Leucemia mieloide aguda (LMA)

Tópicos presentes neste capítulo

  • Diagnóstico  
  • Hemograma  
  • Mielograma  
  • Citoquímica  
  • Imunofenotipagem  
  • Biópsia de medula óssea  
  • Cariótipo  
  • FISH  
  • RT-PCR  
  • Exames laboratoriais  
  • Tabelas  
  • Referências bibliográficas  

Leucemia mielóide aguda (LMA) é doença mieloproliferativa clonal caracterizada pelo acúmulo de progenitores mielóides imaturos na medula óssea (MO) com substituição do tecido hematopoético normal.

Diagnóstico

O diagnóstico é feito quando se observam mais de 20% de blastos na MO conforme os critérios da Organização Mundial da Sáude (Jaffe et al, 2001) ou, menos que esta porcentagem de blastos, em casos em que há alterações genéticas definidas (por ex: translocação 8;21 ou rearranjo gênico AML1/ETO). Portanto, para se fazer o diagnóstico de LMA deve-se examinar morfologicamente as células blásticas da medula óssea, proceder à imunofenotipagem, à análise citogenética e genético-molecular.

A Tabela 1 mostra a Classificação de LMA pela OMS e a Tabela 2 mostra a classificação FAB, imunofenotipagem, cariótipo e rearranjo gênico.

Hemograma

Em 90% dos casos de LMA há anemia em graus variáveis que é devida à falha na produção. Os reticulócitos habitualmente estão entre 0,5 e 2%. A leucometria pode estar aumentada, normal ou diminuída e em todas estas situações pode haver neutropenia e a presença de mieloblastos, exceto em alguns pacientes leucopênicos, situação em que os blastos podem não ser encontrados. Entretanto, há casos em que a pesquisa dirigida utilizando a concentração de leucócitos por centrifugação pode evidenciá-los.  A plaquetopenia está presente na grande maioria dos casos.


Mielograma

A avaliação de esfregaço de aspirado de medula óssea corado por Leishman, May-Grünwald-Giemsa ou Wright-Giemsa, deve ser feita de imediato como forma de análise preliminar da morfologia e direcionamento dos demais exames.

A primeira avaliação diz respeito ao aspecto da amostra, isto é, se ela é adequada para o diagnóstico, pois aspirados hemodiluídos ou secos podem não refletir a verdadeira situação da medula óssea.

A medula na LMA, via de regra, é hipercelular às custas de blastos cuja morfologia deve ser analisada para distinguir os diferentes tipos de células como os mieloblastos (tipo I: mieloblastos com cromatina frouxa, nucléolos proeminentes, citoplasma sem grânulos; blastos tipo II: semelhantes ao tipo I, exceto por conterem de 1 a 15 grânulos azurófilos; blastos tipo III que contêm uma área correspondente ao complexo de Golgi e numerosos grânulos azurófilos), promielócitos displásicos na leucemia promielocítica aguda (LPA), monoblastos e promonócitos na leucemia monocítica e megacarioblastos na leucemia megacariocítica.

Os mieloblastos podem apresentar bastão de Auer e positividade para as reações enzimático-citoquímicas como peroxidase, negro de Sudam ou naftil-cloro-acetato esterase.


Citoquímica

MPO. A mieloperoxidase é específica para diferenciação mielóide e é positiva nos grânulos dos mieloblastos. Os monoblastos são ne gativos ou positivos em finos grânulos.

Negro de Sudam. Os mieloblastos são positivos enquanto os linfoblastos negativos.

Esterase inespecífica. Alfa naftil acetato esterase apresenta positividade difusa em monoblastos; megacarioblastos e linfoblastos podem ter positividade citoplasmática mutifocal que é parcialmente resistente a fluoreto de sódio (NaF) ao passo que  nos monoblastos,  a atividade da esterase é  totalmente inibida.

A alfa naftil butirato esterase apresenta positividade difusa no citoplasma dos monoblastos e os neutrófilos são positivos fracos ou negativos.

Imunofenotipagem

A imunofenotipagem identifica os antígenos celulares  de superfície, citoplasmáticos e nucleares . Os mieloblastos normalmente não expressam marcadores linfóides, imunoglobulina de membrana ou de citoplasma. A capacidade da citometria de fluxo em identificar a diferenciação mielóide se aproxima de 98%, mas para tanto deve-se usar uma bateria de anticorpos que assegure a distinção entre LMA e LLA, LMA minimamente diferenciada,   leucemia megacarioblástica e eritróide aguda, dentre outras. Além disso, o emprego de múltiplos marcadores pode ajudar a identificar fenótipos associados a determinadas anomalias citogenéticas, fenótipos aberrantes que podem auxiliar na detecção de doença residual pós terapia ou situações raras como as leucemias bifenotípicas ou de duas linhagens.

