A primeira detecção de alteração cromossômica em doença neoplásica deu-se em 1960 com a descrição do cromossomo Philadelphia (Ph) observado no sangue periférico de pacientes portadores de leucemia mielóide crônica (LMC) (Nowell & Hungerford, 1960).
Diversos avanços nas técnicas de cultura, análise e a introdução de uma metodologia que permite a evidenciação de bandas nos cromossomos, possibilitando que cada par seja identificado pelo seu padrão individual, permitiram que se demonstrasse que o Ph era fruto da translocação equilibrada entre os cromossomos 9 e 22 (Rowley, 1973).
Desde então, várias alterações foram descritas nas diversas doenças neoplásicas malignas, totalizando hoje mais de 46.000 catalogadas. A maioria delas é de origem hematológica, graças à facil obtenção do material para análise de medula óssea (MO), ou sangue periférico (SP). As anormalidades citogenéticas descritas forneceram dados valiosos para o estudo das neoplasias hematológicas, dados esses de inestimável importância para a clínica, a terapêutica bem como para uma melhor compreensão dos eventos moleculares envolvidos. Estudando-se os diferentes pontos de quebra nas diversas anomalias observadas foi possível descobrir uma série de oncogenes localizados nestes pontos ou próximos deles, cuja função estava alterada ou desregulada e que contribuem significativamente para o desencadeamento do processo neoplásico.
O estudo das alterações cromossômicas das células neoplásicas é importante por auxiliar no diagnóstico, classificação, prognóstico, acompanhamento evolutivo, orientação e monitoração terapêuticas, monitoração de transplante de MO, além de permitir saber quais os oncogenes envolvidos e entender a biologia da doença.
Diagnóstico: a presença de uma alteração citogenética clonal (grupo de células com a mesma anormalidade) pode ajudar a diferenciar de uma situação reacional.
Classificação: as alterações morfológicas das células leucêmicas, o perfil imunofenotípico e as aberrações citogenéticas ou genético-moleculares foram incorporadas na classificação da Organização Mundial da Saúde para as leucemias agudas de linhagem mielóide e linfóide.
Prognóstico: determinados subtipos de leucemia correlacionam-se com alterações cromossômicas mais ou menos específicas e que conferem melhor ou pior prognóstico para os pacientes. São exemplos de bom prognóstico a leucemia promielocítica aguda (LPA) com t(15;17) ou rearranjo gênico PML/RARA, a leucemia mielóide aguda com t(8;21) ou ETO/AML1 e a M4 (mielomonocítica) com eosinofilia e inversão ou translocação do cromossomo 16 ou rearranjo CBFbeta/MYH11. Inversamente, os subtipos M1 ou M2 com alterações do cromossomo 7, sejam elas deleções ou monossomias, têm prognóstico desfavorável, bem como as leucemias com componente monocítico e envolvimento do 11q23 (gene MLL).
Evolução: uma anomalia presente ao diagnóstico pode posteriormente, sofrer alterações adicionais, configurando evolução clonal com repercussão clínica representada por resistência terapêutica ou evolução para uma fase mais agressiva da moléstia.
Orientação terapêutica: certas alterações citogenéticas encontradas em determinados subtipos de leucemias podem indicar o tratamento mais adequado, por exemplo, os casos de LPA com translocação entre os cromossomos 15 e 17. Tais pacientes se beneficiam do uso do ácido transretinóico (ATRA) que leva à maturação dos blastos com conseqüente melhora da coagulopatia. Nas raras situações de LPA em que não se observa esta t(15;17) ou seu equivalente molecular, o rearranjo PML/RARA, podem estar ocorrendo translocações variantes, como t(5;17), t(11;17) ou outras que também respondem ao ATRA, exceto a t(11;17)(q23;q22).
Monitoração terapêutica: o paciente que ao diagnóstico apresenta dada anormalidade deve ter, por ocasião da remissão clínica ou hematológica, o desaparecimento daquela alteração para então ser considerado em remissão citogenética. Posteriormente, caso haja o reaparecimento da mesma anomalia, detecta-se a recaída. Caso o reaparecimento do clone original venha acrescido de outras alterações (evolução clonal), pode-se considerar doença mais agressiva ou resistente à terapêutica inicial.
Monitoração do transplante de medula óssea: a citogenética tem um papel de destaque, seja diagnosticando a pega do enxerto (particularmente nos casos de transplante com doador e receptor de sexos diferentes), seja constatando o desaparecimento do clone maligno original.
Entendimento molecular: graças ao estudo molecular nos locais de quebras cromossômicas foi possível descrever diversos proto-oncogenes ou oncogenes que são ativados ou desregulados pela alteração citogenética, desencadeando ou facilitando o processo neoplásico maligno.
O estudo é feito nas células cancerígenas já que as alterações são adquiridas e, conseqüentemente, os demais tecidos não afetados apresentarão cariótipo normal. Diferentemente da análise cromossômica constitucional que é feita em linfócitos do SP, na pesquisa de anormalidades em leucemias a medula é o material ideal para estudo. Alternativamente, pode-se utilizar ou o SP contendo células blásticas.
Assim, as células de leucemias agudas, por exemplo, que têm um ciclo celular curto, podem ser fácil e rapidamente estudadas, bastando interromper sua divisão celular. É o chamado método direto (sem a necessidade de cultura). Tal divisão é interrompida pela adição de colchicina, uma substância que despolimeriza a tubulina do fuso mitótico bloqueando as células em metáfase. Por outro lado, células com ciclo celular lento têm que ser cultivadas em meio com nutrientes e fatores de crescimento para que sobrevivam e proliferem até entrarem em divisão que será interrompida pela colchicina. Algumas células têm um crescimento extremamente lento in vitro, enquanto outras praticamente não proliferam em condições diferentes das originais. Algumas culturas de células neoplásicas de origem linfóide B madura podem necessitar de mitógenos B para serem estudadas .
Após a ação da colchicina as células são submetidas a uma solução salina hipotônica (KCl) por 15 a 20 minutos, a qual provoca inchaço e separação dos cromossomos. Depois são fixadas em ácido acético e metanol na proporção de 1:3 por pelo menos quatro vezes, o que também serve para limpar os restos de citoplasma.
Há diversas formas de preparar lâminas para análise citogenética e todas visam obter um bom espalhamento cromossômico. Em seguida estas lâminas podem ser coradas com corante convencional (Giemsa ou Leishman) ou por bandas. A coloração convencional permite apenas a contagem dos cromossomos, fornecendo idéia geral da presença de aberrações grosseiras.
