A leucemia mielóide crônica é doença mieloproliferativa clonal, que se origina a partir de única célula progenitora multipotente doente.
As alterações que se observam no sangue periférico são bastante características e, na maioria das vezes, levam ao diagnóstico de certeza. São os seguintes os valores hematimétricos médios que se verificam nos casos de LMC ao diagnóstico:
• Hemoglobina: 9,7g/dL (variação de 5,4 a 14,4 g/dL) notando-se pequena correlação entre a concentração de hemoglobina e o número total de glóbulos brancos circulantes;
• Plaquetas: 485.000/mm3 (variação de 25.000 a 1.400.000/mm3);
• Leucócitos: 225.000/mm3 (variação de 20.000 a 600.000/mm3).
A fórmula leucocitária é, em geral, característica, notando-se intenso aumento de granulócitos em circulação, com a presença de todos os elementos representativos deste setor, desde o mieloblasto até o neutrófilo segmentado, predominando formas intermediárias (mielócitos e metamielócitos) e maduras (bastonetes e segmentados). Há, freqüentemente, aumento do número de basófilos e de eosinófilos, atingindo os primeiros valores de até 15 a 20%.
A história natural de LMC pode ser dividida em fases distintas: fase crônica e a crise blástica, antecedida ou não por fase acelerada. A fase crônica coincide com condições clínicas e hematológicas, em geral, muito boas. Esta fase é seguida de maneira gradual pela fase blástica, a qual, quando instalada, torna-se rapidamente progressiva e coincide com o período terminal da doença. Durante a fase intermediária (acelerada) desenvolvem-se diversas anormalidades clínicas e hematológicas, tidas como sinais de aceleração, tais como aumento de basofilia e aparecimento de plaquetose, como evento novo, em paciente que previamente apresentava contagem normal de plaquetas. Surge também esplenomegalia e leucocitose. O sangue periférico mostra aumento do número de células imaturas e aparece anemia progressiva com aumento de eritroblastos em circulação. Ao lado dessas alterações hematológicas, desenvolve-se queda do estado geral, emagrecimento e febre de etiologia inexplicável. A transição abrupta para leucemia aguda, que merece a denominação crise blástica, ocorre em cerca de 25% dos casos. Embora o critério para o diagnóstico de fase blástica varie de acordo com as diversas instituições, critérios diagnósticos foram definidos como:
1. Febre de etiologia inexplicável, durante pelo menos cinco dias,
2. Mieloblastos e promielócitos no sangue periférico acima de 30%,
3. Hemoglobina menor do que 10,5 g/dL,
4. Plaquetas abaixo de 100.000/mm3,
5. Leucócitos acima de 30.000/mm3.
A tabela abaixo auxilia na definição da fase em que o paciente se encontra, bastando a presença de um dos critérios:
O aspirado de medula óssea é hipercelular às custas de aumento marcante de neutrófilos e precursores o que leva a relação leuco:eritroblástica para 20:1. A seqüência de diferenciação é mantida, mas com predomínio de células mais jovens como promielócitos e mielócitos. O número de megacariócitos também é aumentado. Observam-se ainda macrófagos contendo pigmentos azulados ou por vezes assemelhando-se a células de Gaucher.
Também mostra a hipercelularidade intensa com aumento de granulócitos e de megacariócitos. Pode demonstrar fibrose reticulínica detectada já na coloração de Hematoxilina & Eosina habitual, mas com evidente aumento de fibras de reticulina nos cortes corados especificamente para tal.
De grande importância para o diagnóstico, sobretudo nos casos incaracterísticos, é a presença do cromossomo Philadelphia (Ph), uma anormalidade citogenética adquirida, representada pela t(9;22)(q34;q11), formando o rearranjo gênico BCR-ABL. O cromossomo Ph está presente em cerca de 85-90% dos indivíduos portadores de LMC.
A citogenética clássica por banda G é o exame de escolha para identificar o cromossomo Ph, seja pela possibilidade de detectar alterações adicionais que poderiam indicar evolução clonal ou Ph variante, seja pelo seu menor custo (Chauffaille et al 1999).
Em 10% dos pacientes com critérios compatíveis para LMC nenhum Ph é detectado, mas em cerca da metade desses, o rearranjo BCR-ABL é identificado por métodos moleculares (FISH ou RT-PCR). Nos restantes, nem Ph nem rearranjo BCR-ABL são identificados e, aparentemente, estes pacientes têm doença mais agressiva.
