Imunofenotipagem das neoplasias hematológicas

Tópicos presentes neste capítulo

  • Citometria de fluxo  
  • Leucemias bifenotípicas  
  • Leucemia aguda bi-linhagem  
  • Leucemia indiferenciada  
  • Doença residual mínima  
  • Conclusão  
  • Literatura recomendada  

A caracterização imunofenotípica tem sido o método preferencial para a determinação da linhagem celular e análise da maturação das células nas neoplasias hematológicas. O desenvolvimento de ampla gama de anticorpos monoclonais e das potencialidades do citômetro de fluxo têm impulsionado esta área nos últimos 20 anos.

A análise multiparamétrica através da citometria de fluxo é um método rápido, objetivo e quantitativo para:

• Determinação de linhagem celular. Além de determinar a linhagem nos grandes grupos, mielóide, células B, T e NK, a caracterização imunológica contribui sobremaneira para a classificação em subgrupos mais específicos como a Leucemia Mielóide Aguda (LMA) com diferenciação mielóide mínima (M0 da FAB), LMA sem maturação, leucemia eritroblástica aguda, leucemia megacarioblástica aguda e leucemias bifenotípicas;

• Caracterização do estadio de maturação das células malignas contribuindo na definição diagnóstica como no caso das doenças linfoproliferativas crônicas;

• Definição da linhagem celular na crise blástica de síndromes mieloproliferativas crônicas;

• No diagnóstico diferencial entre linfocitose reacional e proliferação neoplásica de células B, identificação da clonalidade através da restrição de cadeia leve de imunoglobulina;

• Caracterização da heterogeneidade e dos aspectos aberrantes das populações de células malignas, permitindo aplicar estas observações no monitoramento da terapia e detecção de doença residual mínima.

Citometria de fluxo

"A citometria de fluxo é um método rápido e objetivo que permite a determinação de múltiplas propriedades físicas simultaneamente de partículas isoladas em suspensão, em nosso caso, as células. Podemos detectar e quantificar antígenos celulares de superfície, citoplasmáticos e nucleares.

A análise pode ser realizada em sangue periférico, aspirado de medula óssea ou linfonodo, colhido com o anticoagulante EDTA, heparina ou ACD. As amostras devem ser mantidas à temperatura ambiente (entre 18ºC e 22ºC) e, preferencialmente, o material deve ser analisado até 24 horas após a coleta.

Os anticorpos monoclonais utilizados são habitualmente submetidos aos critérios do International Workshop and Conference on Human Leukocyte Differentiation Antigens, ocasião em que um grupo de laboratórios de referência avalia, caracteriza e classifica os anticorpos submetidos. O primeiro destes Workshops ocorreu em Paris em 1982 e o sétimo, na Inglaterra, em 2000. Uma vez aceitos por este colegiado, esses anticorpos recebem a designação CD (cluster of differentiation).

Cada CD pode ser representado por vários anticorpos monoclonais que reconhecem o mesmo antígeno, mas não necessariamente o mesmo epítopo, produzidos por diferentes clones de células. Isto explica os comportamentos diferentes entre resultados obtidos com o uso de monoclonais diversos.

A citometria de fluxo mede as propriedades de células em suspensão, orientadas num fluxo laminar e interceptadas uma a uma por um feixe de LASER. As modificações ocasionadas nesse feixe de luz devidas à presença da célula serão então detectadas e mensuradas por sensores (detectores). A luz dispersa é coletada por um sistema óptico que permite identificar as células pelo seu tamanho e granularidade interna. Hemácias, plaquetas, linfócitos, monócitos e granulócitos podem ser assim identificados e quantificados (Figura 1). Os diferentes fluorocromos que marcam cada antígeno absorvem a luz e emitem-na num comprimento de onda maior e específico. Cada fluorocromo possui um padrão espectral distinto de absorção e emissão, de tal maneira que até três cores de luz podem ser opticamente separadas com os filtros seletivos encontrados nos citômetros comuns. Os antígenos são então detectados por diferentes detectores de fluorescência permitindo o estudo simultâneo de 2 a 3 antígenos (p. ex. Anti-CD45-PerCP, Anti-CD19-isotiocianato de fluoresceína e anti-CD10-ficoeritrina), utilizando-se anticorpos monoclonais específicos marcados com diferentes substâncias fluorescentes, em geral através da técnica de imunofluorescência direta. (Figura 2)

Figura 1: Citômetro de Fluxo: análise das características físicas das células – tamanho e complexidade interna.