Existem vários tipos de bandas que em dadas situações podem ser necessárias, mas a banda G é a mais freqüentemente usada e auxilia na definição da imensa maioria dos casos. A banda G pode ser obtida pela imersão da lâmina em solução de tripsina que digere partes do DNA e, quando corada por Giemsa, permite que se visualizem as faixas de coloração clara alternada com escura. Cada par cromossômico tem um padrão específico de bandas. A banda Q é obtida em fluorescência pela coloração quinacrina. A banda R mostra a seqüência inversa das bandas G e Q como uma fotografia em negativo. A banda C cora especificamente os centrômeros e as regiões heterocromáticas enquanto a banda NOR provoca a impregnação pela prata das regiões organizadoras de nucléolo.
As chamadas técnicas de alta resolução consistem na obtenção de cromossomos com maior número de bandas graças à adição, na cultura, de ametopterina ou outras drogas que bloqueiam a síntese seguida de liberação por timidina (sincronização).
A análise consiste em procurar as metáfases ao microscópio, contá-las e comparar cada cromossomo com seu par na tentativa de detectar alguma alteração estrutural ou numérica. Os laboratórios modernos agilizam a cariotipagem com o uso de microscópio equipado com câmera captadora de imagem e acoplado a sistema computadorizado, o que permite fazer o pareamento na tela, empregando software para cariotipagem, sendo o cariótipo impresso em seguida.
Os cromossomos são divididos pelo centrômero em braço curto (p) e braço longo (q). Quando o centrômero está no meio, é designado metacêntrico; quando tende para uma extremidade, submetacêntrico e quando próximo da extremidade, acrocêntrico. As extremidades são denominadas telômeros e há as constrições secundárias que são compostas de heterocromatina.
A descrição do cariótipo segue regras precisas estabelecidas pelo Sistema Internacional de Nomenclatura Citogenética (ISCN, 2020). Um cariótipo normal é designado 46,XX ou 46,XY. A presença ou a ausência de um cromossomo será grafada com sinal de mais ou de menos antes do número do cromossomo, ex: 47,XX,+21 ou 45,XX,-7. A translocação entre dois cromossomos é designada pela letra minúscula t seguida, entre parênteses, dos dois cromossomos envolvidos separados por ponto e vírgula e novamente entre parênteses o braço e a banda respectivamente de cada cromossomo envolvido, ex: 46,XX,t(8;21)(q22;q22). A Tabela 1 mostra outros aspectos da nomenclatura. Confira, no final deste capítulo, algumas figuras de translocações e anomalias cromossômicas.
Tabela 1: Nomenclatura citogenética:
Para casos de neoplasias malignas estima-se que sejam necessárias pelo menos 20 metáfases completamente analisadas para descartar a presença de um clone anormal. Um clone é definido como a observação da mesma alteração estrutural em pelo menos duas metáfases ou da mesma alteração numérica (monossomia ou trissomia) em pelo menos três células.
"A leucemia mielóide aguda (LMA) é doença maligna clonal do tecido hematopoético caracterizada pela proliferação de células blásticas na medula com conseqüente produção deficiente de células sangüíneas resultando em anemia, plaquetopenia e neutropenia.
As alterações cromossômicas mais observadas em LMA são translocações e deleções. Acredita-se que mais de 70-80% das LMA têm aberração cromossômica ao diagnóstico. A Tabela 2 mostra as alterações mais freqüentes dentre os subtipos morfológicos descritos. Confira, no final deste capítulo, algumas figuras de translocações e anomalias cromossômicas.
Para se obter resultado satisfatório na análise citogenética dessa doença, deve-se prestar atenção a diversos detalhes, tais como: amostra com células blásticas e no caso de medula, a coleta deve ser feita por médico experiente evitando hemodiluição ou aspiração insuficiente; deve-se usar anticoagulante adequado (heparina sódica); o tempo entre a coleta e o processamento deve ser curto; a coleta deve ser feita antes de iniciada a quimioterapia; informações quanto a eventuais tratamentos prévios devem ser fornecidas; pessoal técnico qualificado deve manipular a amostra e optar pela metodologia ideal para cada caso.
Tabela 2: Alterações cromossômicas mais freqüentes em LMA conforme o subtipo FAB/OMS.
A análise molecular dos pontos de quebras cromossômicos permitiu a identificação de muitos genes que estão implicados na patogênese da LMA e, excetuando o gene MLL, todos os demais envolvem fatores de transcrição que se ligam ao DNA e, na grande maioria das vezes, resultam em proteínas de fusão com novas propriedades que influenciam diretamente o DNA e a expressão gênica.
Assim, os core binding factor (CBF) são fatores de transcrição que têm função na ativação transcricional de genes importantes no desenvolvimento hematopoético. O CBFa, também chamado de AML1, e o CBFb estão envolvidos em translocações cromossômicas associadas a leucemia como a t(8;21) a inv(16) e a t(12;21) da LLA .
A translocação t(8;21)(q22;q22) ocorre mais freqüentemente no subtipo FAB M2, embora já tenha sido descrita em M1 e M4 e na LMA bem categorizada pela OMS. A morfologia celular é típica com mais de 30% de blastos tipo I e II com halo perinuclear claro, presença de bastões de Auer e algum grau de eosinofilia medular. É mais freqüente em pacientes jovens e é a alteração mais comum em LMA de crianças. Associa-se geralmente à perda adicional de um cromossomo sexual resultando num cariótipo 45,X,t(8;21). Em nível molecular, há o rearranjo dos genes ETO no 8q22 com o AML1 no 21q22, também denominado CBFa. Supõe-se que a fusão protéica AML1-ETO inibe de forma dominante a capacidade do gene AML1 selvagem dirigir a maturação e desenvolvimento normais das células hematopoéticas. Aparentemente, o produto protéico AML1-ETO é importante para manter o fenótipo das células leucêmicas portadoras da t(8;21). Está associada a boa resposta a quimioterapia, alta taxa de remissão e longa sobrevida livre de doença. Uma vez alcançada a remissão, pode-se detectar presença de doença residual ao se identificar a presença do rearranjo BCR/ABL por hibridação in situ por fluorescência (FISH) ou por reação em cadeia da polimerase por transcriptase reversa (RT-PCR). No entanto, a presença desse rearranjo por RT-PCR tem sido observada até 10 anos após a remissão completa ou após transplante de medula óssea, não significando, necessariamente, recaída.
