Síndrome mielodisplásica

Tópicos presentes neste capítulo

  • Hemograma  
  • Mielograma  
  • Biópsia de medula óssea  
  • Cariótipo  
  • Diagnóstico diferencial  
  • Referências bibliográficas  

A síndrome mielodisplásica (SMD) é proliferação clonal das células da medula óssea caracterizada por pancitopenia devida a defeitos de maturação. Pode haver, inicialmente, citopenia isolada e, por vezes, evolui da fase pré-leucêmica para a franca leucemia (40%), ao passo que outros pacientes evoluem a óbito por falência medular (30%) ou por outras causas (30%). Os cinco subtipos inicialmente descritos pela classificação FAB: anemia refratária (AR), anemia refratária com sideroblastos em anel (ARSA), anemia refratária com excesso de blastos (AREB), anemia refratária com excesso de blastos em transformação (AREBt) e leucemia mielomonocítica crônica (LMMC), distinguem grupos com evolução, prognóstico e sobrevida diferentes.

Tabela 1: Classificação FAB das SMD (Bennett et al, 1982).

Porém, algumas formas da doença não se enquadram muito bem nesses critérios ou há, dentro de um mesmo subtipo, evolução e prognóstico díspares. Assim, a OMS organizou nova classificação (Jaffe et al, 2001), suprimindo o subtipo AREBt e englobando os pacientes com mais de 20% de blastos como leucemia aguda. No tocante aos subtipos AR e ARSA, a classificação sugere que sejam separados os casos de displasia eritróide pura daqueles com displasia das três linhagens, pois estes últimos têm prognóstico mais reservado. Já, os casos de LMMC, por apresentarem tanto características proliferativas como displásicas, passaram a ser definidos na categoria de síndrome mielodisplásica/mieloproliferativa.

A síndrome 5q-, embora classificada como AR na grande maioria das vezes, é entidade distinta, por apresentar características peculiares como macrocitose e plaquetose no sangue periférico, diminuição da série eritroblástica na medula óssea, presença de magacariócitos jovens mono ou hipolobulados e deleção de parte do braço longo do cromossomo 5, del(5)(q31.1). Incide, predominantemente, em mulheres idosas, que acabam tendo grande necessidade transfusional apesar de apresentarem bom prognóstico e de raramente transformarem em leucemia aguda.

Tabela 2: Classificação da OMS (Jaffe et al, 2001):

De acordo com a classificação das SMDs pela OMS, a doença pode ser caracterizada como primária ou secundária (idacionada a tratamento). Os subtipos são assim caracterizados:

• AR (Anemia Refratária- necessários pelo menos 6 meses de anemia não idacionada a outras causas);

• Síndrome do 5q- (mais comum em mulheres acima de 60 anos, importante displasia do setor megacariocítico, bom prognóstico);

• ARSA (Anemia Refratária com Sideroblastos em Anel - >20% de Sideroblastos em Anel no estudo do ferro medular);

• CRDM (Citopenia Refratária com Displasia de Multilinhagens);

• AREB-I (Anemia Refratária com Excesso de Blastos I – Blastos entre 5 e 10%);

• AREB-II (Anemia Refratária com Excesso de Blastos II – Blastos entre 10 e 20%);

• subtipos inclassificáveis.

Na tentativa de estabelecer quais pacientes têm maior ou menor probabilidade de evolução e sobrevida, foi desenvolvido o International Prognostic Scoring System (IPSS) por Greenberg et al (1997), que se baseia na alteração citogenética, citopenias periféricas e porcentagem de blastos na medula óssea (MO) (Tabela 3). Assim, pacientes com escore baixo têm maior sobrevida e podem merecer tratamentos específicos.

Tabela 3: cálculo do IPSS


Legenda: Bom = cariótipo de bom prognóstico, isto é, del (20q) isolado, del (5q) isolado, -Y, normal; Intermediário = Cariótipo Intermediário, isto é, outras alterações cromossômicas; Ruim = cariótipo desfavorável, isto é, complexo ( >3 anormalidades) ou alteração no cromossomo 7.

Para o cálculo do IPSS, faz-se a somatória dos valores correspondentes a cada critério e será considerado como :

Risco Baixo = Soma total = 0

Risco Intermediário 1 = Soma Total = 0.5-1.0

Risco Intermediário 2 = Soma Total = 1.5- 2.0

Alto Risco = Soma Total > ou = 2.5

A sobrevida média para o Baixo risco é 5.7 anos; para o Intermediário 1, 3.5 anos; para o Intermediário 2, 1.2 anos e para o Alto Risco, 0.4 ano. No tocante à evolução para LMA, o tempo médio para o Baixo risco é 9.4 anos; para o Intermediário 1, 3.3 anos; para o Intermediário 2, 1.1 anos e para o Alto Risco, 0.2 ano.