Figura 2: Imunofluorescência Direta.

Os fótons de luz gerados atingem detectores específicos e são convertidos em impulsos elétricos proporcionais ao número de fótons recebidos. Estes impulsos são convertidos em sinais digitais podendo oferecer os resultados em diferentes formas de análise tais como histogramas, dot-plot, tabelas entre outros. (Figura 3)

Figura 3: Representação esquemática do citômetro de fluxo.

A citometria de fluxo é  técnica rápida, precisa, quantitativa e reprodutível. A análise da população de células anômalas  é realizada através de uma “janela” que pode ser definida de duas maneiras:

1- Baseada no tamanho e complexidade interna das células, um equivalente da morfologia celular;

2- Aplicando-se uma “janela” imunológica, isto é, definem-se  populações de células  especificamente coradas por anticorpos (por exemplo, CD45 de diferentes intensidades e com determinada complexidade interna); uma vez identificada a  população de células ela é então caracterizada quanto à linhagem celular, grau de maturação ou anormalidades e quanto à coexpressão anormal de antígenos.

O diagnóstico é definido conjuntamente com dados clínicos, morfológicos e citoquímicos, citogenéticos e moleculares, baseados no padrão típico de expressão antigênica nos diferentes distúrbios caracterizados clinicamente.

No início, os esforços se dirigiam principalmente na tentativa de definir as linhagens leucocitárias (antígenos de mielóides, de células B, T e NK) e seus diversos estadios maturativos. Atualmente, além destes aspectos, têm sido estudados os antígenos de ativação, moléculas de adesão, receptores de citocinas, moléculas de células endoteliais.

Tabela 1: Principais antígenos utilizados em Hematopatologia

CD Anticorpos Monoclonais Células que expressam Função

CD 1a Leu6  T6  BL6  NA1/34 Céls T tímicas, subgrupo de céls.B, céls, de Langerhans glicoproteína 48kD que se liga a b2-microglobulina

CD2 LEU5b T11 GF10.3 MT910 Todas as céls.T, maioria das NK ligante de LFA-3

CD3 LEU4   T3   UCHT1 UCHT1 céls T tímicas e maduras estrutura do TCR, transdução de sinal

CD4 LEU3a  T4  BL4  MT310 algs, céls T tímicas, T auxiliadoras, monócitos, macrófagos correceptor de MHC classe II, receptor do HIV

CD5 LEU1  T1  BL1a  DK23 céls T maduras e tímicas,subgrupo de céls. B ativação de céls. T, ligante de CD72

CD7 LEU9  3A1 8H8  DK23 Todas as céls T, céls. NK ativação de céls. T e NK

CD8 LEU2a    T8    B9.2 DK25 Subgrupo de céls T tímicas, T supressora/citotóxica, subgrupo de NK. correceptor do MHC de classe I

CD10 CALLA   J5   ALB1 SS2/36 Precursor B e céls B do centro germinativo; algumas céls T tímicas, PMN endopeptidase neutra

CD13 LEU M7  MY7  SJ1D1 WM47 céls. Mielóides aminopeptidase N

CD14 LEU M3 MY4 RMO52 TÜK4 Monócitos maduros;leve reação em algumas céls. B 

CD15 LEU M1 80H5 CD3-1 céls. mielocíticas e monocíticas antígeno Lewis-X, adesão celular e fagocitose

CD16 LEU 11a céls NK, granulócitos receptor de IgG, Fc famma RIII

CD19 LEU12     B4    J4.119 HD37 céls B precursoras e maduras ativação de céls. B

CD20 LEU16   B1    Bly-1 Bly-1 céls B precursores tardios e maduros canal de Ca++. Ativação de céls B

CD22 LEU14  B3 SJ10.1H11  TO15 céls. B precursoras e maduras molécula de adesão celular

CD25 Tac céls T e B ativadas,Hairy cell leukemia, ATLL receptor da cadeia alfa a IL-2