O gene da fusão BCR-ABL transcreve um mRNA que codifica proteína com atividade tirosina-quinase maior que a proteína produzida pelo ABL “selvagem”. Dependendo do ponto de quebra no BCR, o produto da fusão pode ser: M-BCR (major), m-BCR (minor) ou mBCR. O M-BCR é o mais comum na LMC e resulta em proteína de 210kD (p210BCR-ABL). O m-BCR, que codifica a p190BCR-ABL, ocorre em 2/3 das LLAs e menos freqüentemente na LMC.
Ativação constitutiva da sinalização mitogênica, redução da apoptose e redução da adesão das células ao estroma e à matriz extracelular são os possíveis papéis da proteína BCR-ABL na fisiopatologia da LMC, e não necessariamente mutuamente exclusivos. No entanto, a via detalhada de interações anormais com proteínas citoplasmáticas (como RAS-MAP quinase, JAK-STAT, PI3 quinase) que resulta no sinal proliferativo ainda está incompleta.
Uma vez iniciado o tratamento com Interferon (IFN) ou com mesilato de imatinib (MI) há necessidade de monitoramento da resposta ao tratamento.
A resposta citogenética é considerada da seguinte forma:
Os pacientes em uso de IFN ou MI com a remissão citogenética devem ser avaliados por métodos moleculares como RT-PCR ou FISH (e, eventualmente, quantificável por este último).
Tanto durante o uso de IFN como de MI têm sido observadas anomalias citogenéticas não ocasionais além do Ph que, à primeira vista, seriam interpretadas como evolução clonal. No entanto, alguns pacientes podem permanecer em fase crônica estável por longos períodos ou até mostrarem o desaparecimento espontâneo destes clones (Marktel et al,2003).
Com efeito, a presença de evolução clonal citogenética como alteração isolada em pacientes em uso de MI e em remissão clínico-hematológica foi considerada como fator independente para prever progressão da doença, sugerindo a necessidade de análise periódica do cariótipo mesmo na presença de adequado controle hematológico. Além disto, a taxa de resposta ao MI foi inferior nestes pacientes com alterações adicionais (Marktel et al,2003; Schoch et al, 2003).
Também foi observada correlação entre episódios de neutropenia no início do uso de MI, fato consistente com a noção de que talvez tais pacientes já estivessem em uma fase mais avançada da doença quando não haveria praticamente células Ph negativas ou estas estariam por demais suprimidas (Marktel et al,2003).
Pouco antes da fase blástica ou na fase de aceleração aparecem alterações adicionais ao cariótipo, sendo mais freqüentes i(17q), +8, +21, +19 e um segundo Ph.
Os métodos moleculares para detecção do rearranjo BCR/ABL mais freqüentemente usados são a hibridação in situ por fluorescência (FISH) e a reação em cadeia da polimerase (PCR) após a conversão do mRNA extraído das células leucêmicas em DNA complementar ou cDNA. Para essa etapa inicial utiliza-se uma enzima conhecida como transcriptase reversa (RT), daí o nome do método: RT-PCR.
Ainda mais recentemente, uma variante do método de RT-PCR, com potencial de oferecer resultados quantificáveis para o transcrito BCR/ABL, vem se mostrando útil no seguimento desses doentes. Trata-se do PCR em tempo-real ou real-time PCR. Como conseqüência da utlilização de detecção com química fluorescente, o método é mais sensível, mais rápido, oferece maiores controles de qualidade, permitindo auditar-se o processo de amplificação e elimina a contaminação no laboratório. Este último ponto é crítico e motivo de grande preocupação para laboratórios que empregam métodos como PCR e a pouca chance de contaminação com real-time PCR se dá porque o tubo de reação não precisa ser aberto ao seu final (já que a detecção ocorre on-line, durante os ciclos de amplificação).
Com essas características, o real-time PCR permite o acompanhamento dos pacientes portadores de LMC ao longo de intervenções que promovam remissão duradoura da doença. Os diferentes níveis do transcrito BCR/ABL encontrados ao longo do tratamento da LMC e o seu valor prognóstico ainda precisam ser estabelecidos.
O FISH e o RT-PCR, ao diagnóstico, têm sido reservados para casos em que o cariótipo não apresenta alterações, mas a suspeita de LMC persiste, ou em situações de fibrose medular, onde não há material disponível para análise citogenética. No entanto, métodos moleculares não permitem observação de alterações concomitantes. Em 5% dos casos de LMC são identificados translocações complexas (Ph variantes) envolvendo o 9, o 22 e pelo menos mais um cromossomo.