A inversão, translocação ou deleção do cromossomo 16, inv(16)(p13q22), t(16;16)(p13;q22) ou del(16)(q22) está associada a leucemia mielomonocítica aguda ou FAB M4 ou Leucemia mielomonocítica com eosinofilia medular pela OMS. Caracteriza-se morfologicamente por apresentar uma mistura de blastos tipo I e II com monoblastos e certo grau de eosinofilia medular. Clinicamente os pacientes são jovens e freqüentemente apresentam infiltração de sistema nervoso central. Têm boa resposta à quimioterapia com citarabina em alta dose. Estas translocações são, às vezes, difíceis de serem detectadas pela citogenética, sendo o FISH ou o RT-PCR também úteis. A inversão ou a translocação resultam da fusão do CBFb no 16q22 ao gene da miosina de cadeia pesada de músculo liso (SMMHC ou MYH11) no 16p13. A proteína de fusão pode agir como fator inibidor da função do gene AML1 selvagem.
A translocação t(15;17)(q22;q11) está presente em cerca de 95% das leucemias promielocíticas agudas pela OMS ou FAB M3. Os pacientes apresentam clinicamente coagulação intravascular disseminada com hiperfibrinólise. No 15q22 está o gene PML e no 17q11 o gene do receptor alfa do ácido retinóico (RARA) e graças à translocação, o RARA se move para o cromossomo 15 onde se funde ao PML. O RARA é membro da superfamília de receptores de hormônio tiróide/esteróide nucleares. A detecção da presença desta translocação ou do rearranjo PML/RARA é de extrema importância clínica, pois esses pacientes respondem à ação diferenciadora do ácido transretinóico (ATRA). A proteína PML contem uma região rica em cisteína presente tipicamente em proteínas que se ligam ao DNA e é provável que seja um fator transcricional do tipo dedo de zinco. A função do gene PML não é bem conhecida. O RARA é uma proteína transcricionalmente ativa que contém dois domínios de ligação em dedo de zinco. A proteína híbrida PML/RARA age aparentemente, de uma forma dominante interferindo com a diferenciação promielocítica, talvez devido a uma inibição competitiva do RARA selvagem. Como conseqüência da fusão PML/RARA, o gene PML normalmente localizado em grânulos nucleares é transferido para manchas nucleares. O ATRA ultrapassa a inibição do RARA selvagem causada pelo PML/RARA e relocaliza o PML em seus sítios nucleares normais. A terapia isolada com ATRA não sustenta uma remissão duradoura (leva a resistência), mas aumenta significativamente a sobrevida total quando acompanhada de quimioterapia com antracíclicos e citarabina. Há algumas explicações para a resistência ao ATRA, como a aumentada expressão de proteínas celulares que se ligam ao ácido retinóico e, portanto, que se unem ao ATRA, assim como sua maior degradação. Além disso, um mecanismo de inibição da transcrição e diferenciação da fusão PML/RARA envolve co-repressores nucleares (CoRN) e deacetilase histona (DH). O PML/RARA ligado ao DNA forma complexos com CoRN-DH para inibir a transcrição de genes. O ATRA interage com o RARA neste conglomerado e libera o PML/RARA do CoRN-DH.
Pequena porcentagem de pacientes apresenta translocações variantes como t(5;17)(q31;q21) ou t(11;17)(q23;q21) e não responde ao ATRA. Na primeira há a fusão dos genes NPM ao RARA e na última do gene PLZF. No caso do PLZF, ele também pode interagir com o complexo CoRN-DH e por isso não responder ao ATRA.
As leucemias monocíticas costumam apresentar alterações 11q23, envolvendo o gene MLL. Algumas leucemias linfóides ou mistas também podem envolver este mesmo sítio. A translocação mais freqüente em M5 é a t(9;11)(p22;q23), mas pode ocorrer translocação com vários outros cromossomos como 1, 4, 10, 11, 17 e 19 (Tabela 2). Geralmente, são pacientes jovens com hiperleucocitose. A análise molecular dos transcritos destes rearranjos sugere que há a fusão da porção amino-terminal do MLL com a carboxi-terminal dos demais genes, gerando uma proteína de fusão leucemogênica. Pacientes que apresentam trissomia 11 podem ter duplicação do MLL em tandem levando a transcrição anormal. Esta duplicação pode também estar presente em pacientes com cariótipo normal e não ser detectada pela análise citogenética. O RT-PCR tem papel importante já que essas alterações conferem prognóstico desfavorável e requerem tratamento mais agressivo ou mesmo transplante de medula óssea.
Cerca de 3% das LMA têm o cromossomo Ph que pode ocorrer em qualquer subtipo FAB, mas mais freqüente em M1 ou M2, ou com a presença concomitante de marcadores fenotípicos para linhagens mielóide e linfóide e na classificação da OMS, ficam alocadas em um subtipo específico. O rearranjo molecular pode, na metade dos casos, ter a fusão protéica de 210kD e na outra metade de 190kD. Esta alteração confere pior prognóstico (vide Ph em LLA e em LMC).
Anormalidades envolvendo cromossomo 3q21 ou q26 são acompanhadas de plaquetose e têm sido observadas em pacientes evoluídos de mielodisplasia ou em crise blástica de LMC.
Alterações envolvendo os cromossomos 5 ou 7, monossomia ou deleção do braço longo, não demonstram preferência por nenhum subtipo FAB, embora sejam mais comuns em mielodisplasia ou leucemia secundária. As deleções podem ser intersticiais ou terminais e há grande variação do tamanho do segmento perdido. Acredita-se que com a deleção há a perda de genes supressores tumorais e, portanto, perda da atividade anti-oncogênica, porém até a presente data não se identificou quais seriam tais genes.
A trissomia 8 é a alteração numérica mais freqüente em LMA. Pode ser observada em qualquer subtipo FAB e muitas vezes o paciente evoluiu de uma fase mielodisplásica. A técnica FISH pode demonstrar com facilidade a presença dessa alteração em células interfásicas.
A trissomia 21 tem sido observada em 5% das LMA, sem subtipo FAB específico. Já pacientes com síndrome de Down e, portanto, com trissomia 21 constitucional, apresentam mais freqüentemente, a leucemia megacarioblástica.
As leucemias de novo de pacientes idosos habitualmente apresentam anomalias dos cromossomos 5 e 7, à semelhança das secundárias a agentes alquilantes. Assim, as translocações t(8;21), t(15;17) e inv(16) são comuns em indivíduos jovens e com bom prognóstico, enquanto os idosos apresentam alterações complexas não balanceadas e com expressão do gene de resitência a múltiplas drogas (MDR1), não respondendo bem à quimioterapia de indução.
A leucemia linfóide aguda (LLA) é uma proliferação clonal maligna de precursores linfóides na medula e mais freqüente em crianças. Cerca de 90% das LLA têm alteração de cariótipo ao diagnóstico (Tabela 3). Também era classificada segundo a morfologia (FAB L1, L2 ou L3) pala FAB, porém uma vez que a fenotipagem se mostrou mais útil na determinação do grau de diferenciação ou maturação da célula leucêmica, a classificação da OMS divide-as em neoplasias de precursor B ou T. Assim, a fenotipagem e a citogenética têm boa correlação, a exemplo dos tipos celulares pró-B e t(4;11) ou t(9;22); pré-B e t(1;19) e t(9;22) e linfócito B maduro com as translocações envolvendo o cromossomo 8: t(8;14), t(2;8) e t(8;22).
