mais de 12 carbonos, que foram previamente ativados pela coenzima A. Após ativação (na qual atua a enzima acil-CoA sintetase), o ácido graxo é transferido para a carnitina [com o auxílio da enzima carnitina-palmitoil transferase 1(CPT1)] e transportado através da membrana mitocondrial interna para a matriz mitocondrial. Na matriz, o ácido graxo ligado à carnitina é novamente transferido para a coenzima A (em reação mediada pela carnitina palmitoil transferase 2, CPT2) e a carnitina é liberada. A passagem pela membrana mitocondrial interna é mediada por um transportador que troca acil-carnitina por carnitina. Desta forma, a carnitina é essencial no transporte para o interior da mitocôndria de ácidos graxos de cadeia longa e sua deficiência interfere com a capacidade de oxidação das gorduras.

O que causa e quais os sintomas da deficiência de carnitina?

A maior parte das deficiências de carnitina são secundárias ao aumento de sua excreção, geralmente conseqüente a doenças que interferem com a metabolização de ácidos graxos. Esta deficiência pode ocasionar miopatia e miocardiopatia e os sintomas são reversíveis com a suplementação oral de carnitina. Existem entretanto casos em que a deficiência de carnitina é primária, decorrente de defeito na sua absorção por comprometimento de proteína transportadora.


O que é, como é determinado e para que serve o perfil de acilcarnitinas?

O perfil de acilcarnitinas é estabelecido por meio da determinação da comprimento da cadeia de diferentes ácidos graxos ligados a carnitina. Esse exame só pode ser feito com o auxílio de um instrumento conhecido como espectrometria de massa em tandem (TMS), que é capaz de medir, de forma rápida e precisa, todas as frações de ácidos graxos que acham-se ligadas a carnitina. Esse intrumento permite estabelecer o diagnóstico de defeitos da beta oxidação mitocondrial de ácidos graxos e de diversas acidemias orgânicas, tais como acidemia propiônica, metilmalônica e glutárica tipo I. Dada a sua grande velocidade analítica e precisão, o TMS tem sido empregado em programas de triagem neonatal ampliada, pois é capaz de detectar diversas acidemias orgânicas, aminoacidopatias e defeitos da oxidação mitocondrial de ácidos graxos em fase pré-sintomática (vide questões 27 a 30).


Deve-se realizar cariótipo em pacientes com suspeita de erro inato metabólico?

De modo geral, não. O cariótipo, ou cariograma, permite avaliar os cromossomos e determinar alterações numéricas (aneuploidias), como trissomias ou monossomias, e estruturais, como translocações e deleções. Os EIM são decorrentes de defeito no funcionamento de um gene, que ocupa uma diminuta região cromossômica. Mesmo que exista perda de extensas seqüências deste gene, esta geralmente não pode ser detectada pelo cariótipo e deverá se recorrer a técnicas mais apuradas, como a análise do DNA por técnicas de biologia molecular.


O encontro de galactose na urina é sugestivo de galactosemia?

A presença de galactose na urina tem que ser avaliada em conjunto com o quadro clínico. As crianças que têm no leite sua base dietética excretam galactose na urina. Três enzimas estão envolvidas no metabolismo da galactose: a galactoquinase, a galatose-1-fosfato uridiltransferase (GALT) e a uridina difosfato galactose-4-epimerase. Destas, a deficiência de GALT é a causa mais importante de galactosemia, caracterizada por anorexia, icterícia, vômitos, hepatomegalia e catarata. Na ausência destes sinais, é pouco provável que a simples presença de galactose na urina tenha importância clínica.


Como é feito o diagnóstico de galactosemia?

A suspeita de galactosemia deve ser feita em paciente que apresente quadro clínico compatível (inapetência, hepatopatia com icterícia, catarata e atraso de crescimento), associado a aumento da excreção urinária de galactose. Para se comprovar este diagnóstico deve-se dosar a galactose e a galactose-1-fosfato no plasma, assim como a atividade da enzima galactose-1-fosfato uridiltransferase em eritrócitos.


Que erros metabólicos investigar quando existe cetoacidose?

O aumento da metabolização de gorduras vai produzir grande quantidade de acetil-CoA, que no fígado será transformada em corpos cetônicos (beta hidroxi-butirato e acetoacetato), que por sua vez serão liberados na circulação para serem consumidos em outros tecidos. Durante o jejum, após se esgotarem as fontes de glicogênio, existe aumento da lipólise e produção de corpos cetônicos. Em alguns EIM, a cetoacidose pode ser bastante relevante e costuma ser conseqüente ao comprometimento diversas metabólica. É o que ocorre em pacientes com leucinose (doença da urina com odor de xarope de bordo), com algumas acidemias orgânicas (como a acidemia propiônica, metilmalônica e isovalérica), com certas glicogenoses e com os defeitos na gliconeogênese (deficiência de piruvato carboxilase e da frutose 1-6 difosfatase). Os corpos cetônicos podem ser detectados na urina por meio de fita reativa e o mais importante deles, o beta hidroxi-butirato, pode ser dosado no plasma.


O que procurar quando há suspeita de EIM com acidose?

