Raquitismo e osteomalacia

Tópicos presentes neste capítulo

  • Introdução  
  • Histopatologia  
  • Parâmetros bioquímicos  
  • Referências bibliográficas  

Conteúdo

Introdução

Raquitismo é um distúrbio da mineralização da matriz óssea ou osteóide em ossos ainda em crescimento. O processo envolve tanto a placa de crescimento epifisial quanto o osso cortical e trabecular. A osteomalácia também é um defeito de mineralização óssea, mas ocorre após o término do crescimento e, portanto, só atinge a porção corticoendosteal do osso (1).

O defeito de mineralização está relacionado a deficiências de cálcio e/ou fósforo, provocadas por inúmeras razões. As causas mais freqüentes são deficiências nutricionais de vitamina D; cálcio; fósforo; doenças gastrointestinais crônicas, particularmente a cirrose biliar primária; nutrição parenteral prolongada; lesões tubulares renais; insuficiência renal crônica; e a osteomalácia induzida por drogas como alumínio, barbitúricos, colestiramina, flúor e bisfosfonatos.

Outras causas, embora raras, devem ser lembradas: raquitismo dependente de vitamina D tipo I (defeito hereditário da 25 (OH)D- 1-hidroxilase renal) e tipo II (resistência periférica por defeito hereditário no receptor de vitamina D), raquitismo hipofosfatêmico ligado ao cromossomo X , hipofosfatemia oncogênica e a hipofosfatasia (erro inato do metabolismo caracterizado por atividade subnormal da fosfatase alcalina).

Histopatologia

Os sinais característicos observados na histomorfometria estão relacionados ao tecido osteóide: maior espessura, maior extensão e menor grau de mineralização. A frente de mineralização óssea, na junção entre o osso mineralizado e o osteóide, normalmente é marcada intensamente pela tetraciclina. No entanto, na osteomalácia ou no raquitismo, esta marcação está ausente ou apresenta-se muito tênue.

As superfícies de reabsorção podem estar aumentadas ou não, dependendo da presença de hiperparatiroidismo secundário à hipocalcemia.

Diagnóstico

As manifestações clínicas gerais, independentes da causa da osteomalácia ou do raquitismo, são hipotonia, fraqueza muscular, dor óssea generalizada, deformidades de ossos longos, cifose torácica e lordose e fraturas patológicas. Em crianças, observa-se déficit de crescimento e podem ocorrer alguns sinais característicos como a proeminência da junção costocondral, o chamado "rosário raquítico" e anormalidades cranianas como o amolecimento do calvarium ( craniotabes ), achatamento dos parietais e bossa frontal.

As alterações radiológicas mais freqüentes são vistas em ossos longos: adelgaçamento das corticais, rarefação óssea, alargamento das metáfises e espessamento e irregularidade da cartilagem epifisial. Pequenas linhas radioluscentes corticais, em ângulo reto com a diáfise, geralmente simétricas e bilaterais, indicam fraturas de stress (Zonas de Looser).

Parâmetros bioquímicos

Os achados bioquímicos nas osteomalácias de etiologia mais comuns incluem valores baixos ou normais de cálcio e fósforo e níveis elevados da fosfatase alcalina, refletindo o aumento da remodelação óssea. Podemos observar ainda hiperparatiroidismo secundário (níveis de PTH elevados) e níveis baixos de 25 (OH) D, a forma em que a vitamina D é armazenada no organismo. No entanto, os valores de 1-25 (OH) D, a forma ativa da vitamina D, estão normais ou até elevados pelo estímulo pelo PTH e pela hipofosfatemia.

Já nos casos incomuns de raquitismo, os valores de cálcio/fósforo, vitamina D e PTH estão relacionados à origem da doença. Os raquitismos dependentes de vitamina D, tipo I ou tipo II, são erros inatos do metabolismo caracterizados pelos sinais clínicos, radiológicos, bioquímicos e histológicos da deficiência clássica de vitamina D mas que não respondem adequadamente às doses de reposição do metabólito ativo 1-hidroxilado da vitamina D. As duas síndromes diferem nos níveis circulantes de 1-25 (OH) D, na resposta terapêutica à vitamina D e no defeito genético primário. Desta forma, no raquitismo tipo I, o defeito na 25 (OH) D-1-hidroxilase renal impede a conversão adequada da 25 (OH) D na forma ativa 1-25 (OH) D, estando este hormônio em níveis muito reduzidos. No raquitismo tipo II por resistência periférica do receptor de Vitamina D, o paciente apresenta hipocalcemia, hipofosfatemia e hiperparatiroidismo secundário, apesar dos níveis muito elevados da 1-25 (OH) D. Embora as manifestações clínicas dos dois tipos de raquitismo hereditário dependente de vitamina D sejam semelhantes, dois terços dos pacientes com o tipo II apresentam alopécia e mais raramente outros defeitos ectodérmicos como cistos epidérmicos e oligodentia (2).