Os painel de anticorpos monoclonais (AcMo) deve conter o marcador pan-leucocitário CD45,   marcadores dos precursores hematopoéticos (CD 34, HLA-DR, Tdt e CD 45), linhagem B ( CD 19, CD 20, CD 22 e CD 79a), linhagem T(CD 2, CD 3, Cd 5 e CD 7), mielóide (CD 13, CD33, CD 15, MPO e CD 117), monocítica (CD14, CD11c e CD64), eritróide (CD71 e glicoforina A)  e magacarioblástica (CD 41 e CD 61).

A LMA sem maturação demonstra expressão moderadamente intensa de CD 45, pelo menos um marcador mielóide CD 13 ou CD33 e, quase sempre, HLA-DR, CD 34 e CD 117.   Em geral, não expressa marcadores de    leucemias mais diferenciadas apresentam como o  CD 15, CD 11b ou CD 14. Expressão aberrante de CD 56 ou CD7 não é infreqüente. Uma pequena parte dos blastos pode ter mieloperoxidase (MPO).

A LMA com diferenciação apresenta células mais maduras como promielócitos e mielócitos. CD 45 é fraca ou moderadamente positiva e, raramente, HLA-DR é negativa. Há expressão de CD 34 e CD 117,  CD13, CD33 e  expressão mínima de CD 15 e outros antígenos associados a estágios mais avançados da maturação granulocítica. Há perda da intensidade de CD 33 e ganho de marcadores como CD 13, CD 15 e CD 11b.

As leucemias  monoblástica e monocítica aguda expressam além do CD13, CD33 e CD117, alguns marcadores monocíticos, como o CD14, CD4 e CD11c. CD34 é em geral negativo e o CD33 e CD11c são intensamente positivos.

A LMA com diferenciação eritróide é geralmente CD 45 negativa, expressão brilhante de CD 71 e glicoforina positiva. No entanto, a morfologia e contagem de blastos contribuem sobremaneira para a conclusão diagnóstica.

A LMA com diferenciação megacariocítica apresenta a expressão de CD 61 e CD 41. Porém, deve-se tomar cuidado para não interpretar erroneamente as plaquetas agregadas a mieloblastos. CD13 ou CD33 podem ser positivos e CD34, CD45, MPO e HLA-DR são freqüentemente negativos.

A LMA com t(8;21) apresenta CD 13, CD 33 e MPO, além da co-expressão freqüente do antígeno linfóide  CD 19. CD 34 está presente bem como CD 56, mas não tão freqüente quanto CD 19,  cuja expressão associa-se a prognóstico desfavorável.

A LMA com t(15;17) é CD 13,  CD 33  e CD117 positiva. Habitualmente negativa para HLA-DR e CD 34, porém quando positiva é apenas o é em uma parte das células. Há co-expressão freqüente de CD 2 e CD 9 e, por vezes, de CD56.

A LMA com inv (16) apresenta expressão de CD 13, CD 33, MPO, CD 14, CD 4, CD 11b, CD 11c, CD 64 e/ou CD 36, porém nenhum é específico de inv (16).

O estudo simultâneo de alguns antígenos utilizando a citometria de fluxo permite a identificação de células leucêmicas com distribuição aberrante, quando comparados aos precursores mielóides normais. A expressão anômala pode ser evidenciada por meio da detecção de antígenos de outras linhagens, como a presença de CD19, CD5 e CD2 em mieloblastos; expressão assíncrona de antígenos, como a presença de CD34 presente nos estadios iniciais de maturação juntamente com CD15, presente em estadios evolutivos tardios; hiperexpressão, diminuição ou ausência de antígenos normalmente presentes. Estas alterações são úteis para a monitoração de doença residual mínima.

Biópsia de medula óssea

A biópsia de medula óssea (BMO) oferece melhor quantificação da celularidade e pode demonstrar ilhotas residuais de eritropoese e megacariocitopoese além de aspectos não evidenciáveis pelo aspirado como o grau de fibrose, que via de regra é intensa nas leucemias megacarioblásticas. Adicionalmente, nos casos em que a hipocelularidade é intensa, há a obrigatoriedade de se fazer a BMO para diagnóstico diferencial entre anemia aplástica ou síndrome mielodisplásica hipocelular, ainda que tal diferenciação possa ser difícil.