A utilização de sondas de FISH tem revelado dados muito interessantes a respeito da LMC (Chauffaille et al, 2001).
A primeira geração de sondas foi produzida de modo a se ter um sinal de uma cor hibridizando com o gene ABL (por exemplo, vermelho), um sinal de outra cor para o gene BCR (por exemplo, verde). Assim, em uma célula normal são visualizados 4 sinais isolados, dois de cada cor, enquanto que na célula portadora de translocação t(9;22) são observados um sinal de cada cor isolado além de um sinal de mistura das duas cores (amarelo) correspondendo à fusão dos genes BCR/ABL.
No entanto, como há a possibilidade de mera justaposição geográfica na célula de dois sinais imitando uma falsa fusão, tem-se que estabelecer para cada laboratório um padrão de normalidade através da análise de células de indivíduos controle saudáveis. Este valor de referência varia desde 3 a 15% conforme a habilidade e capacidade técnica de cada serviço (Gozzetti & LeBeau,2000).
A segunda geração de sondas surgiu com o propósito de sobrepujar este inconveniente, diminuir a taxa de falso positivo e ganhar maior sensiblidade. Foi moldada de tal forma que a seqüência que hibridiza ao ABL é maior que a anterior e, conseqüentemente, liga-se à porção restante do ABL no cromossomo 9 emitindo um sinal extra da mesma cor (vermelho). Assim, em célula com Ph são obsevados um sinal de fusão (amarelo), dois sinais sendo um de dada cor (um vermelho e um verde) indicando os homólogos normais, além de um sinal extra menor (vermelho) correpondente ao resto do gene ABL que permaneceu no cromossomo 9. Com isto, só é computada como tendo a translocação a célula que apresentar este sinal extra. Desta forma, o nível de detecção aumenta e a taxa de normalidade, ou seja, a presença de falsos rearranjos em indivíduos normais, cai para menos de 1%.
A terceira geração de sondas, chamada de dupla fusão, é construída com seqüência maior não só para o ABL, mas também para o BCR, de tal sorte que serão marcadas as fusões BCR/ABL no cromossomo 22, mas também a inversa ABL/BCR no 9, traduzidas por dois sinais de cores fundidas. Conseqüentemente a taxa de falso positivo é reduzida ao extremo e permitindo boa quantificação de doença residual à semelhança de RT-PCR (Dewald et al, 1998).
Porém, graças ao emprego destas sondas foi possível perceber que alguns pacientes podem apresentar deleção da região proximal dos genes ABL ou BCR onde estas sondas maiores emitem sinais extras ou de dupla fusão. Assim fenômenos adicionais à translocação puderam ser detectados e logo evidenciou-se que talvez estivessem associados a pior prognóstico (Sinclair et al, 2000).
Diversos trabalhos estão em curso para tentar esclarecer o papel e a importância destes eventos adicionais.
O ácido úrico sérico encontra-se freqüentemente aumentado, mesmo antes do tratamento, particularmente nos pacientes que apresentam grande leucocitose ou deficiência de função renal, fato de importante implicação terapêutica.
Outros exames gerais devem ser feitos como função hepática, renal, Na, K, Ca, DHL, sorologias para hepatite A, B, C, HIV, citomegalovírus, e HSV,tipagem HLA, parasitológico de fezes.
Exames de imagem também são necessários como a radiografia de tórax, além de avaliação da função cardíaca através de ECG."
1. Chauffaille,MLLF et al . Leucemia mielóide crônica com cromossomo Philadelphia variante: relato de três casos. Newslab 7(37): 58-60, 1999.
2. Chauffaille et al, Fuorescent in situ hybridization (FISH) for BCR/ABL in chronic myeloid leukemia after bone marrow transplantation. S Paulo Med Journ 119(1):16-8, 2001.
3. Marktel et al, CML in chroni phase responding to imatinib : the occurence of additional abnormalities predicts disease progression. Haematol 88(3) : 260-267,2003.
4. Schoch et al, Occurence of additional chromosome aberrations in CML patients treated with imatinib mesylate. Leukemia 17(2) :461-3, 2003.
5. Gozzetti & LeBeau. FISH: uses and limitations. Sem in Hematol 37(4): 320-333, 2000.
6. Dewald et al, Highly sensitive fluorescence in situ hybridization method to detect double BCR/ABL fusion and monitor resposnse to therapy in CML. Blood 91: 3357-65,1998.
7. Sinclair et al Large deletions at the t(9 ;22) breakpoint are common and may identify poor prognosis subgroup of patients with CML. Blood 95(3) : 738-43, 2000.