Durante muitos anos, a osteoporose foi definida como uma redução da massa óssea total do esqueleto que, no entanto, era qualitativamente normal. Em 1991, a osteoporose foi redefinida como uma doença sistêmica caracterizada por menor massa óssea e deterioração de sua microarquitetura, com conseqüente aumento da fragilidade óssea e susceptibilidade a fraturas.
Esta nova definição reconhece que a fratura é a principal conseqüência clínica da doença e identifica a densidade mineral óssea (DMO) baixa e as alterações estruturais como os fatores de risco mais importantes (Fig. 1). A osteoporose é a mais comum das doenças ósteo-metabólicas. Melton e cols. (1), baseados nos critérios da OMS para a densitometria óssea, estimam que 54% das mulheres americanas de raça branca tenham osteopenia, enquanto que 30% apresentam osteoporose.
As fraturas osteoporóticas podem ocorrer em qualquer sítio ósseo, exceto o crânio, mas são muito mais freqüentes no punho, na coluna tóraco-lombar e no fêmur, áreas do esqueleto com predomínio de osso trabecular. A fratura femoral é a mais temida complicação da osteoporose, pois resulta em grande morbidade (dor, deformidade e, incapacidade física) e mortalidade, com enormes repercussões sócio-econômicas. Sua incidência tem aumentado em todo o mundo em função da maior sobrevida e do envelhecimento da população mundial. A incidência é maior em mulheres e na população branca. Há uma enorme heterogeneidade no risco de fraturas em diferentes países, sendo que aqueles localizados no norte da Europa chegam a ter uma incidência 10 vezes maior que os do Mediterrâneo. As razões para esta variação estão relacionadas a fatores genéticos e hábitos de vida como níveis de atividade física e de exposição solar.
A idade e a deficiência estrogênica relacionada ao climatério são as causas primárias mais freqüentes de redução da massa óssea.
Figura 1 - Microtomografia com reconstrução em 3D da porção trabecular de uma vértebra, revelando afilamento e descontinuidade das trabéculas.
Figura 2 - Osteoporose
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Existem vários métodos utilizados para a avaliação da massa óssea: densitometria por raios X de dupla energia (DEXA), tomografia computadorizada, ressonância magnética, ultra-som, radiografia simples e biópsia óssea. No entanto, somente a densitometria óssea é indicada para o diagnóstico de osteoporose.
Nas últimas duas décadas, houve um considerável progresso no desenvolvimento de métodos para a avaliação da densidade mineral óssea ( bone mineral density - BMD), que é responsável por cerca de 70% da resistência óssea a fraturas. A excelente correlação entre o risco de ocorrência de fraturas osteoporóticas e a BMD fez com que a OMS, numa reunião de especialistas em 1994, estabelecesse a possibilidade do diagnóstico de osteoporose pelo exame de densitometria óssea, mesmo na ausência de fraturas (2).
Atualmente, a densitometria óssea por DEXA da coluna lombar e dos fêmures proximais é considerada o método padrão ouro para o diagnóstico da osteoporose, para a avaliação do risco de fraturas e para o acompanhamento da evolução da doença. De acordo com os critérios da OMS, utiliza-se o T-score (a média de BMD de adultos jovens normais menos a BMD do paciente, dividido pelo desvio padrão da média de adultos jovens normais) para o diagnóstico da osteoporose: valores até -1.0 desvios padrão da média são considerados normais, valores entre -1.0 e -2.4 d.p. revelam osteopenia, enquanto que valores maiores ou iguais a -2.5 d.p. diagnosticam osteoporose. Cada desvio padrão abaixo da média aumenta de 1,5 a 3,0 vezes o risco de fratura, dependendo do sítio ósseo analisado.
O ultra-som e a densitometria de sítios periféricos (calcâneo, falanges e tíbia) podem ser utilizados para avaliação do risco de fratura, mas não devem ser aplicados para o diagnóstico de osteoporose. Os critérios da OMS usados para os sítios ósseos centrais, coluna e fêmur, se aplicados a sítios periféricos, revelam valores discrepantes quanto à prevalência de osteoporose. Além disso, não há evidências que as avaliações periféricas apresentem sensibilidade para a monitorização terapêutica (3).
O raio X apresenta pouca sensibilidade para o diagnóstico de osteoporose, revelando a perda quando já é maior do que 30-50%. No entanto, é o método de escolha para a verificação de fraturas, por ser simples e acessível. Tanto no diagnóstico quanto no acompanhamento terapêutico, a avaliação radiológica deve acompanhar a densitometria óssea.
A tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM) não são indicadas para o rastreamento diagnóstico de osteoporose, pois são métodos de acesso limitado, têm custo elevado e a TC submete o paciente a níveis elevados de radiação. No entanto, são úteis na caracterização de fraturas, na avaliação de comprometimento neurológico e no diagnóstico diferencial de fraturas compressivas.
A osteoporose primária ocorre em decorrência da deprivação estrogênica do climatério ou do próprio processo de envelhecimento. É muito influenciada por fatores genéticos, embora outras variáveis modificáveis como atividade física e hábitos alimentares também contribuam para seu desenvolvimento.
A osteoporose secundária é definida como resultante de condições clínicas ou uso de medicamentos que contribuem ou estão associados à osteoporose. A incidência de osteoporose secundária é maior na população masculina, podendo corresponder a 64% dos casos de osteoporose em homens (4), enquanto que atinge cerca de 30% das mulheres (5,6). A causa mais freqüente em ambos os sexos é o uso de glicocorticóides para tratar doenças inflamatórias crônicas. Em homens, o hipogonadismo, a hipercalciúria e o alcoolismo são as causas mais freqüentes, além do uso crônico de corticóides.
Pacientes recentemente diagnosticados como osteoporóticos devem ser avaliados de forma a afastar a presença de uma causa secundária. Iniciar um tratamento para osteoporose sem investigar doenças subjacentes pode resultar em insucesso terapêutico e, mais importante, perder-se a oportunidade de identificar causas tratáveis de perda óssea ou mesmo doenças sistêmicas graves como o mieloma múltiplo (7,8).
A avaliação inicial, após uma anamnese e exames físicos detalhados, deve se guiar pelo grau de perda óssea. A maioria dos autores concorda que a avaliação inicial inclui um hemograma com velocidade de hemosedimentação (VHS), cálcio sérico, fósforo, creatinina, eletroforese de proteínas séricas, fosfatase alcalina total ou fração óssea, transaminases e calciúria de 24 horas. A testosterona deve ser dosada em todos os homens osteoporóticos. Os testes de função tiroideana só devem ser pedidos quando há suspeita clínica de hipertiroidismo ou o paciente estiver recebendo medicação hormonal tiroidiana.
Testes laboratoriais adicionais devem ser realizados se os dados obtidos até então sugerirem a presença de uma causa secundária ou em homens e mulheres jovens na pré-menopausa com BMD muito baixo para a sua faixa etária (T- score < -2.0 d.p.).
Na tabela 1 , estão listadas as doenças que devem ser lembradas no diagnóstico diferencial da osteoporose secundária, com ou sem fraturas.
Tabela 1: Causas de osteoporose secundária
Endocrinopatias | Hematológicas/ Infiltrativas de medula | Doenças renais | Doenças do tecido conectivo | Doenças gastrointestinais | Doença pulmonar obstrutiva crônica |
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Hipogonadismo | Mastocitose sistêmica | Acidose tubular renal | Osteogenesis Imperfecta | Doenças colestáticas | Pós-transplante |
Hiperparatiroidismo primário e secundário | Mieloma/Leucemias/Linfomas | Osteodistrofia renal | Síndrome de Marfan | Doenças inflamatórias intestinais | Imobilização |
Hipertiroidismo | Metástases ósseas | Hipercalciúria | Homocistinúria | Doença celíaca | Alcoolismo |
Hipercortisolismo | Síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS) | Espondilite Anquilosante | Nutrição parenteral | Corticoterapia | |
Diabetes mellitus | Neoplasias produtoras de PTHrp | Artrite reumatóide | Gastrectomias | Uso prolongado de heparina, anti-convulsivantes | |
Osteoporose associada à gravidez | Hemocromatose | Tabagismo |
O encontro de diminuição da reserva funcional hepática e, particularmente, de doenças obstrutivas está associado à chamada "osteodistrofia hepática", que pode se manifestar como osteoporose e/ou osteomalácia secundárias à má-absorção.
O déficit de função renal, provocando hiperfosfatemia, hipocalcemia e deficiência de produção de vitamina D ativa, induz à elevação dos níveis de PTH, caracterizando então um hiperparatiroidismo secundário.
A observação de hipercalcemia com valores normais altos (inadequados para os níveis de cálcio) ou francamente elevados de PTH fazem o diagnóstico de hiperparatiroidismo primário.