As LLA com hiperdiploidias, em geral com trissomia dos cromossomos 4, 6, 8, 10, 21, 22 e X se relacionam a bom prognóstico pois, tratam-se de células com fenótipo B comum (CD10, CD 19 e Ig citoplasmática), além de leucometria e DHL baixos e idade entre 2 a 10 anos. Essa boa resposta tem sido atribuída à massa celular leucêmica pequena, sensibilidade aumentada a antimetabólitos e apoptose espontânea. De qualquer forma, parece que as trissomias 4 e 10 identificam um subgrupo com melhor resposta a tratamento.
Outras alterações numéricascomo a hipodiploidia ou para-haploidia são raras e de prognóstico desfavorável.
Tabela 3: Alterações mais freqüentes em LLA.
As translocações cromossômicas ajudaram na compreensão dos fenômenos moleculares subjacentes. Assim, a t(8;14)(q24;q32) característica da L3, tipo Burkitt ou dos linfomas, resulta na justaposição do proto-oncogene MYC no 8q24 ao gene da cadeia pesada da imunoglobulina (IGH) no 14q32. Nas translocações variantes, t(2;8)(p12;q24) e t(8;22)(q24;q11), que ocorrem em menos de 15% dos casos, o MYC se justapõe ao IGK (imunoglobulina de cadeia leve kappa)no 2p12 ou ao IGL (cadeia leve lambda) no 22q11. Em qualquer um dos exemplos, o MYC fica sob a influência de seqüências estimulantes de transcrição do locus de imunoglobulina constitucionalmente ativa que leva à desregulação do oncogene, aumento de transcrição e crescimento neoplásico.
A t(9;22)(q34.1;q11) aparece em até 30% das LLA de adultos e em 5% das de crianças, geralmente pró-B. Cerca de 2/3 delas têm a proteína p190 e os demais, a p210 igual à LMC. O prognóstico é reservado mesmo após transplante de medula óssea, embora aparentemente, casos com leucometria baixa respondam à quimioterapia intensiva. A detecção de doença residual, seja por FISH, seja por RT-PCR, é essencial. Naqueles em que o rearranjo BCR/ABL está positivo é quase certa a recaída; tais pacientes deveriam receber imunoterapia ou outros tratamentos alternativos na tentativa de evitar o reaparecimento da doença.
Translocações do 11q23, envolvendo o gene MLL, podem ocorrer com quaisquer cromossomos. Respondem pela maioria das LLA em lactentes, especialmente a t(4;11), e por 85% das leucemias secundárias (geralmente LMA) ao uso de inibidor da topoisomerase. Lactentes com t(4;11)(q21;q23) caracterizam-se por: sexo feminino, leucometria elevada, hepatoesplenomegalia, linfadenomegalia e marcação fenotípica mielóide, monocítica e linfóide. O prognóstico é reservado. O gene no 4q21 é o AF4 ou FEL, mas a maneira pela qual o novo fator de transcrição induz leucemia é desconhecida.
A t(12;21)(p13;q22) funde o gene TEL ao AML1. É rara em adultos e ocorre em até 25% das crianças. Não é visível pela citogenética sendo detectada por FISH, RT-PCR ou Southern-blot. Trata-se de alteração de bom prognóstico e entra no grupo dos rearranjos envolvendo CBF.
A t(1;19)(q23;p13) é associada a fenótipo pré-B, com leucometria elevada, DHL alto e índice de DNA < 1,16. Pode ocorrer de duas formas: com dois cromossomos 1 normais ou apenas um normal. A translocação leva à fusão do E2A no 19p13 ao PBX1 no 1q23 e a proteína quimérica E2A/PBX1 foi demonstrada como sendo leucemogênica experimentalmente.
As LLAs de célula T apresentam alterações envolvendo gene MYC com os receptores de célula T a, b, g e d (TCRA no 14q11, TCRB no 7q34-36, TCRG no 7p13 e um quarto locus TCRD que fica dentro do a no 14q11). A t(8;14)(q24;q11)caracteriza-se por leucometria elevada, infiltração em sistema nervoso central e sexo masculino. Há, molecularmente, o envolvimento do gene MYC com o TCRA no 14q11, e já foi descrita uma translocação variante citogeneticamente indistingüível envolvendo o TCRD."
"A síndrome mielodisplásica (SMD) é proliferação clonal anormal das células da medula caracterizada por pancitopenia devido a defeitos de maturação. Pode haver, inicialmente, citopenia isolada e por vezes, evolui da fase pré-leucêmica para a franca leucemia (40%), sendo que alguns pacientes vão a óbito por falência medular (30%) ou por outras causas (30%).
As alterações citogenéticas descritas nas SMD variam de 1/3 a 2/3 dos casos sendo na AR cerca 32%, na ARSA 21%, na AREB 45%. A Tabela 4 mostra as alterações mais freqüentes e sua incidência.
Tabela 4: Alterações Cromossômicas em SMD primária.
A deleção 5q, primeiramente descrita em pacientes com AR e, hoje observada em várias condições neoplásicas, particularmente LMA, tem estreita relação com SMD. A Síndrome 5q- foi descrita em pacientes de sexo feminino, idosas, com anemia refratária macrocítica, contagem de plaquetas normais ou aumentadas e curso clínico benigno. Hoje a classificação da OMS identifica este subtipo separadamente (vide capítulo de SMD). O ponto de quebra é variável, podendo ser intersticial ou terminal, geralmente entre 5q11 e 5q35. A idéia é que há a perda de material cromossômico essencial e, portanto, perda de gene supressor tumoral, entretanto, até a presente data não se provou qual o gene em questão.
A ARSA apresenta menor incidência de alterações cromossômicas e as mais freqüentes são: +8; del 5q, -7, 11q23 e del 20q, sendo as duas últimas mais comuns em ARSA que nos outros subtipos. Nas AREBs, a probabilidade de se encontrar alteração cromossômica é grande, proporcional à massa tumoral. Monossomia 7 ou 7q- são mais freqüentes sendo a deleção, geralmente, intersticial. Às vezes, há associação de alterações do 5 e do 7."
"Graças aos avanços no tratamento das doenças neoplásicas com o emprego de múltiplas drogas quimioterápicas e ou radioterapia, os pacientes anteriormente classificados como de prognóstico desfavorável passaram a ter sobrevida prolongada. Porém, em paralelo, ficaram susceptíveis às complicações tardias do tratamento, dentre elas a segunda neoplasia.
