A avaliação por imagem das doenças inflamatórias / infecciosas do sistema nervoso central progrediu bastante desde o advento da tomografia computadorizada (TC).
A TC é um método que se tornou bastante acessível na atualidade, apresentando algumas facilidades que ajudaram na sua ampla difusão. Trata-se de um exame de execução rápida o que facilita a avaliação de pacientes com quadros confusionais e de agitação psicomotora. Permite uma adequada análise das cavidades paranasais e mastóides facilitando a detecção de lesões inflamatórias que por extensão direta possam acometer o encéfalo. A utilização endovenosa do meio de contraste iodado permite a detecção de alterações na barreira hemato-encefálica ou mesmo de realces meníngeos anômalos. Desta forma, em geral, a TC com contraste endovenoso é utilizada na abordagem inicial dos pacientes com suspeita de lesão inflamatória.
As principais desvantagens da TC consistem na resolução anatômica, e da limitação do método para a avaliação da fossa posterior e, em menor grau, dos lobos temporais, devido à presença de artefatos nessas regiões provenientes das estruturas ósseas adjacentes. Em comparação com a ressonância magnética (RM) a TC tem menor conspicuidade e a limitação de planos de cortes.
A RM sem dúvida representa um grande avanço na neurorradiologia. A resolução de imagem associada à sua capacidade multiplanar implementaram bastante o diagnóstico das afecções neurológicas, incluindo as lesões inflamatórias/infecciosas do sistema nervoso. É um método altamente sensível às alterações do conteúdo hídrico do tecido encefálico, condição quase que invariavelmente presente nessas afecções. A RM tem grande sensibilidade também na identificação de produtos de degradação da hemoglobina sendo bastante útil na detecção de lesões com componente hemorrágico. Além disso, é um excelente método para a avaliação da fossa posterior já que não sofre interferência de artefatos oriundos de estruturas ósseas.
As principais desvantagens da RM incluem o tempo de execução do exame, que por ser relativamente longo a torna susceptível a artefatos de movimento, em casos de pacientes não colaborativos ou mesmo torna necessária a sedação/anestesia. Calcificações e anormalidades ósseas podem ser de difícil detecção. Outro grande inconveniente é que os equipamentos de monitorização dos pacientes em estado grave não podem ser utilizados na sala de exame devendo ser substituídos no momento do exame por aparelhagem específica para uso em ambientes com alto campo magnético.
Nas infecções congênitas do encéfalo a RM apresenta grande utilidade na detecção de distúrbios de migração neuronal, alterações arquiteturais de sulcos e giros, bem como de outras malformações associadas, mesmo no período intra-útero. No entanto, para a detecção de calcificações comumente encontradas nessas infecções, a TC apresenta sensibilidade superior.
Infecções granulomatosas, comuns no nosso meio, como a neurocisticercose têm resultados muito bons pela análise multiplanar de RM. Exceto nas formas calcificadas, onde a TC apresenta vantagem sobre a RM, todas as outras formas de apresentação parenquimatosa, cisternal e ventricular da doença são melhor analisadas através das seqüências sem e com contraste da RM. A caracterização de escólex, a análise mais detalhada do conteúdo do cisto e demonstração de realce vesicular ou nodular são exemplos de vantagens. Além disso, a RM é melhor na análise de viabilidade e no acompanhamento das lesões parenquimatosas, mostrando muito melhor também os cistos cisternais e ventriculares (Figura 1). Na suspeita de um cisto intra-ventricular um estudo multiplanar de RM está sempre indicado, pois pode demonstrar melhor o cisto, a coexistência de outras lesões e permite caracterizar a ocorrência de ependimite, auxiliando na escolha do tratamento cirúrgico ou medicamentoso, com ou sem derivação ventricular.
Recentemente a RM foi utilizada para demonstrar cistos cisternais através da inalação contínua de oxigênio a 100% em sistema fechado de máscara facial, que permite a elevação do sinal do LCR quando usamos seqüência FLAIR.
Figura 1: RM do encéfalo de um paciente com neurocisticercose intra-ventricular (IV ventrículo). A RM é o melhor método para a demonstração de cistos intra-ventriculares e neste caso evidencia um volumoso cisto no IV ventrículo que obstrui a circulação liquórica.
As complicações inerentes às doenças inflamatórias/infecciosas podem ser identificadas mais precocemente com a RM do que com a TC, incluindo lesões parenquimatosas pequenas, ventriculite, trombose de seios venosos, empiemas subdurais e lesões isquêmicas.
