No contexto do estudo vascular intracraniano, as técnicas angiográficas por tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM) têm papel de bastante destaque. As imagens de angio-TC e angio-RM têm aproximado cada vez mais daquelas da angiografia com subtração de imagens digitais, que ainda são consideradas padrão-ouro.
A TC tem como vantagens a maior disponibilidade, menor custo e maior rapidez do exame, que são fatos importantes visto que se trata de pacientes muitas vezes não cooperativos. O exame tradicional é voltado à investigação inicial de sangramentos parenquimatosos ou para o acompanhamento de algumas lesões.
A angio-TC atualmente pode ser obtida com equipamento helicoidal ou preferencialmente com aqueles multi-slice, para obtenção de imagens seqüenciais na região de interesse, utilizando-se o contraste iodado endovenoso. O planejamento temporal é importante, pois a aquisição é ultra-rápida e deve coincidir com o momento de maior opacificação dos vasos. A reconstrução tridimensional das imagens pelas técnicas de projeção de intensidade máxima (MIP) e reconstrução de superfície ou de volume é feita por pessoal treinado, preferencialmente médico, e o resultado é a caracterização do polígono de Willis e seus ramos principais com boa resolução e conspicuidade.
Dificuldades técnicas, como por exemplo, a semelhança dos coeficientes de atenuação do osso e do contraste não permite em muitos casos a precisa delimitação das lesões entre estas duas interfaces. Nestes pontos a análise baseia-se nos imagens fonte, bidimensionais.
As contra-indicações da angio-TC são as mesmas do uso de radiação ionizante e/ou de contraste iodado.
A RM oferece outras ferramentas diagnósticas, nas avaliações estruturais (resolução espacial, avaliação em 3 planos, estudo do parênquima encefálico) além do uso concomitante de técnicas funcionais como difusão, perfusão, ativação cerebral, espectroscopia. A angio-RM é realizada quando há tempo e indicação para melhor caracterização da lesão. A maior indicação da angio-RM é o estudo dos sistemas arterial ou venoso intracranianos (Figura 1).
Figura 1: Angio-RM arterial do encéfalo. Os estudos com angio-RM do encéfalo permitem a adequada caracaterização dos vasos do polígono de Willis e oferecem a possibilidade de estudar esses vasos de forma não invasiva. Os diagnósticos de aneurismas, principamente aqueles pequenos, devem ser sempre confirmados com estudos angiográficos digitais.
Enquanto nas seqüências convencionais os vasos não exibem sinal (flow void) na angio-RM o sangue tem mais sinal que o tecido estacionário, devido a pulsos de saturação e subtração de imagens, o que permite o estudo detalhado da árvore vascular.
A angio-RM pode ser realizada por técnicas diferentes com ou sem o uso de contraste para-magnético endovenoso, sendo a drenagem venosa do encéfalo completamente avaliada (Figura 2).
Figura 2: Angio-RM venosa do encéfalo. Os estudos com contraste (gadolínio) constituem uma ótima opção de estudo da drenagem venosa do encéfalo e permitem o diagnóstico correto de alterações anatômicas e de fluxo, com a vantagem de demonstrar a luz das veias corticais e dos seios venosos, bem como as estruturas adjacentes.
As imagens arteriais demonstram as principais artérias do sistema carotídeo e vértebro-basilar, porém com algumas limitações em regiões onde o fluxo é turbulento ou lento, e nos segmentos vasculares distais com vasos de pequeno calibre.
As principais indicações de angio-RM são a suspeita ou o estadiamento de doença vascular oclusiva com localização da estenose, suspeita de dissecção vascular, malformações arterio-venosas intracranianas e na pesquisa de aneurismas cerebrais (Figuras 3 e 4). Na pesquisa de aneurismas deve ser considerado o fato de que há a necessidade de confirmação com estudo angiográfico digital nos casos positivos e nos negativos em que a suspeita clínica é muito forte.