O termo leucemia secundária (Lsc) ou mielodisplasia secundária (SMDsc), ou induzida por terapia, refere-se às doenças que surgem no indivíduo previamente tratado com quimio ou radioterapia, sendo porém, moléstia com etiopatogenia diferente das leucemias ou mielodisplasias primárias, também chamadas de novo.
É fato estabelecido por múltiplas evidências que as Lsc ou SMDsc à exposição a agentes físicos ou químicos ambientais, a exemplo do benzeno e derivados ou radiação atômica, têm as mesmas características ou pelo menos, até o entendimento presente, características muito semelhantes às secundárias a tratamento. Assim, é possível que a relação causal seja a mesma e esses termos, SMDsc ou terapia induzida, são meramente descritivos de um fenômeno observado cuja etiopatogenia ainda é desconhecida.
As primeiras descrições de Lsc à terapia surgiram em pacientes tratados por linfoma de Hodgkin e logo percebeu-se que o tratamento de várias outras neoplasias também podia levar à doença secundária.
O risco de desenvolver Lsc foi estimado entre 2 e 10% enquanto o de SMDsec de 10-30% dependendo do tipo, duração e dosagem do tratamento prévio. O mecanismo que facilita tal acontecimento é em parte conhecido. Tanto as drogas quimioterápicas como a radiação causam lesões no DNA celular (translocações ou deleções cromossômicas) que podem levar a mutações que, ocorrendo em células somáticas, induzem a perda ou inativação de genes supressores de crescimento, alteração de expressão de genes críticos ou ativação de oncogenes que levam à inativação de genes supressores tumorais.
Classicamente, as alterações cromossômicas mais freqüentes nas Lsc ou SMDsc são as monossomias 5 ou 7 e as deleções 5q ou 7q, que também ocorrem em doenças primárias, mas aqui as anomalias são geralmente complexas, envolvendo vários cromossomos. Isoladamente, a alteração mais comum é a monossomia 7, seguida de del (5q).
Recentemente, as Lsc foram separadas em dois grandes grupos. O primeiro inclui os pacientes submetidos a terapia com agentes alquilantes como melfalan e ciclofosfamida, cujo risco de desenvolver leucemia é de 1% ao ano entre 2 e 8 anos e é dose cumulativa. Há associação com as alterações dos cromossomos 5 e 7, conferindo ao paciente mau prognóstico e baixa taxa de resposta à quimioterapia habitual. O segundo grupo engloba os indivíduos que receberam drogas que agem na topoisomerase II, com risco maior após o primeiro ano da terapia, mas em média 2 anos, sem período mielodisplásico prévio, dependendo do esquema e não tanto da dose. A topoisomerase II tem função de reparar o DNA. Seus inibidores, os derivados da epipodofilotoxina (etoposide e teniposide), provocam anomalias acometendo os cromossomos 11, banda q23, ou 21, banda q22. Aparentemente a ação leucemogênica dos agentes topo-II é intensificada por tratamento concomitante com outras drogas como os agentes alquilantes e pode ser pior em pacientes que recebem altas doses.
As diferenças entre as SMDs primárias e secundárias, em termos citogenéticos, são principalmente quantitativas, embora raras qualitativas possam ser observadas. Geralmente, as SMDsc têm maior porcentagem de alterações cromossômicas clonais (80 a 95% versus cerca de 50% nas primárias), maior porcentagem de cariótipos complexos (5,3 aberrações por caso) e maior porcentagem de clones citogenéticos não relacionados (5,7% versus 4,3% nas primárias).
As alterações não balanceadas predominam sendo mais freqüentes as monossomias 5 e 7 (-5, -7) ou as deleções: del (7q), del (5q) e del (3p), dentre outras. A Tabela 5 mostra a comparação da freqüência em porcentagem das aberrações entre SMDsc e primária.
Assim, a monossomia 7 ou 5, a deleção 7q e a t(1;7) são significantemente mais freqüentes em SMDsc enquanto, a deleção 5q e cromossomos derivados de 11q ou 12p não apresentam diferença estatisticamente significante entre os dois tipos. Já a trissomia 8 e a nulissomia Y são mais freqüentes em SMD primária.
Comparando a diferença da lesão causada pela radio ou quimioterapia dentro das SMDsc, a monossomia 7 é mais comum em pacientes tratados com quimioterapia (43%) que naqueles que fizeram uso de radioterapia (25%, p<0,01).
Tabela 5: Comparação entre freqüência de aberrações em SMD 1ª e 2ª.
Os agentes alquilantes respondem por grande parte dos casos de SMDsc à quimioterapia por seu conhecido efeito leucemogênico. O risco atuarial cumulativo aumenta de 0,5 a 1% /ano começando no segundo ano após o início da terapia e estende-se até 6 a 8 anos depois do término do uso da droga. Geralmente, a SMD induzida pela terapia é diagnosticada pela citopenia refratária e depois de alguns meses ou mesmo anos, esses pacientes podem evoluir para LMA.
Infelizmente, apesar dos diversos avanços nos estudos moleculares, ainda não se conseguiu definir com precisão os genes implicados nesses fenômenos."
As SMP crônicas caracterizam-se pela produção excessiva de células da medula óssea (MO) e do sangue periférico (SP). São elas: leucemia mielóide crônica, policitemia vera, mielofibrose e trombocitemia essencial.
Leucemia mielóide crônica (LMC)
A LMC é doença clonal maligna de célula progenitora hematopoética caracterizada por intensa proliferação medular e periférica, esplenomegalia e anemia. Cerca de 95% dos pacientes apresentam a translocação entre os cromossomos 9 e 22, resultando no Philadelphia (Ph) nas células da MO. A análise molecular demonstra a presença do oncogene ABL no 9q34 e do BCR no 22q11. O ponto de quebra no gene ABL é variável, enquanto no BCR fica numa região de 5,8kb (M-bcr) que tem 5 exons inicialmente denominados b1 a b5 e, posteriormente, exons 12 a 16. Com a translocação, o rearranjo desses dois genes produz uma proteína quimérica de p210 kD na grande maioria dos casos, e p190 numa minoria (igual aos casos de LLA), quando a quebra no BCR ocorre numa região chamada de m-bcr, isso é, no intron entre os exons e1 e e2. Estes casos raros tendem a ter componente monocítico proeminente.
Um terceiro ponto de quebra recentemente descrito, ocorre no gene BCR a jusante do M-bcr. O gene híbrido resultante codifica uma proteína quimera com 230kD graças à junção e19a2. Essa leucemia é rara e chamada de leucemia neutrofílica crônica.