Cariótipo

O estudo das alterações cromossômicas deve ser feito ao diagnóstico para se prover a melhor classificação da LMA, escolha terapêutica, definição de prognóstico e eventual detecção posterior de doença residual, recaída ou evolução clonal.

Cerca de 75% das LMA apresentam alterações de cariótipo sendo mais comuns a t(15;17), t(8;21), inv(16), alterações envolvendo 11q23, trissomia 8, monossomia 7, monossomia 5, trissomia 21 e perda do X ou Y.

Casos de LMA secundários a tratamento quimioterápico prévio com antracíclicos ou radioterapia apresentam -5/5q-, -7/7q- enquanto as secundárias a derivados de epipodofilotoxinas apresentam alterações envolvendo 11q23.

As alterações t(8;21), t(15;17) e inv(16) são consideradas de bom prognóstico. As alterações -5/5q-, -7/7q- e t(9;22) ou Philadelphia (Ph) são consideradas de prognóstico desfavorável. Trissomia 8 e outras alterações menos freqüentes são alocadas como prognóstico intermediário bem como cariótipo normal (Grimwade et al, 1998; Mrózek et al, 2001; Pelloso et al, 2003)

Outrossim, vale ressaltar que de acordo com as alterações cromossômicas detectadas, pode-se dividir os pacientes em 4 grupos: favorável, intermediário, desfavorável e desconhecidas (Tabela 3).

No tocante à classificação da OMS, o grupo de LMA com alterações bem categorizadas inclui especificamente:

LMA com t(8;21)(q22;q22) ou ETO/AML (CBFalfa), detectada em 5 a 12% dos casos. O produto da translocação é o gene de fusão AML1/ETO. O AML1 é um fator de transcrição pertencente à família core binding factor (CBF), que é um complexo transcricional envolvido na diferenciação da célula progenitora hematopoética. Esta leucemia está associada a resposta favorável a tratamento quimioterápico, particularmente quando se utiliza alta dose de citarabina na intensificação.

LMA com t(15;17)(q22;q11-12) e variantes ou PML/RARA, ou Leucemia Promielocítica Aguda (LPA), representa 5 a 8% das LMA, ocorre em qualquer faixa etária e está associada a coagulação intravascular disseminada (CIVD). O gene RARA (15q22) é translocado e fundido com um dos seguintes genes: PML, PLZF, NPM, NuMA ou STAT5b (15q22,11q23,5q35 e 11q11, respectivamente). Os genes híbridos resultantes (genes X-RARA) codificam para-proteínas de fusão (X-RARA) que exercem atividade dominante negativa na via dos retinóides e na via da proteína X. Os complexos repressores formados não respondem a doses fisiológicas de ácido retinóico (ação diferenciadora) e a repressão gênica incessante leva a bloqueio da diferenciação mielóide, desregulação do ciclo celular e vantagem proliferativa, culminando na transformação leucêmica. A administração de doses farmacológicas de ácido trans-retinóico (ATRA) leva à dissociação dos complexos, recruta ativadores e causa a diferenciação da célula leucêmica. As LPAs com t(11;17) / PLZF-RARA são resistentes ao ATRA.

LMA com inv(16)(p13q22) ou t(16;16)(p13;q22), CBFalfa/MYH11. Este subtipo representa 10-12% das LMAs e caracteriza-se por infiltração mielomonocítica da medula, além de eosinófilos anormais. A fusão do gene CBFb com o gene para a cadeia pesada da miosina do músculo liso (MYH11) resulta no seqüestro de grande quantidade de proteína CBFb no citoplasma excluindo-a do núcleo, portanto,  inativando funcionalmente a CBFa/b. Apresenta maior taxa de remissão completa e prognóstico relativamente favorável.

LMA com 11q23 (MLL). Representa 5 a 6% dos casos de LMA e ocorre em qualquer faixa etária. É comum em lactentes ou após tratamento quimioterápico, especialmente com inibidores da topoisomerase e há associação com os tipos monocítico e mielomonocítico. Está associada a prognóstico desfavorável."

FISH

A hibridação in situ por fluorescência (FISH) é técnica que utiliza uma sonda (seqüência de DNA) complementar à seqüência alvo que se pretende pesquisar. Existem sondas para diversos loci gênicos e bastante úteis na prática diária.