Figura 3: Aneurisma cerebral estudo por angio-RM. Observe a pequena imagem de adição ao contorno da artéria comunicante anterior cujo estudo angiográfico por RM confirma tratar-se de um aneurisma sacular com orientação cranial e contorno regular. O estudo por RM permite afastar a possibilidade de hemorragia subaracnóide aguda pela seqüência FLAIR com resultados mais confiáveis que a TC e demonstra ainda a hipoplasia do segmento A1 direito.
Figura 4: Aneurisma sacular na bifurcação da carótida. Diversos métodos permitem o diagnóstico de aneurisma cerebral, entretanto, atualmente tem ocorrido grande melhora dos exames de angio-TC e angio-RM. Observe a boa correlação entre a TC, angio-TC com reconstrução 3D e a angiografia digital. O aneurisma tem cerca de 2,0 cm e é possível um estudo detalhado do polígono de Willis.
A avaliação da aterosclerose deve incluir a análise dos vasos cervicais. As artérias perfurantes e as mais profundas não são caracterizadas nos estudos de angio-RM, apesar do conhecimento da importância delas no contexto das lesões lacunares da hipertensão.
A importância da angio-RM torna-se maior nos casos de contra-indicação da angiografia digital ou quando há limitações inerentes ao procedimento invasivo (risco de sangramentos), ou mesmo quando existe contra-indicação ao uso do contraste iodado.
Na avaliação de dissecção arterial, seja traumática ou espontânea, a RM pode caracterizar o trombo e a presença de hemorragia parietal (Figura 5). A angio-RM é mais utilizada no controle da re-canalização de oclusão completa, no acompanhamento da resolução do dano vascular pelo trombo intramural ou suas complicações.
Figura 5: Legenda dissecção de carótida interna: indivíduo jovem com dor cervical súbita cujo estudo de RM demonstra infarto cerebral agudo frontal alto. A angio-RM confirma a presença de dissecção da carótida interna direita. Observe o afilamento e retificação da carótida direita.
Para a pesquisa de aneurismas, a angio-TC ainda tem indicação restrita. As pequenas dimensões dos mesmos muitas vezes não permitem o diagnóstico. A angio-TC, como referido anteriormente, tem como limitação a proximidade do polígono de Willis, sede da maior parte dos aneurismas intracranianos, com os ossos da base do crânio.
A angio-RM permite o diagnóstico mais seguro de aneurismas com mais que 03mm. Além de algumas vantagens da resolução espacial a RM oferece a possibilidade de estudo do parênquima, bem como a maior eficiência de algumas seqüências (FLAIR e ecogradiente T2) para a detecção de hemorragia subaracnóide.
Uma limitação da angio-RM é a análise de segmentos próximos a bifurcações ou ramificações, onde o turbilhonamento fisiológico do fluxo pode dificultar a caracterização de eventuais aneurismas. Para estes casos, o método de escolha é a angiografia digital, que apesar do seu caráter invasivo e da presença de radiação, oferece a opção terapêutica, além da melhor capacidade diagnóstica.
Na avaliação das artérias cervicais podem ser empregadas seqüências semelhantes às intracranianas, sendo utilizado o 3D TOF com tempo arterial que pode ser realizado com ou sem a injeção endovenosa do gadolínio.
Os estudos comparativos entre os métodos diagnósticos (Doppler, angio-TC, angio-RM e angiografia digital) na avaliação de ateromatose do sistema carotídeo, consideram a avaliação inicial com Doppler, para screening. A quantificação do grau da estenose é obtida no Doppler cervical como resultado da avaliação bidimensional e de velocidade. Na angio-RM a velocidade do fluxo é inferida através da intensidade de sinal no vaso (contraste), então a graduação da estenose restringe-se à avaliação do calibre do vaso. Os critérios do NASCET (North American Symptomatic Carotid Endarterectomy Trial) destacam a importância da estimativa do grau de estenose, pois observou redução do risco de AVC em 17% dos pacientes sintomáticos sem lesões distais ou aneurismas, com estenose superior a 70%, que foram submetidos a endarterectomia ou colocação de stent. Esse valor cai para 5,9%, mas ainda é bem significativo, para pacientes assintomáticos com estenoses superiores a 60%. Deve ser lembrado que a angio-RM tende a superestimar a estenose, devido ao fato da graduação do fluxo ser dada pelo contraste e não pela velocidade (Figura 6).