CD30 Ki-1 Ber-H2 céls T ativadas, Reed -Sternberg, linfoma anaplásico de grandes céls. Receptor de fator de crescimento

CD33 LEUM9     MY9  P3HL90    WM54 céls. mielóides e monocíticas molécula de adesão do ácido siálico

CD34 HPAC1  QBEND10 céls. Progenitoras 

CD38 T10 cels. linfóides progenitoras e céls. Plasmáticas ativação leucocitária

CD41 Pit-1  P2  5B12 Megacariócitos e plaquetas gpIIb/IIIa, receptor para fibrinogenio/fibronectina

CD42B ZS22 Megacariócitos e plaquetas gpIIb, receptor para o fator de von Willlebrand-ristocetina

CD43 Leu 22, leucosialina, sialoforina céls. T, céls. Mielóides, alguns linfomas B liga-se ao CD45(ICAM-1) e pode ser anti-adesivo

CD45 HLE-1   KC56    J33 T29/33 pan-hematopoético transdução de sinal: tirosina-fosfatase

CD45RO UCHL1 Subgrupo de céls B,subgrupo de T(memória), monócitos, macrófagos transdução de sinal: tirosina-fosfatase

CD45RA 2H4 céls B, subgrupo de céls T (virgem), monócitos transdução de sinal: tirosina-fosfatase

CD45RB T200 Subgrupos de céls T. céls B, monócitos, macrófagos, granulócitos transdução de sinal: tirosina-fosfatase

CD56 LEU19   NKH-1  T199 céls. NK e céls. T citotóxicas molécula de adesão celular

CD57 HNK-1 LEU7 céls. NK 

CD61 SZ21 Y2/51 megacariócitos e plaquetas GPIIb/IIIa, molécula de adesão celular com CD41, receptor de fibrinogenio

CD71 T9 céls. Eritróides, precursores linfóides receptor de transferrina

CD79a HM57 céls. B precursoras e maduras Mb-1; transdução de sinal da Ig de superfície para o citoplasma

CD103 HML-1 a6 aE integrina linfócitos intraepiteliais, hairy-cell leukemia integrina

CD117 c-kit céls. Mielóides precursoras receptor de c-kit

HLA-DR Ia 7.2 céls B. monócitos,  progenitores mielóides e céls T ativadas antígeno de apresentação, MHC classe II

IgM m *   céls. B virgens reconhecimento de Ag, ativação de céls. B

IgG g  *   céls. B memória reconhecimento de Ag, ativação de céls. B,imunidade humoral

IgD d  *   céls. B virgens reconhecimento de Ag, ativação de céls. B

IgA a  *   céls. B memória reconhecimento de Ag, ativação de céls. B, imunidade de mucosas

IgE e  *   céls. B memória reconhecimento de Ag, ativação de céls. B, reação de hipersensibilidade

k        **   céls. B reconhecimento de Ag, ativação de céls. B

l        **   céls. B reconhecimento de Ag, ativação de céls. B

TdT   céls linfóides imaturas rearranjo de Ig e TCR

*cadeia pesada de imunoglobulina; **cadeia leve de imunoglobulina; TCR - receptores de células T; TdT-deoxinucleotidil transferase terminal.

O esquema abaixo demonstra a seqüência de expressão antigênica na diferenciação de células B. Exemplificamos assim a  modulação de expressão de antígenos que ocorrem nas células hematopoéticas nos seus diversos estadios maturativos sendo que alguns antígenos  se restringem a determinados estadios. (Figura 4)

Figura 4: A seqüência de expressão antigênica na  diferenciação da linhagem linfóide B

Um painel inicial permite a distinção entre LMA e LLA: os marcadores  linfóides B CD19, CD79a, CD10, CD22 cit, os marcadores linfóides T CD7, CD3 cit, os marcadores mielóides CD13, CD33, CD117 e anti-MPO e o marcador de células progenitoras CD34. O uso de um maior número de marcadores aumentará a probabilidade de se identificar uma expressão aberrante que poderá servir para acompanhamento de doença residual mínima assim como auxilia no reconhecimento de leucemias bi-linhagem (bi-clonais) e bifenotípicas.