A vantagem desta técnica reside fundamentalmente em três aspectos: rapidez, sensibilidade e especificidade. Rapidez, porque em poucas horas obtém-se um resultado, pois não há a necessidade de cultura de células para obtenção de metáfases e a análise pode ser feita nas intérfases. Sensibilidade, porque em um único experimento podem ser analisadas 500, 1000 ou mais células enquanto pelo estudo citogenético convencional são avaliadas cerca de 20 a 50 células que entraram em divisão.   E, por fim, especificidade, porque só será detectado aquilo está sendo investigado.

A par destas vantagens, a utilização de sondas de FISH tem sido bastante útil na detecção de clones menores eventualmente invisíveis pela citogenética convencional, na confirmação de alterações complexas ou na determinação de quimera pós transplante.

RT-PCR

A utilização de técnicas de polimerase em cadeia por transcriptase reversa (RT-PCR) tem sido bastante útil, particularmente na detecção de doença residual. Com efeito, uma vez determinado, ao diagnóstico, qual a alteração genética presente, deve-se conferir seu desaparecimento por métodos mais sensíveis. Assim, casos de LPA com t(15;17) ou rearranjo PML/RARA devem ser monitorados até o desaparecimento do rearranjo e subseqüente manutenção desta negatividade para assegurar a remissão completa contínua. A presença de positividade pode indicar recrudescimento da doença.

No entanto, há situações que merecem atenção especial como a t(8;21) ou AML1/ETO onde a positividade após a remissão ou o transplante de medula nem sempre indica possível recaída, uma vez que há casos descritos com PCR positivo em remissão completa há anos. Mais recentemente, uma variante do método de RT-PCR, com potencial de oferecer resultados quantificáveis para o transcritos específicos de certas leucemias com maior prevalência. Trata-se do PCR em tempo-real ou real-time PCR. que utliliza  detecção com química fluorescente. Como conseqüência, o método é mais sensível, mais rápido, oferece maiores controles de qualidade, permitindo auditar-se o processo de amplificação e elimina a contaminação no laboratório. Este último ponto é crítico e motivo de grande preocupação para laboratórios que empregam métodos como PCR e a pouca chance de contaminação com real-time PCR se dá porque o tubo de reação não precisa ser aberto ao seu final (já que a detecção ocorre on-line, durante os ciclos de amplificação). Finalmente, a oportunidade de quantificação pode resolver stuações de persistência do rearranjo leucêmico.

Exames laboratoriais

Além dos exames específicos para o diagnóstico acima descritos há que se fazer a tipagem ABO, Rh, prova cruzada e rastreamento para coagulação intravascular disseminada (CIVD)(vide capítulo correspondente), além de exames gerais como: função renal, enzimas hepáticas, ácido úrico, Na, K, Ca, ácido úrico DHL, gasometria venosa, sorologias para hepatite A, B, C, HIV, HTLV1, citomegalovírus, e HSV, tipagem HLA, parasitológico de fezes.

Exames de imagem também são necessários como a radiografia de tórax, além de avaliação da função cardíaca utilizando o ECG e ecocardiograma transtorácico.

Tabelas

Tabela 1: Classificação de LMA da Organização Mundial da Saúde

Tabela 2: Classificação FAB de LMA, Imunofenotipagem, Cariótipo e Rearranjo Gênico.

Legenda: FAB grupo franco-americano-britânico, CD= cluster designation

Tabela 3: Categorias de risco citogenético para LMA

Legenda: SWOG: Southwestern Oncology Group, MRC Medical Research

Referências bibliográficas

1. Jaffe ES, Harris NL, Stein H, Vardiman JW (eds). World Health Organization Classification of Tumors, Pathology and Genetics of Tumors of Hematopoietic and Lymphoid Tissues. IARC Press Lyon 2001.

2. Grimwade D, Walker H, Oliver F et al. The importance of diagnostic cytogenetics on outcome in AML: analysis of 1612 patients entered into the MRC AML 10 trial. Blood 92:2322-333,1998.

3. Mrózek K, Heinonen K and Bloomfield CD, Clinical importance of cytogenetics in acute myeloid leukemia in Best Practice & Research Clinical Hematology 14(1): 19-47, 2001.

4. Pelloso LAF, Chauffaille MLLF, Ghaname FS, Yamamoto M, Bahia DMM, Kerbauy J. Cariótipo em Leucemia Mielóide Aguda: Importância e tipo de alteração em 30 pacientes ao diagnóstico. Rev da AMB 49 (2): no prelo, 2003.

5. Slovak M et al Karyotypic analysis predicts outcomes of pre remission and postremission therapy in adult acute myeloid leukemia: A Southwest oncology   group/ Eastern cooperative oncology group study. Blood 96: 4075-4083, 2000.