A seqüência ponderada em difusão permite a detecção precoce de lesões isquêmicas em pacientes que apresentam déficits agudos. A difusão exerce, ainda, importante papel na distinção entre abscessos e tumores cerebrais primários ou secundários, sendo que os primeiros, por apresentarem alta viscosidade, restringem o movimento randômico das moléculas de água (Figura 2).
Figura 2: TC sem e com contraste EV em um paciente com abscesso cerebral. Volumosa formação expansiva com fino realce anelar que delimita área de liquefação central. Observe o extenso edema vasogênico peri-lesional e a menor espessura do anel de realce na face medial da lesão, além da presença de outras "lesões jovens" adjacentes e no hemisfério contra-lateral.
Meningites bacterianas podem complicar-se com empiemas subdurais ou apresentar coleções subdurais estéreis. A distinção entre essas duas condições é importante e pode ser feita com a difusão, onde os empiemas também apresentam hipersinal devido à restrição da movimentação da água. As coleções estéreis têm sinal semelhante ao do líquor e não restringem a difusão. Nenhum método de diagnóstico por imagem substitui o exame clínico ou a avaliação laboratorial do líquor no contexto de meningite bacteriana ou viral, sendo estes métodos reservados apenas para os casos com evolução inadequada, com suspeita de complicações.
Nos casos de encefalite existem padrões característicos de comprometimento do encéfalo que auxiliam na diferenciação diagnóstica. Um grande exemplo disso é a distinção entre infecção por herpes vírus tipo I e tumor infiltrativo do lobo temporal e ínsula, utilizando imagens de RM. Na encefalite herpética observa-se além da distribuição característica, um edema citotóxico no tecido necrótico cursando com restrição da difusão, o que ajuda na diferenciação (Figura 3).
Figura 3: RM do encéfalo de um indivíduo com meningoencefalite herpética. O padrão apresentado é altamente sugestivo de herpes devido à distribuição da lesão na região têmporo-insular. Há aumento do volume das regiões acometidas que também apresentam tênue impregnação meníngea e pequenos focos de hemorragia superficial. Observe ainda o comprometimento menos intenso do lobo temporal contra-lateral.
Em casos de encefalites crônicas com a doença de Creutzfeldt-Jakob a seqüência ponderada em difusão evidencia lesões hiperintensas nos núcleos da base e na superfície cortical, achados bastante importantes para o diagnóstico precoce. Este aspecto é observado mesmo em casos iniciais e tem se mostrado de grande valia, pois somado aos padrões clínicos de evolução e EEG, praticamente assegura o diagnóstico dessa doença.
As seqüências angiográficas de RM podem ser usadas para a caracterização de estreitamentos vasculares secundários ao processo inflamatório, principalmente cisternal, e também podem ser usadas no diagnóstico de trombose de seios venosos. A RM com estudo angiográfico dos seios venosos constitui atualmente o método de escolha para o diagnóstico de trombose venosa cerebral, podendo ser usada também para o acompanhamento do paciente, com estimativa precisa do grau de recanalização do seio.
A complicação de uma meningite bacteriana ou de derivação ventricular com ventriculitepode ser facilmente identificada através da observação de realce ependimário na TC e principalmente nas seqüências pós-contraste de RM. A avaliação multiplanar da RM e sua alta resolução anatômica permitem um estudo mais detalhado da superfície ependimária e este é o método de escolha nesse contexto, pois demonstra o conteúdo de debris no interior do ventrículo, formando nível líquido.
Algumas afecções como sarcoidose, citomegalovirose, tuberculose e neuroborreliose podem acometer nervos cranianos, cuja avaliação tem se tornado mais confiável por estudos de alta resolução com RM. O diagnóstico e o acompanhamento evolutivo podem ser feitos sem dificuldades, desde que a história clínica e o exame físico estejam disponíveis para se fazer um estudo direcionado de um nervo ou de uma região específica.
Os processos patológicos inflamatórios acometendo a medula e seus envoltórios e as raízes nervosas são mais bem avaliados pela RM, incluindo as aracnoidites, poliradiculopatia aguda, mielite transversa e lesões desmielinizantes.
Estima-se que cerca de 30 - 70% dos pacientes com a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) desenvolvam manifestações neurológicas. Vale ressaltar que as alterações observadas nos exames de imagem estão diretamente relacionadas ao grau de comprometimento imunológico dos pacientes. A TC e, principalmente, a RM desempenham um papel fundamental na avaliação desses pacientes permitindo estabelecer, na maioria dos casos um diagnóstico preciso proporcionando, desta maneira, um início precoce do tratamento. Nesse contexto, as neuroinfecções podem ser primárias (causadas pelo próprio HIV) ou secundárias (agentes oportunistas). As mais comuns, dentre as infecções secundárias são: toxoplasmose, tuberculose, criptococose e a leucoencefalopatia multifocal progressiva (LEMP).