A proteína normalmente produzida pelo gene ABL normal (p145ABL) age entre o núcleo e o citoplasma. Sua superexpressão leva à inibição do ciclo celular na fase G1/S. O principal efeito funcional da fusão BCR/ABL parece ser o aumento na atividade cinasetirosina que está envolvida em várias vias de transdução de sinais, alguns dos quais levam à ativação do oncogene RAS.
Há importância na detecção da presença do Ph, ao diagnóstico, nos portadores de LMC, pois os pacientes Ph-negativos têm sobrevida menor. Esses, citogeneticamente negativos, devem ser avaliados por FISH ou por PCR, já que podem apresentar o rearranjo BCR-ABL por essas técnicas, e clinicamente se comportam como os positivos. Alguns pacientes podem apresentar, ao diagnóstico, alterações adicionais ao Ph ou o chamado Philadelphia variante em que há o envolvimento de outro cromosssomo ex: t(9;22;4).
A LMC tem curso clínico constituído por uma fase crônica (FC) seguida invariavelmente pela crise blástica (CB), podendo ou não passar pela fase acelerada. Na FC a doença é controlável clinicamente com o uso de medicações mielossupressoras como bussulfano ou hidroxyurea, que levam à regressão do tamanho do baço e normalização do hemograma, porém com persistência do clone Ph na MO. Já o uso de interferon (a-IFN),associado ou não a outras drogas como citarabina ou hydroxyurea, pode levar à remissão clínica, hematológica e citogenética cerca de 20% dos pacientes. Nesses casos, a pesquisa do cromossomo Ph será negativa pelas técnicas habituais e deve ser confirmada pelo FISH. Há uma graduação para a interpretação do desaparecimento do Ph, sendo considerada boa a resposta quando há menos de 35% de células Ph+, tendo esses pacientes estimativa de sobrevida média de 90% em 5 anos. O PCR tem sido positivo nos pacientes em remissão citogenética em uso de a-IFN, na medida em que não há a erradicação do clone maligno, mas não tem sido associado a recaída iminente.
A fase acelerada é detectada quando o paciente deixa de responder às doses habituais da medicação apresentando piora clínica com dores ósseas, febre inexplicável, anemia mais intensa, leucometria incontrolável, plaquetose ou plaquetopenia e aumento da esplenomegalia. Em muitos casos, ao se fazer o cariótipo nessa fase já se consegue detectar anormalidades adicionais ao Ph inicial. As alterações mais freqüentes são: um segundo Ph, +8, +21, +19, i(17q).
Segue-se a CB, que nada mais é que a parada de maturação em algum nível, assemelhando-se à leucemia aguda. Cerca de 60% das vezes é de fenótipo mielóide, 30% linfóide e as demais mistas ou indiferenciadas. Setenta e cinco a 80% dos pacientes apresentam alterações cromossômicas adicionais acima descritas.
Policitemia vera (PV)
A Policitemia vera (PV) é doença clonal da célula progenitora hematopoética com proliferação de células eritrocíticas, granulocíticas e megacariocíticas. Pode evoluir para mielofibrore, mielodisplasia e leucemia aguda. É mais comum em indivíduos acima de 60 anos e, clinicamente, manifesta-se por trombose ou sangramento. O curso é indolente com sobrevida média superior a 10 anos. A classificação da OMS estabelece critérios diagnósticos bem definidos (vide capítulo de PV). As alterações cromossômicas quando presentes auxiliam na definição diagnóstica de doença clonal. As aberrações mais comuns são: 20q-, +8, +9, ganho de material no 1q e 13q-.
Mielofibrose v
Também chamada de metaplasia mielóide agnogênica é doença clonal da célula progenitora hematopoética caracterizada pela presença no SP de granulócitos imaturos, precursores eritróides e hemácias em forma de lágrima, além de graus variáveis de fibrose e esplenomegalia. Incide em indivíduos entre 60 e 70 anos. Há grande dificuldade em se obter material para análise citogenética devido à fibrose medular e por isso, acredita-se que a porcentagem de alteração seja subestimada. Os cromossomos mais freqüentemente envolvidos são: numericamente, 7, 8 e 9 e estruturalmente, 1q, 5q, 13q e 20q.
Trombocitemia essencial (TE)
É uma doença clonal de célula progenitora hematopoética com proliferação acentuada da linhagem megacariocítica. Clinicamente manifesta-se por fenômenos tromboembólicos ou hemorrágicos e às vezes evolui para leucemia aguda. Vide os critérios diagnósticos no capítulo de TE. A alteração cromossômica mais freqüente é a trissomia 9."
"A primeira alteração cromossômica descrita nos linfomas foi uma banda adicional no braço longo do cromossomo 14 em material de pacientes com linfoma de Burkitt, em 1972. Em 1976, essa anomalia foi definida como sendo a translocação entre os cromossomos 8 e 14. Alguns anos após, foi descrito o rearranjo dos genes MYC (no 8q24) e IgH (no 14q32) que ocorre em nível molecular.
Na prática clínica, as alterações citogenéticas nos linfomas também têm importância para a definição de clone, classificação, monitoração terapêutica e prognóstico, embora o valor dessas informações tenha um impacto inferior àquele observado nas leucemias.
Devido à variedade de classificações existentes (Rappaport, Lennert, Lukes e Collins, Kiel, Working Formulation, REAL e mais recentemente, a OMS) e ao pequeno número de casos estudados em cada situação, torna-se relativamente difícil estabelecer uma analogia entre as diversas alterações cromossômicas, os tipos histológicos e o imunofenótipo. Mas, apesar dessas dificuldades, há muitos casos citogeneticamente estudados permitindo ao menos, algumas correlações de grande importância. Assim, excetuando-se o Linfoma de Burkitt com suas translocações bem definidas e adiante descritas, pode-se exemplificar a t(11;14) freqüente em linfomas do manto; t(14;18) comum em linfoma folicular (observada em 63% dos centroblásticos/centrocíticos e em 27% dos centroblásticos); t(14;19) ou +12, em linfoma linfocítico de pequena célula; t(9;14) em imunocitoma; t(2;5)(p23;q35) em linfoma anaplástico de grande célula CD30 (Ki-1) positivo e alterações do 3q27 em linfoma de grande célula. Nos linfomas de célula T também notam-se anomalias envolvendo 14q11-14 no imunoblástico, linfoblástico e leucemia/linfoma de células T do adulto (ATL) e 7q35 em ATL. A Tabela 6 mostra as alterações mais freqüentes. Como se vê, a citogenética serve como um marcador para alguns tipos específicos, além dessas alterações terem levado à descoberta de vários oncogenes tais como: MYC, BCL2, BCL1 e BCL 6, dentre outros.