No raquitismo hipofosfatêmico, embora as manifestações clínicas e radiológicas sejam similares aos casos com deficiência de cálcio, o acúmulo de tecido osteóide não mineralizado é mais exuberante. Como a calcemia é normal,não há hiperparatiroidismo secundário e, portanto, não há excesso de reabsorção óssea. Desta forma, no exame de densitometria óssea não vamos observar osteopenia, como nas demais causas de osteomalácia.

O raquitismo hipofosfatêmico oncogênico é causado pela produção tumoral de um fator que age particularmente nos túbulos renais, inibindo a reabsorção proximal de fósforo (3). A síndrome caracteriza-se pela remissão da hipofosfatemia e da doença óssea, após a retirada de um tumor coexistente. Embora a maioria dos pacientes apresente tumores de origem mesenquimal, já foram descritos casos associados com carcinoma mamário, prostático, carcinoma de pequenas células, oat cell carcinoma, mieloma múltiplo e leucemia linfocítica crônica. Os achados bioquímicos caracterizam-se por hipofosfatemia e por diminuição da reabsorção tubular de fósforo (Tm P/ RFG). É importante salientar que crianças apresentam valores normais de fósforo consideravelmente mais elevados que adultos e, portanto, a síndrome pode se manifestar com hipofosfatemias mais discretas do que as observadas em adultos.

A hipofosfatasia é uma doença hereditária rara caracterizada por atividade subnormal das isoenzimas óssea, hepática e renal da fosfatase alcalina, não afetando as isoenzimas intestinal e placentária. A doença afeta predominantemente o esqueleto e a dentição, com grande variabilidade de expressão. A severidade das manifestações clínicas da hipofosfatasia está relacionada com a idade de aparecimento das lesões ósseas, desde a forma intra-útero, geralmente letal, até formas discretas em adultos. A doença é diagnosticada quando existem sinais e sintomas característicos de raquitismo ou osteomalácia, com a presença de fosfatase alcalina baixa (hipofosfatasemia). Os níveis de cálcio e fósforo na hipofosfatasia também são diferentes das outras causas de raquitismo/osteomalácia, pois geralmente estão elevados assim como os níveis de 25 (OH) D e 1-25 (OH) D, que encontram-se normais (4).

Diagnóstico

Se houver uma suspeita clínica e os achados laboratoriais e radiológicos sugerirem osteomalácia, pode-se realizar uma prova terapêutica administrando-se doses farmacológicas de vitamina D. No entanto, em alguns casos, somente a biópsia óssea e o estudo do tecido ósseo não descalcificado pela histomorfometria poderá confirmar o diagnóstico.

A biópsia óssea com histomorfometria encontra no raquitismo e na osteomalácia suas principais indicação clínicas, particularmente no raquitismo resistente à vitamina D, na osteodistrofia renal, no raquitismo secundário a deficiências nutricionais e ao uso de anticonvulsivantes.

Referências bibliográficas

1. Klein GL, Simmons DJ. Nutricional rickets: thoughts on pathogenesis. Ann Med 1993;25:379-86.
2. Liberman UA, Marx SJ. Vitamin D -Dependent Rickets. In Primer on the Metabolic Bone Diseases and Disorders of Mineral Metabolism, 4 th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins 1999;323-9.
3. Wilkins GE, Granleese S, Helege RG, Holden J, Anderson DW, Bondy GP. Oncogenic osteomalacia: evidence for a humoral phosphaturic factor. J Clin Endocrinol Metab 1995;80:1628-34.
4. Whyte MP. Hypophosphatasia. In Primer on the Metabolic Bone Diseases and Disorders of Mineral Metabolism, 4 th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins.,1999;337-9.