Figura 6: Ultra-sonografia e angio-RM de carótida. O estudo ultra-sonográfico permite a caracterização precisa de placas de ateroma e também a estimativa do grau de estenose vascular. Entretanto, a angio-RM permite a estimativa mais fidedigna em casos de estenose severa. Observe o estreitamento luminal da ACIE determinado por placa de ateroma.
O estudo da parede vascular e da placa de ateroma quanto ao predomínio dos seus componentes gorduroso, de fibrose ou calcificação, assim como a caracterização de sua superfície é de grande valia para o cirurgião vascular, uma vez que as placas heterogêneas têm maior risco de embolização arterio-arterial. Esta caracterização, no entanto, não é possível pela angiografia digital. A ultra-sonografia com Doppler colorido avalia a espessura da parede e a heterogeneidade das placas, mas a presença de calcificação pode constituir um fator limitante nas placas localizadas na parede anterior dos vasos, devido à sombra acústica por elas causadas, que impede a amostragem de velocidade na região. Além disso, a sensibilidade para a detecção de úlceras é baixa, menor que 60%. A TC avalia bem as placas calcificadas e com estudo direcionado, permite também a caracterização de gordura/fibrose (Figura 7). A RM, com suas imagens ponderadas em T1 e T2, também permite a avaliação de hemorragia intra-placa.
Figura 7: Angio-TC carótidas. A angio-TC é mais um método disponível para o estudo da bifurcação carotídea e constitue a melhor opção para a análise fidedigna do grau de estenose quando existem placas calcificadas extensas que dificultam o estudo ultra-sonográfico e que também são subestimadas na angio-RM. A TC permite a caracterização do material que constitui a placa, além de oferecer no plano axial a melhor análise do grau de estenose.
No estudo pós-operatório, o stent causa artefatos lineares na TC que dificultam a avaliação da parede, isso acontece em menor grau na RM. É conveniente ressaltar que a maioria dos stents atuais é compatível com o campo magnético da RM.
Os estudos de TC e RM permitem a avaliação detalhada da circulação arterial intra e extracraniana com suas diversas aplicações. Atualmente dispomos também da possibilidade de estudas a microcirculação intracraniana através de exames de perfusão cerebral. Esta técnica é bastante recente e ainda necessita de aprimoramentos, entretanto, já está estabelecida sua aplicação para os casos de estenose intra ou extracraniana quando se pretende estudar a repercussão da estenose sobre a perfusão cerebral. Desta forma, é possível comparar a perfusão de diferentes regiões do encéfalo e através dos mapas obtidos é possível estimar diferentes informações sobre o tempo de chegada e de passagem do contraste paramagnético, bem como o volume sanguíneo cerebral e o fluxo sanguíneo cerebral. Estes mapas obtidos são semiquantitativos e são obtidos a partir da comparação da passagem dinâmica do agente de contraste paramagnético.
Referências
1. Ogilvy CS, Lustrin ES, Brown JH Computerized Tomographic Angiography (CTA) Assists in the Evaluation of Patients with Intracranial Aneurysms.
2. Kuszyk BS, Heath DG, Johnson PT, Fishman EK. CT angiography with volume rendering: in vitro optimization and evaluation of accuracy in quantifying stenoses. AJR 168(3):79, 1997.
3. Chien D, Anderson CM, Lee RE. MR Angiography: Basic Principles, in Edelman RR, Hesselink JR, Zlatkin MB, eds., Clinical Magnetic Resonance Imaging, 2nd edition, W.B. Saunders, Philadelphia, 1996, pp. 271-301.
4. Barnett HJM, Taylor MA, Haynes RB, et al. Beneficial effect of carotid endarterectomy in symptomatic patients with high-grade carotid stenosis. N Engl J Med 325:445-53, 1991.