As LLA de linhagem B são quase sempre CD19, CD79a, CD10, HLA-DR e TdT positivas. A expressão de CD20 e CD22 são variáveis.

As seguintes tabelas mostram as reatividades para os principais marcadores imunológicos nos diferentes subtipos de leucemias agudas.

Tabela 1: Classificação Imunológica das LLAs correlacionada com achado citogenético e significado prognóstico.

Imunofenótipo Marcadores Imunológicos associação freqüente com leucemias específicas e significado prognóstico % dos casos

  CD19

CD79 CD10  m cit  Ig sup* CD3

cit

Pró-B ou

Pré-pré B + - - - - rearranjo de MLL como a  t(4;11)(q23;p13) associado a pior prognóstico 1

comum + + - - - associa-se com hiperdiploidia rearranjo TEL-AML1, de bom prognóstico 50-60

Pré B + + + - - associa-se com t(1;19)

(q23;p13) 20-25

B + -/+ - + - protocolo terapêutico específico 3

T - -/+ - - +   18

Ig sup - imunoglobulina de superfície; CD3 cit-CD3 citoplasmático; m cit – mi citoplasmática

As leucemias mielóides agudas são definidas pela expressão de dois ou mais dos marcadores anti-MPO, CD117, CD13 e/ou CD33. O marcador mielóide mais específico é o anti-MPO seguido do CD117 (c-kit). A imunofenotipagem é crítica para o diagnóstico diferencial entre LMA mínimamente diferenciada e LLA. Na leucemia eritróide aguda, os eritroblastos em geral são negativos para os marcadores mielóides e anti-MPO e expressam glicoforina A e hemoglobina A.  Os mieloblastos expressam CD13, CD33, CD11 e anti-MPO. Na leucemia megacarioblástica aguda, o CD13, CD33 podem ser positivos, o CD34, o pan-leucocitário CD45 e o HLA-DR são freqüentemente negativos, mas expressam os marcadores para glicoproteínas plaquetárias, CD41 e CD61.

Algumas associações relevantes entre imunofenótipo e anormalidades genéticas e comportamento clínico:

• As LLA comuns com CD10+ , cadeia pesada de imunoglobulina m citoplasmática negativa (mCit -)  e CD45 de fraca intensidade, apresentam associação significativa com hiperdiploidia (>50 cromossomos) e presença do rearranjo gênico TEL-AML1 que são fatores de prognóstico favorável nas LLA em crianças;

• As LLA pré-B, em um terço dos casos, têm se associado com a t(1;19)(q23;p13) e a fusão gênica E2A-PBX1, que se associa a mau prognóstico. Esta anormalidade molecular se correlaciona com o fenótipo CD19+ CD10+  CD34- mCit +;

• A expressão de antígenos mielóides é um fator de mau prognóstico em LLAs de adultos, mas não em crianças. Apresenta uma associação com a presença da t(9;22)(q34;q11) que, quando presente, determina mau prognóstico;

• Nas LLA-T, a expressão de CD10 ocorre em 30 a 40% dos casos e associa-se a melhor prognóstico quando comparado aos casos CD10-, ainda com melhor resposta à prednisona;

• As LLA-T com CD1a  +, representam um subgrupo distinto com melhor evolução e uma melhor resposta ao corticosteróide.

Há varias associações entre perfis imunofenotípicos e subgrupos específicos de LMAs como:

• LMA mínimamente diferenciada: expressam um ou mais antígenos pan-mielóides CD13, CD33, CD117N mas não marcadores linfóides. Freqüentemente expressam CD34, CD38 e HLA-DR. Em geral, o prognóstico é desfavorável;

• Leucemia Promielocítica Aguda (LPA) apresenta expressão intensa de CD33 e CD13 variável. Em geral, o HLA-DR e CD34 são negativos e quando positivos, estão presentes somente em parte da população leucêmica; o CD15 é, em geral, fracamente positivo ou então negativo. A LPA variante microgranular, além do  HLA-DR e CD34 negativos, expressam  CD2; o CD56 também pode ser positivo em alguns casos;

• LMA com t(8;21)(q22;q22): LMA com maturação, expressa, além dos antigenos mielóides CD13, CD33, e MPO, o marcador linfóide B CD19 e de CD34+ e CD56+, indicativo de prognóstico mais desfavorável. Via de regra, entretanto, esse leucemia está associado a prognóstico favorável;

• LMA com inv(16)(p13;q22), LMA mielomonocítica variante eosinofílica que, além dos marcadores mielomonocíticos habituais CD13+, CD33+, MPO +, CD14+, CD4+, CD11b+,

Entretanto, é importante ressaltar que estes fenótipos não são suficientemente específicos para que tenham um valor diagnóstico definitivo para estas subclasses, sendo freqüentemente necessária a investigação de anormalidades moleculares quando possível.