Hemograma

O hemograma pode mostrar anemia macrocítica em cerca de 80% dos pacientes, granulocitopenia em 50% e plaquetopenia variável.


Mielograma

A medula óssea apresenta como característica principal a hipercelularidade, podendo ser normocelular com dispoese de um ou todos os setores. A série eritrocítica pode apresentar hiperplasia com diseritropoese, hemoglobinização anômala, dissociação de maturação núcleo-citoplasma ou ninhos de eritroblastos. O ferro medular deve sempre ser avaliado e a presença de sideroblastos em anel (>5 grânulos de ferro em torno de 1/3 do núcleo do eritroblasto) em > 15% dos sideroblastos caracteriza a ARSA.

O setor granulocítico pode estar hiperplásico com metamielócitos gigantes, neutrófilos hipo ou hipergranulares e alterações pseudo Pelger-Hüet. Os megacariócitos podem ser displásicos, micromegacariócitos ou no caso da Síndrome 5q-, monolobulados . O número de blastos pode estar aumentado. Alterações de megacariopoese também são comuns podendo haver megacariócitos uni ou bilobulados e micromegacariócitos.

Biópsia de medula óssea

A biopsia de medula óssea fornece informações adicionais quanto à localização de blastos (ALIPs) e grau de fibrose, dentre outras.


Cariótipo

A análise do cariótipo da medula óssea pode demonstrar anomalias cromossômicas clonais entre 30 e 60% dos pacientes e em até 80% das SMD secundárias, sendo mais freqüentes as deleções (5q-, 7q-, 20q-), monossomias (-5, -7, -9) e trissomias (+8). A citogenética é variável importante na determinação de prognóstico e sobrevida. A citogenética persiste sendo o método de escolha para a detecção de anomalias cloanis na SMD.

A hibridação in situ por fluorescência (FISH) é um método citogenético-molecular que usa sondas de DNA complementares ao cromossomo ou à região cromossômica que se deseja estudar. Estas sondas são marcadas com substância fluorescente para permitir sua identificação quando analisadas. O FISH é útil na complementação da citogenética para a detecção de anormalidades cromossômicas. Tem como vantagem, o fato de poder avaliar as células tanto durante a intérfase, quanto durante a metáfase, com isto um maior número de células pode ser avaliada, aumentando a chance de detecção de um clone anormal. A desvantagem é que como são usadas sondas específicas para um determinado cromossomo, apenas a anormalidade pesquisada poderá ser detectada. Como é mais sensível que a citogenética clássica, o FISH tem sido reservado para o acompanhamento dos pacientes com SMD, permitindo tanto a monitoração de expansão do clone neoplásico, quanto a detecção precoce de recidivas após tratamento. Porém, FISH e citogenética não são métodos excludentes, mas quando associados podem aumentar a taxa de detecção de alterações.

Diagnóstico diferencial

"Deve ser feito cuidadoso diagnóstico diferencial com carências vitamínicas (ácido fólico, B12, ferro, piridoxina), disfunção tiroidiana, renal, hepática, doenças auto-imunes, infecciosas (hepatite, citogemgalovírus, etc.), neoplasias e hemoglobinúria paroxística noturna.


Referências bibliográficas

1. BENNET, J.M., CATOVSKY, D., DANIEL, M.T., FLANDRIN, G., GALTON, D.A.G., GRALNICK, H.R., SULTAN, C. (FAB cooperative group) - Proposal for classification of the myelodysplastic syndrome. Br J Haematol, 51: 189-199, 1982.

2. GREENBERG, P. COX, C. LE BEAU M.M., FENAUX P., MOid, P., SANZ G. e cols. International scoring system for evaluating prognosis in myelodysplastic syndrome. Blood 89(6): 2079-2088, 1997.

3. JAFFE, E.S. HARRIS, N.L., VARDIMAN, J.. World Health Organization classification of neoplastic diseases of the hematopoietic and lymphoid tissues. 2001.

4. VAN DEN BERGHE, H., CASSIMAN, JJ., DAVID, G. e cols. Distinct hematological disorder with delection of long arm of no 5 chromosome. Nature 251: 4327-538, 1974.