Quanto ao prognóstico, a presença de alterações envolvendo 1q21-23, 6q21-25, dup(2p) ou 17p têm sido relacionadas a má evolução. O 17p, particularmente, associa-se a DHL alto e tendência a pior sobrevida. Também há que se ressaltar que casos com alterações múltiplas têm evolução mais rápida, indicando doença mais agressiva ou em fase tardia, já que a progressão da malignidade é caracterizada pelo aparecimento de aberrações secundárias. Estão associadas a longa sobrevida as quebras no 2p, dup(3q) ou +3.
Ao se correlacionar citogenética e imunofenótipo, alterações 18q indicam linhagem B; trissomia 22, 14q22, 22q e 2q32 associam-se a positividade de imunoglobulina no citoplasma ou na superfície celular, enquanto 1q21, 2q21, 3q27, 4q21, 17q21 e +19 relacionam-se a fenótipo T.
Asalterações numéricas mais freqüentes envolvem os cromossomos: 12, 18, 7 e 21 e as estruturais: 14q, 18q, 6q, 1p e 8q. Acredita-se que cerca de 80 a 100% dos linfomas têm alteração citogenética, mas o estudo depende da possibilidade de se analisar as células tumorais e das mesmas entrarem em divisão. Para tanto é necessário obter-se material de regiões acometidas, como anteriormente descrito.
Estudos seriados evolutivos em pacientes com linfomas têm sido raros, mas avaliando sequencialmente os pacientes e comparando os resultados citogenéticos, histológicos e moleculares com relação a curso clínico, prognóstico e sobrevida pode-se obter dados importantes. Até 87% das amostras de linfonodos tem resultado citogenético das quais 80% são anormais enquanto, metade das amostras de baço e efusões apresentam resultado sendo mais de 90% anormais. Já a maioria das MO ou SP analisados podem ser normais. Os pacientes com linfoma de baixo grau têm igual possibilidade de adquirirem anomalias secundárias em relação àqueles de grau intermediário ou alto.
O linfoma de Burkitt (LB) apresenta em cerca de 80 a 90% dos casos a t(8;14)(q24;q32) e os demais podem ter a t(8;22)(q24;q11) ou a t(2;8)(p12;q24). Tais alterações podem também ser observadas em outros linfomas não Burkitt, bem como em LLA. Na t(8;14) o gene MYC localizado no 8q24 se justapõe ao gene IgH no 14q32. Nas situações variantes, o MYC permanece no 8 e os genes de cadeia kappa e lambda (2 e 22) é que se translocam para se justaporem ao MYC. Todos esses rearranjos resultam em trascrição aumentada do gene MYC (vide LLA).
O gene BCL2 foi descoberto em virtude de seu envolvimento na t(14;18)(q32;q21), isto é, ele é o equivalente molecular dessa alteração. A consequência é a superexpressão da proteína bcl 2 que está associada a pior sobrevida, pois em nível elevado há inibição da apoptose e pode haver bloqueio da morte celular induzida pela quimioterapia, resultando em resistência a drogas.
A t(11;14)(q13;q32) ativa o oncogene BCL 1 localizado no 11q13 levando igualmente, a maior produção de proteína.
Diversos estudos citogenéticos mostram correlação entre linfoma difuso de grande célula, alterações envolvendo 17p13 e evolução ruim. Nesse ponto de quebra está localizado o oncogene p53, conhecido como gene supressor tumoral.
Muitos estudos ainda se fazem necessários para confirmar o valor prognóstico de certas alterações.
Tabela 6: Alterações citogenéticas mais freqüentes em doenças linfoproliferativas.
A leucemia linfóide crônica (LLC) é caracterizada por acúmulo de linfócitos pequenos, de aspecto maduro no SP, na MO e em tecidos linfóides. É a leucemia mais comum em adultos no ocidente, geralmente de origem B (98%), e a sobrevida média é de 9 anos, mas na presença de alteração clonal há diminuição desse período. As alterações cromossômicas ocorrem em cerca de 60% dos casos, sendo mais comuns: +12, 14q+, t/del(13q). A trissomia 12 está associada a LLC avançada ou atípica e, consequentemente, a pior evolução. Usando-se a hibridação in situ por fluorescência (FISH) é possível detectar 2,6 vezes mais a trissomia 12 em relação à citogenética convencional, pois consegue-se avaliar células que não entraram em divisão. A deleção 13q14 representa aberração clonal primitiva e sugere a presença de gene supressor tumoral, cuja perda ou inativação pode ser importante no desenvolvimento da doença, e a maioria das perdas são indetectáveis pela citogenética, mas encontradas por sondas moleculares.
A leucemia prolinfocítica, considerada uma variante da LLC, apresenta geralmente 14q+ ou t(11;14)(q13;q32). A Hairy cell leukemia também apresenta 14q+, 6q- e del (14q). A leucemia /linfoma de célula T do adulto apresenta alterações 14q+ tanto na banda q11 como q32.
O mieloma múltiplo, caracterizado pela proliferação de plasmócitos, tem mais freqüentemente alterações do 14q32; 1q, 17p+ e 6q-.
Micose fungóide e Síndrome de Sézary são proliferações de linfócito T e apresentam alterações envolvendo 14q32, del 6q e 2p."
"A anemia de Fanconi (AF) foi primeiramente descrita em 1927, pelo médico Guido Fanconi que relatou 3 irmãos sofrendo de anemia hipoplásica associada a várias anormalidades físicas acometendo pele, sistema nervoso central e gônadas. Encaixa-se nas síndromes de instabilidade cromossômica juntamente com a Síndrome de Bloom, Ataxia Telangiectasia e Xeroderma pigmentoso.
Trata-se de doença autossômica recessiva caracterizada clinicamente por pancitopenia progressiva devido à falência da MO e aumento da predisposição à malignidade, notadamente LMA ou SMD, apesar de também serem observados vários tumores sólidos. Manifesta-se entre os 5 e 10 anos de idade e, usualmente, começa por plaquetopenia seguida de granulocitopenia e anemia de desenvolvimento insidioso. Geralmente, são crianças com estatura menor que o normal que se queixam de fadiga e podem apresentar anormalidades ósseas em dedos, braços, quadris ou costelas, problemas renais, descoloração de pele (manchas café com leite), retardo mental ou dificuldade em aprender e baixo peso. Alguns pacientes praticamente não apresentam malformações, o que dificulta o diagnóstico antes do desenvolvimento da aplasia. A AF incide igualmente em homens e mulheres e é encontrada em todos os grupos étnicos.