Tabela 2: imunofenotipagem das Doenças Linfoproliferativas Crônicas B

DLPC-B Ig sup CD19 CD20/CD22 CD23 CD5 CD11c FMC7 CD25 CD10 CD79b

LLC Fraco + Fraco + + Fraco - -/+ - -

LP + + + - -/+ - + -/+ - +

HCL + + + -/+ - + + ++ +/- +

LM + + + - + -/+ + -/+   +

LZM + + + - + -/+ + -/+ - +

LF + + + -/+ - - + -/+ + +

LLC- Leucemia Linfóide Crônica LF -Linfoma Folicular

LZM- Linfoma B de zona marginal Ig sup – Imunoglobulina de superfície

LM- Linfoma da Zona do Manto HCL – Hairy Cell Leukemia

LP- Leucemia Prolinfocítica 

Tabela 3: Perfil Imunofenotípico das Doenças Linfoproliferativas Crônicas T leucemizadas

DLPC-T CD3 CD2 CD4 CD5 CD7 CD8 CD16 CD25 CD56 CD57

LGL-T + + - + +/- + + NR -/+ +

LGL-NK - + - + - - + NR + -

LP-T + + + + + - - -/+ - -

ATLL + + + + - - - + - -

SS/MF + + + + - - - - - -

DLPC-T Doença Linfoproliferativa Crônica T ; LGL-T Linfocitose de Células Grandes Granulares –T;  LGL-NK     Leucemia de Células Grandes Granulares –Natural Killer; LP-T  Leucemia Pró-linfocítica T; ATLL  Leucemia Linfoma T do adulto; SS/MF  Síndrome de Sézary/Micose Fungoide

Leucemias bifenotípicas

A leucemia bifenotípica ocorre em 4 a 6% das leucemias agudas, situações em que há coexpressão de marcares mielóides e linfóides B ou T, ou ainda, a concomitância de marcadores linfóides B e T.

Alguns marcadores estão associados a determinadas linhagens celulares, mas não são específicos das mesmas sendo que a sua presença não determina uma forma bifenotípica, mas sim aberrante de um marcador.  Adotando-se o sistema de score proposto pela European Group for the Immunologic Classification of Leukaemia   (EGIL), é necessária a soma de 2,5 pontos ou mais para se assinalar cada linhagem celular. Alcançando-se essa pontuação em duas linhagens caracteriza-se leucemia bifenotípica.

Tabela 4: Sistema de score proposto pela European Group for the Immunologic Classification of Leukaemia (EGIL)

Score linfoide B linfoide T mielóide

2 CD79a cit

IgM cit

CD22 cit CD3 (sup/cit)

anti-TCR MPO

1 CD19

CD20

CD10 CD2

CD5

CD8

CD10 CD117

CD13

CD33

CD65

0,5 TdT

CD24 TdT

CD7

CD1a CD14

CD15

CD64

* CD79 a pode ser expresso em alguns casos de LLA T

Leucemia aguda bi-linhagem

Alguns casos de leucemias apresentam duas populações distintas de blastos, expressando marcadores de diferentes linhagens.

Leucemia indiferenciada

Em 2  a 3 % dos casos de leucemias agudas em adultos e em 1% em crianças, mesmo com o emprego de um amplo painel de marcadores, não é possível determinar a linhagem celular específica, sendo então denominados Leucemias Indiferenciadas. Estes casos não expressam antígenos linhagem-específicos como o CD79a cit (associados à linhagem B, excetuando-se alguns casos de LLA-T) , CD22 cit, CD3 e MPO. Em geral, as células blásticas são CD34+, HLA-DR+, CD38+ e CD7+.