A encefalopatia pelo HIV consiste em uma demência subcortical progressiva que é uma forma de encefalite subaguda que acomete mais de 60% dos indivíduos com AIDS. A atrofia é o achado mais comum nos exames de imagem traduzindo uma perda axonal. Algumas áreas de alteração do sinal podem ser detectadas nos estudos de RM, representando áreas de desmielinização e gliose que tendem a acometer preferencialmente a substância branca dos lobos frontais (Figura 4).
Figura 4: Encefalopatia HIV: a encefalopatia pelo HIV apresenta um aspecto inespecífico na RM e caracteriza-se geralmente por áreas de hipersinal em T2 e FLAIR na substância branca cerebral, associada a atrofia cortical e subcortical, sem efeito expansivo ou impregnação anormal pelo gadolínio.
A toxoplasmose é a infecção oportunista mais comum em pacientes com AIDS sendo que os locais mais acometidos são os núcleos da base e a transição córtico-subcortical dos hemisférios cerebrais. As lesões podem ser solitárias ou múltiplas e, em geral, apresentam um aspecto "de alvo excêntrico", com edema vasogênico peri-lesional. As lesões tendem a apresentar realce anelar ou nodular após a administração do contraste endovenoso. No entanto, esse realce pode não estar presente naqueles pacientes severamente imunocomprometidos, devido à incapacidade dos mesmos de desenvolver uma resposta inflamatória adequada (Figura 5).
Figura 5: Toxoplasmose: as lesões demonstradas pelos métodos de imagem dependem do grau de imunidade que o paciente ainda apresenta. Nesse caso, observe múltiplas lesões anelares com foco nodular excêntrico, na transição cortico-subcortical com extenso edema peri-lesional.
A tuberculose continua, ainda hoje, a representar um importante problema de saúde pública em nosso meio sendo mais comum em países com baixas condições sócio-econômicas. As principais formas clínico-patológicas da tuberculose são a meningite tuberculosa que acomete predominantemente as cisternas da base (Figura 6) e os tuberculomas, que tipicamente resultam de disseminação hematogênica do agente, acometendo indivíduos imunocomprometidos. Na maioria das vezes são lesões solitárias, podendo ser múltiplas em cerca de 10 - 35% dos pacientes, apresentando realce anelar ou nodular após a administração do meio de contraste.
Figura 6: Meningite tuberculosa: a meningite tuberculosa caracteriza-se por realce cisternal, principalmente nas fissuras sylvianas e cisternas da base, além de infartos profundos (núcleos da base e cápsulas) e hidrocefalia, devido à obstrução do fluxo liquórico.
A criptococose é uma infecção fúngica que atinge o SNC por via hematogênica. Em pacientes imunocompetentes manifesta-se na forma de meningite enquanto que em imunocomprometidos observamos lesões parenquimatosas (criptococomas) e disseminação de pseudo-cistos gelatinosos através dos espaços peri-vasculares de Virchow-Robin determinando alargamento dos mesmos, notadamente nos núcleos da base, o que é facilmente detectado pela RM.
A leucoencefalopatia multifocal progressiva é causada pelo vírus JC (grupo dos papovavírus) que infecta e destrói os oligodendrócitos. Desta forma observamos extensas áreas de desmielinização e perda axonal acometendo predominantemente a substância branca, poupando a substância cinzenta. Inicialmente notamos o comprometimento da substância branca subcortical e a medida em que as lesões vão crescendo, tendem a confluir. A RM é a modalidade de escolha para o diagnóstico dessa enfermidade (Figura 7).
Figura 7: LEMP: o diagnóstico por imagens da LEMP caracteriza-se por lesões mulitfocais na substância branca, com comprometimento progressivo a partir da região subcortical (fibras U). As lesões mais antigas tendem a apresentar atrofia cortical adjacente, sem impregnação pelo gadolínio.
São inúmeras as causas de infecção do sistema nervoso central em pacientes com deficiência imunológica. O diagnóstico precoce e preciso faz-se necessário para aumentar a sobrevida desses pacientes, detectar as possíveis complicações desses processos reduzindo, assim, a incidência de danos irreversíveis.