Hipoalbuminemia, com cálcio e fósforo baixos, e anemia sugerem desnutrição, tanto primária (déficit nutricional, anorexia nervosa) quanto a decorrente de doenças crônicas ou síndromes de má-absorção gastro-intestinais. O encontro de calciúria de 24 horas inferior a 50mg, com ingestão de cálcio normal (acima de 600g/d), vai reforçar a suspeita de um quadro de má-absorção, seja por doenças gastro-intestinais, doença celíaca e/ou por deficiência de vitamina D. Valores de calciúria superiores a 4mg/kg de peso/dia para crianças, ou 200mg/24h para mulheres e 300mg/24h para homens, indicam hipercalciúria, que pode ser por perda renal primária de cálcio, hipercalciúria absortiva (idiopática ou associada a doenças granulomatosas ou hematológicas que induzem a uma maior produção de vitamina D) ou por reabsorção óssea excessiva (malignidade, hiperparatiroidismo, doença de Paget).
Doenças mielo ou linfoproliferativas malignas podem se apresentar com anemia, alterações de leucócitos e plaquetas e alterações das proteínas séricas. Atenção especial deve ser dada ao diagnóstico de mieloma múltiplo, em função da prevalência da doença a partir dos 50 anos e por estar tipicamente associado à osteoporose e fraturas.
Os níveis de 25 hidroxivitamina D, o melhor índice da reserva de vitamina D corporal, ou de 1-25 (OH) vitamina D, o metabólito ativo, devem ser avaliados quando houver suspeita de osteomalácia, seja nutricional ou de causa genética.
Quanto aos marcadores do metabolismo ósseo, discutidos em detalhe em outro capítulo deste manual, não apresentam utilidade clínica para o diagnóstico de osteoporose. No entanto, existem evidências clínicas de sua utilidade na escolha terapêutica, ou seja, as pacientes com metabolismo ósseo mais acelerado, as perdedoras rápidas de osso, se beneficiam mais do uso de estrogênios ou drogas anti-reabsortivas do que as mulheres com turnover normal ou reduzido. No entanto, os níveis dos marcadores não são capazes de predizer a perda óssea ou o risco de fraturas para dado paciente em particular, principalmente em função da enorme variabilidade individual e mesmo diária dos valores normais.
A estrogenioterapia diminui os valores tanto dos marcadores de reabsorção quanto de formação ósseos, os quais voltam aos níveis pré-menopausais em três a seis meses de terapia. As respostas aos bisfosfonatos são ainda mais rápidas após seis semanas de tratamento, particularmente dos marcadores de reabsorção. Deste modo, os marcadores podem auxiliar o médico na monitorização da aderência ao tratamento.
Por outro lado, a utilização dos marcadores para predizer a resposta ao tratamento, permanece controversa. Chesnut e col (9) observaram que as pacientes que apresentaram uma queda de 30% nos valores de NTX durante 12 meses de tratamento com estrogênio, ganharam 2.2 mais massa óssea que as que mantiveram os mesmos níveis iniciais do marcador. Entretanto, 57% destas mulheres que não atingiram os 30% de queda do NTX também apresentaram algum ganho ou mantiveram a massa óssea. A monitorização do tratamento da osteoporose pelos marcadores pode melhorar a aderência do paciente, já que as alterações dos valores de BMD só serão observadas na densitometria após pelo menos um ano.
1. Melton LJ III. Epidemiology of vertebral fractures in women. Am J Epidemiol 1989;129:1000-10.
2. Kanis JA, Melton III LJ, Christiansen C, Johnston CC, Khaltaev N . The Diagnosis of Osteoporosis. J Bone Miner Res 1994; 9:1137-41.
3. Miller PD, Njeh CF, Jankowski LG, Lenchik L. International Society for Clinical Densitometry Position Development Conference. J Clin Densitom 2002;5 (suppl) :S39-S45.
4. Orwoll ES, Klein RF. Osteoporosis in men. Endocr Rev 1995;16:87-116.
5. Johnson BE, Lucasey B, Tobinson RG, Lukert BP. Contributing diagnoses in osteoporosis. Arch Intern Med 1989;149:1069-72.
6. Cummings SR, Nevitt MC, Browner WS, et al., for the Study of Osteoporotic Fractures Research Group. Risk factors for hip fracture in white women. N Engl J Med 1995;332:767-73.
7. Eddy DM, Cummings SR, Johnston CC, et al. Osteoporosis: review of the evidence for prevention, diagnosis and treatment and cost- effectiveness analysis. Osteoporos Int 1998; 8:S1-S88.
8. Tannenbaum C, Clark J, Schwartzman K, et al. Yield of laboratory testing to identify secondary contributors to osteoporosis in otherwise healthy women. J Clin Endocrinol Metab 2002;87:4431-7.
9. Chesnut CH III, Bell NH, Clark GS, et al. Hormone Replacement therapy in postmenopausal women: urinary N-telopeptide of type I Collagen monitors therapeutic effect and predicts response of bone mineral Density. Am J Med 1997;102:29-37.