Doença residual mínima

A detecção imunológica é mais uma ferramenta sensível  na detecção de doença residual mínima no acompanhamento de pacientes com leucemias. A combinação de certos antígenos de diferenciação expressos em blastos leucêmicos pode ser característica e estar ausente ou extremamente rara entre progenitores normais.  Isto pode ser evidenciado das seguintes maneiras:

• Expressão de antígenos de uma linhagem diferente à da leucemia em estudo, por exemplo, a expressão de CD19, ou CD2 em  mieloblastos; em  cerca de 15% das LMA, detecta-se a coexpressão de TdT com marcadores mielóides CD13 e CD33.  Em LLA de linhagem B, ocorre a presença de TdT-CD10 ou CD19-CD34 coexpressando  antígenos mielóides CD13, CD33 ou CDw65;

• Expressão assíncrona de antígenos como a coexpressão de CD34 presente em estadios precoces de maturação e CD15, presente em estadios maturativos mais tardios na série mielóide;

• Hiperexpressão, diminuição ou ausência de antigenos normalmente presentes. Estas alterações quantitativas de expressão apresentam algumas vezes, limitações técnicas sendo que as duas primeiras situações são valiosas para a monitorização de doença residual mínima.

Estes imunofenótipos anômalos passam então a ser marcadores desta população neoplásica. Esta abordagem apresenta uma sensibilidade da ordem de 1 célula neoplásica para 100.000 células normais.

Doença Fenótipo Frequência (%)   # M.O .normal

% cél+  + SD

LLA de linhagem B   * TdT-CD10  ou

(CD19-CD34)/CD13 7 0.02  +  0.01

  TdT-CD10  ou

(CD19-CD34)/CD33 8 0.03  +  0.02

  TdT-CD10  ou

(CD19-CD34)/CDw65 7 0.02  +  0.01

  TdT-CD10  ou

(CD19-CD34)/CD21 10 0.02  +  0.01

  TdT-CD10  ou

(CD19-CD34)/CD56 9 <0.01

  TdT/ Cym/CD34 14 0,3+  0.01

LLA T

TdT/Cy CD3 90 < 0.01

LMA CD34/CD56 20 < 0.01

  CDw65/CD34/TdT 15 < 0.01

*  aproximadamente 35% dos casos apresenta um fenótipo associado a leucemia

#  mais de 10% de linfoblastos leucêmicos positivos

sensibilidade 1:10.000

Campana D, Pui CH, 1995."

Conclusão

A contribuição da imunofenotipagem no diagnóstico das leucemias agudas está bem estabelecida, permitindo a definição correta da linhagem celular em cerca de 98% dos casos, dado fundamental na definição da abordagem terapêutica. Também ocupa um importante papel no diagnóstico das doenças linfoproliferativas crônicas e no monitoramento de doença residual mínima. O grande desenvolvimento do conhecimento em relação às novas moléculas da superfície da célula com um papel funcional definido, como o de enzimas de superfície, moléculas de adesão, receptores de citocinas, poderá representar uma nova abordagem permitindo classificação das leucemias em subgrupos “funcionais” contribuindo para um conhecimento crescente da biologia destas neoplasias.


Literatura recomendada

1. Campana D, Neale GA, Coustan-Smith E, Pui CH ; Detection of minimal residual disease in acute lymphoblastic leukemia: the St Jude experience. Leukemia  15(2):278, 2001.

2. Stewart CC, Nicholson JKA (ed) : Immunophenotyping,   John Wiley & Sons , 2000.

3. Bene MC, Castoldi G, Knapp W, Ludwig WD, Matutes E, Orfao A, van't Veer MB: Proposals for the immunological classification of acute leukemias. European Group for the Immunological Characterization of Leukemias (EGIL). Leukemia 9(10):1783, 1995.

4. Matutes E, Owusu-Ankomah K, Morilla R, Garcia Marco J, Houlihan A, Que TH, Catovsky D: The immunological profile of B-cell disorders and proposal of a scoring system for the diagnosis of CLL.    Leukemia. 8(10):1640, 1994.

5. Basso G, Buldini B, De Zen L, Orfao A: New methodologic approaches for immunophenotyping acute leukemias. Haematologica, 86(7):675, 2002.