A acidose metabólica é um distúrbio freqüentemente encontrado em alguns EIM. Algumas vezes, ela é persistente mas os sinais clínicas discretos, o que impede seu fácil reconhecimento. Outras vezes, os pacientes apresentam sintomas graves, que colocam a vida em risco, e somente após a estabilização do quadro clínico percebe-se a acidose de base. A situação que mais desafia o diagnóstico é no entanto a que ocorre quando há acidose intermitente, com exames inteiramente normais no intervalo das crises. A acidose é característica de diversos EIM, seja pelo acúmulo de lactato, como ocorre nas doenças mitocondriais, seja pelo acúmulo de outros ácidos orgânicos.


Para que serve o cálculo do anion gap?

Uma queda do pH pode ser decorrente a perda excessiva de bicarbonato ou por acúmulo anormal de íons H+, em geral em associação com algum outro íon orgânico. Uma forma de se calcular a quantidade de ânions não medidos, o ânion gap, é calcular-se a diferença entre o teor plasmático de sódio [Na+] e a soma dos teores de cloro [Cl-] e bicarbonato [HCO3-].

Anion gap: Na+ = Cl- + HCO3-

O valor do anion gap, situa-se em geral entre entre 10 e 15 mEq/L. Em situações em que há perda de bicarbonato por disfunção tubular ou por diarréia crônica, o anion gap não se altera graças ao aumento do teor de cloro (acidose hiperclorêmica). Assim, a determinação do ânion gap permite a caracterizar que tipo de acidose metabólica está presente.

Hipoglicemia pode ser sintoma de um erro metabólico?

Quando um paciente apresenta hipoglicemia de forma mantida ou intermitente, deve ser aventada a possibilidade de EIM. Quando ela ocorre pouco logo após uma refeição, a primeira possibilidade é de aumento na produção e liberação de insulina. Em hipoglicemias que se instalam em até seis horas de jejum, deve-se pensar na possibilidade de uma glicogenose, especialmente a do tipo I (doença de von Gierke). Finalmente, quando a hipoglicemia surge após entre 8 e 24 horas de jejum, deve-se considerar como possíveis diagnósticos a deficiência de carnitina e os defeitos da beta oxidação de lípides. A pesquisa de corpos cetônicos na urina e a dosagem de beta-hidroxi butirato e ácidos graxos livres plasmáticos contribuem para o diagnóstico diferencial. Nos defeitos da beta oxidação de lípides, os ácidos graxos livres mostram-se elevados e os corpos cetônicos urinários e o beta-hidroxi butirato plasmático encontram-se baixos.


Que contribuição pode dar o mielograma no diagnóstico de EIM?

O mielograma contribui para o diagnóstico de algumas doenças de depósito (vide questão 43) em que é possível o encontro de células do sistema retículo-endotelial com granulações características. Ele é útil especialmente em doenças cujo defeito metabólico não está até hoje bem estabelecido, como ocorre na doença de Niemann-Pick do tipo C. Células com granulações anormais podem ser também encontras nas doenças de Gaucher, Niemann-Pick tipo A e B, gangliosidose GM1, sialidose e em algumas mucopolissacaridoses.


Que outros exames laboratoriais podem contribuir para o diagnóstico de EIM?

Existem diversos exames laboratoriais comumente empregados na prática clínica que podem contribuir para o diagnóstico de EIM. Entre eles, temos:

• Elevação de enzimas hepáticas (TGO e TGP), que podem ocorrer na galactosemia, defeitos da beta oxidação de ácidos graxos, tirosinemia tipo I e glicogenoses.

• Ácido úrico, que costuma estar elevado em alguns defeitos da degradação de purinas [deficiência da hipoxantina-guanina fosforibosil transferase (HGPRT), característica da doença de Leish-Nyhan] e baixo em outros defeitos (deficiência isolada de xantina oxidase ou decorrente de deficiência do co-fator de molibdênio).

• Colesterol, que se encontra muito baixo em defeitos que afetem sua síntese (característico da síndrome de Smith-Lemli-Optiz).

• Contagem de leucócitos e plaquetas, que pode se encontrar baixa nas acidemias metilmalônica e propiônica e em defeitos metabólicos envolvendo o ácido fólico e a vitamina B12.

No que pode auxiliar o exame de líqüido cefalorraquidiano (LCR) no diagnóstico de EIM?

Em algumas situações clínicas especiais, a análise do LCR pode contribuir para o diagnóstico ou mesmo ser decisiva para a confirmação de erro metabólico. Entre elas, temos:

- Elevação do teor de proteínas, que pode ser vista em algumas leucodistrofias.

- Hipoglicorraquia com glicemia normal, associada a diminuição de lactato, pode sugerir defeito na proteína transportadora de glicose (GLUT 1). Uma relação glicorraquia/glicemia inferior a 0,40 é sugestiva dessa condição.

- Elevação do lactato, que é característica de defeito no metabolismo energético mitocondrial.

- Aumento do teor de glicina, característico e diagnóstico da hiperglicinemia não cetótica.

- Dosagem de neurotransmissores e de biopterina, indicado em situações especiais, como distonias e algumas epilepsias de difícil controle medicamentoso.