É uma doença complexa com variabilidade genética e fenotípica o que faz com que o diagnóstico às vezes, se torne difícil. Geneticamente é heterogênea: há 8 grupos complementares (FA-A até FA-H) conforme os estudos de hibridação de células somáticas implicando que pelo menos 8 genes colaboram para manter a hematopoese normal em indivíduos não afetados. Dentre os genes descritos, o A, localiza-se no cromossomo 16q24 é o mais comum, responsável por 65% dos casos; o C, responde por 10 a 15% dos casos e localiza-se no cromossomo 9q22 e o Dno 3p.
O diagnóstico tem sido feito pela análise do cariótipo, pois as células em cultura mostram grau aumentado de aberrações cromossômicas espontâneas e são hipersensíveis aos efeitos clastogênicos de agentes químicos como a Mitomicina C (MMC) e o Diepoxibutano (DEB). Observam-se quebras, falhas, translocações, cromossomos dicêntricos, em anel, figuras radiais etc.
Estudos citogenéticos de leucemias associadas à AF apresentam com freqüência monossomia 7 e duplicações envolvendo 1q.
Um teste baseado na porcentagem de células na fase G2/M da divisão celular talvez seja a alternativa para o diagnóstico em casos de dúvida, pois trata-se de teste facilmente realizável através de citômetro de fluxo. O ciclo celular mais vagaroso nas células de AF é, provavelmente, devido à fase G2 longa."
"Há casos em que não se consegue obter resultado no estudo citogenético, seja porque as metáfases não representam as células tumorais, seja porque estão em número insuficiente para análise, ou mesmo inexistentes. Para tais situações são necessários métodos que identifiquem as anomalias nas células em interfase, como a técnica de hibridação in situ por fluorescência (FISH). Essa técnica baseia-se no uso de sondas constituídas por fita de DNA (única ou dupla) marcadas com fluorocromo para produzir fluorescência. Estas fitas ligam-se ao DNA cromossômico no núcleo da célula. O material é depois analisado em microscópio com uso de filtros específicos.
Existem sondas disponíveis comercialmente para centrômeros (importante para análise de monossomias e trissomias), telômeros, genes como BCR, ABL, PML, RARA e as chamadas sonda de pintura que coram o cromossomo sob estudo.
O FISH tem mostrado vantagens em relação à citogenética clássica em determinadas situações pela maior sensibilidade, especificidade e rapidez no diagnóstico. Sensibilidade, porque não se está observando apenas metáfase e sim centenas de células em interfase. Especificidade, porque está sendo pesquisado um determinado rearranjo, e, portanto, só ele será identificado, passando despercebidas outras eventuais alterações concomitantes e, finalmente, rapidez pelo fato de em cerca de 72 a 96 horas ter-se um resultado. Já, na citogenética clássica, após 24 horas de cultura, levam-se alguns dias para proceder à análise de 20 metáfases. As desvantagens resumem-se ao fato de não ser possível a identificação de outras alterações eventualmente presentes no cariótipo e à limitação das sondas.
Recentemente, alguns estudos têm mostrado a importância do FISH realizado no momento do diagnóstico das LMAs, na detecção de t(15;17), de t(8:21), de translocação ou inversão 16 e deleção 11q23. Quanto às LLAs, devido à grande variedade de alterações, o uso indiscriminado de sondas seria pouco prático, além de dispendioso, porém em situações definidas torna-se extremamente útil, como na pesquisa de rearranjo BCR/ABL do Philadelphia.
Outra grande utilidade do FISH é a detecção de doença residual após transplante de medula óssea ou quimioterapia convencional. Habitualmente, a detecção de doença residual em paciente com alteração cromossômica prévia se faz pelo estudo cuidadoso do cariótipo. A presença da anormalidade inicial, mesmo que em pequena porcentagem de células, confirma a persistência do clone maligno. No entanto, como nem sempre se consegue material adequado para a análise citogenética, a técnica de FISH é extremamente útil nestas situações para identificar as alterações nas células íntegras, desde que haja sonda disponível.
O FISH multicolorido é metodologia mais recente e baseia-se no uso combinado de 5 ou mais fluorocromos gerando várias combinações de cores e sua subseqüente aplicação às metáfases em um único experimento de FISH, originando bandas com padrões de cores distintas(ex, Rx FISH, M- FISH).
A Cariotipagem Espectral (SKY) é uma técnica citogenética molecular que mostra cada cromossomo com uma cor diferente, permitindo a diferenciação inequívoca de cada par. Combina a espectroscopia de Fourier, a câmera captadora de imagem e a microscopia óptica para medir simultanemente todos os pontos no espectro de emissão da amostra na faixa visível e próxima da infra vermelha. A medida de um espectro em cada pixel torna possível discriminar fluorocromos múltiplos e espectralmente sobrepostos. O que distingue o SKY dos outros sistemas de FISH multicoloridos é a aquisição e análise da imagem. O SKY usa só um filtro, o triplo habitual, com bandas de emissão larga e todos os corantes são excitados e medidos simultaneamente sem desvios de imagens. Seu potencial é grande na medida em que pode demonstrar a origem de material cromossômico em várias translocações, marcadores, rearranjos complexos etc. Aparentemente teria um limite de sensibilidade para 500 a 1500kbp. Ainda está em nível experimental, é cara, mas poderá ser uma técnica adjutória à citogenética clássica.
A Hibridação Genômica Comparativa (HGC) é um método que permite a análise das aberrações cromossômicas no genoma de uma população de células. É bastante útil para amostras em que não se tem metáfases já que é necessário apenas o DNA.Consiste na extração de DNA celular (DNA teste), bem como de DNA normal para controle, e a marcação de ambos com fluorocromos diferentes. Depois, os dois são co-hibridizados em cromossomos normais. Como resultado obtem-se uma coloração padrão em todos os cromossomos. As seqüências cromossômicas que estiverem hiperexpressas, seja por polissomia ou amplificação, apresentarão coloração mais intensa, enquanto aquelas que estiverem hipoexpressas, monossomia ou deleção, resultarão em coloração mais clara que o controle. Sem dúvida que há a necessidade de equipamentos adequados como microscópio de fluorescência, câmera captadora de imagem, e programa de software para a análise e interpretação dos resultados. Seu uso tem sido grande em tumores sólidos, linfomas, mieloma e outras patologias onde o estudo cromossômico convencional é quase impossível de ser feito. É previsto que a análise dos dados dos experimentos com HGC trarão informações novas quanto a anomalias ampliando consideravelmente o conhecimento nesta área. No entanto, como HGC só detecta hiper ou hipo expressão de regiões cromossômicas, rearranjos balanceados como as translocações ou inversões ficarão desapercebidos. Porém, as alterações genômicas encontradas poderão indicar genes relevantes para a progressão ou desenvolvimento da neoplasia. Assim, HGC será um método importante para detectar proto-oncogenes ou genes supressores tumorais (que estarão expressos por múltiplas cópias ou por deleção)."